Adocica, meu amor

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“Adocica, meu amor, adocica/ adocica, meu amor, a minha vida.” Esses versos prosaicos, que tomaram conta do Brasil 23 anos atrás, voltaram à tona neste 2011, por conta de um comercial de cerveja. Não se sabe se a Skol queria homenagear o autor do som que embalou as paradas de 1988. Se queria, o fez mais ridicularizando que afagando o paraense Beto Barbosa, 57 anos, autor de outros hits arrasa-quarteirão, como “Mar de Emoções” (1988), “Preta” e “Beijinho na Boca” (1990). O “rei da lambada” dos anos 1980 nem é o único a virar alvo da atual coqueluche da publicidade, de zoar gente que está, digamos, fora de moda, como bem o sabem o cantor Byafra e o ator Ricardo Macchi.

O tal comercial com Beto, atualmente no terceiro episódio, lista atitudes como usar pochete e ouvir “Adocica” como de mau gosto, “cafonas” – rótulo usado, de resto, para toda música que cai no gosto das grandes multidões. Beto diz que assinou contrato consciente da faca de dois gumes que significava topar a parada. Afirma que topou raciocinando “como um empresário, não só como um artista”, de olho na oportunidade de ocupar horários nobres transitórios na mesma mídia que primeiro o endeusou, depois o excluiu.

Na entrevista abaixo, o músico fala sobre a lambada, para ele uma mistura de carimbó paraense (aprendido com seu ídolo e padrinho Pinduca), forró de Luiz Gonzaga, música árabe e ritmos caribenhos como salsa, cumbia e merengue. Explica os desencontros com o estado natal e os porquês de nunca ter sido identificado como um astro paraense, enquanto seu colega e rival Luiz Caldas levava adiante o orgulho de ser baiano, com o fricote que desembocaria na axé music.

Avalia de modo crítico as festas paraenses de aparelhagem e seu estilo musical, o tecnomelody (“melotécnico”, segundo ele). Mas faz o mesmo com a MPB, que nunca assimilou com tranquilidade o sucesso popular de artistas como ele. “Não merecemos ser tão ridicularizados, menosprezados, humilhados como querem fazer”, resume. Conta, também, da infância e adolescência vividas entre os extemos da riqueza e da pobreza, no seio de uma família de origem árabe que não aceitava o fato de a mãe de Beto ter se casado com um motorista de ônibus e táxi.
 

Pedro Alexandre Sanches: Você nasceu em Belém?

Beto Barbosa: Nasci no estado do Pará, na capital, Belém.

PAS: Mas não mora lá?

 BB: Não. Vindo de lá, sempre morei no Nordeste, e aqui em São Paulo. Sempre morei em Fortaleza, Natal, Recife e São Paulo. Sempre tive pouso, hoje ainda tenho apartamentos em Fortaleza e Natal.

PAS: Qual é sua relação com o Pará hoje em dia?

BB: É zero.

PAS: Mas sua música deve muito ao Pará, não é?

BB: É, porque eu nasci lá, né? Minha música tem muito da minha história árabe, do meu avô libanês. Escutei muita música libanesa, meu avô tinha um rádio muito grande que pegava o Líbano. Ele ficava ali escutando, balançando numa cadeira, eu não entendia nada, ficava do lado, ele me contando. “O que ele está dizendo, vô?” “Ele está chorando pra ela voltar pra ele, que ela é uma deusa.” Era sempre romance, a mulher que perdeu o homem, alguém chorando. E as músicas árabes são nervosas, agitadas, têm muita coisa no meio, aquela música da dança do ventre. Esse suingue eu peguei muito deles. Era uma mistura, na época que me antenei mesmo pra vida era o movimento de Roberto Carlos, jovem guarda, e o movimento black power, Jimi Hendrix, Michael Jackson, Jorge Ben, Gilberto Gil. E ouvia muito aquelas músicas clássicas que começaram a chegar em Belém, Frank Pourcell, Ray Conniff. Fui muito feliz nessa diversidade de sons, que se juntavam aos ritmos de lá que eu escutava, da periferia – Evaldo Braga, Paulo Sérgio, Reginaldo Rossi, essa galera que não fazia música de qualidade para os críticos da música brasileira. Tive a felicidade de escutar o carimbó do meu amigo Pinduca, que foi meu mestre, o cara que me deu a primeira mão. O primeiro show profissional que eu fiz na minha vida foi com ele, na Peixada do Bigode, em Roraima, que nem existe mais.

PAS: Entrevistei Pinduca na casa dele, em Belém, ele falou muito de você.

BB: Foi? É bom quando a gente reconhece e lembra. Ele sempre me deu muita força, me ensinou muito. E uma das minhas tristezas com meu estado do Pará é justamente isso aí, de não terem ele como o Luiz Gonzaga do Brasil dentro da Amazônia. Ele é um rei, na sua cultura. Eu acho que o Pará deve ainda muita satisfação à história dele.

PAS: O norte tem a influência dos ritmos do Caribe, que é menor no resto do Brasil, e torna o som de lá muito particular. A lambada também tinha a ver com isso, não?

BB: Ah, sim. Tem muito isso, entra muito pela Amazônia, Colômbia, Peru, Venezuela, as Guianas, o Suriname. Chegam na Amazônia, se misturam. E é engraçado como a cultura vai pegando outras caras. A música do Caribe chega ali, o pessoal quer tocar igual e não consegue, aí toca um pouco diferente, já cria um ritmo novo. Aí o cara lá do Nordeste pegou a lambada, que já veio do carimbó, que já veio do Caribe, toca outra coisa e já é o forró moderno, estilizado. A cultura dá essa volta, no Brasil inteiro, cada um com a sua interpretação.

PAS: Luiz Gonzaga é muito importante pra você também, não?

BB: Nossa, escutei muito Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Jackson tinha uma coisa de tocar com três notas e botar um poema todinho dentro daquele quadrado, dividia muito. Tenho muito disso dele, de encaixar em poucas notas. As minhas músicas geralmente têm poucas notas, são bem simples. Uma vez eu estava com o Erasmo Carlos na minha casa em Fortaleza e disse pra ele: “Pô, eu queria poder tocar dissonante, me aprofundar nas notas”. Ele: “Pois é, mas você consegue fazer coisas que os caras das notas profundas não fazem, que é o simples, cara”. Eu toco nessa região aí, da simplicidade do verso e da dança. Eu danço, gosto de dançar. Geralmente, quando estou fazendo música, eu vou dançar pra ver. Se eu não conseguir dançar, com certeza ninguém mais dança, aí eu descarto aquele projeto.

PAS: Na sua infância, você tinha referência da riqueza e da pobreza ao mesmo tempo.

BB: Sim.um momento de muita revolta pra mim, porque eu não entendia aquela situação. Não compreendia como é que meu avô, meus tios, minha família tinham condições financeiras, e minha mãe não tinha a mesma oportunidade. Eles falavam que era porque minha mãe tinha casado com um homem que não prestava. Quer dizer, por isso todo mundo pagava a conta? Eu achava aquilo uma ignorância. Se não quer ajudar meu pai, que ele ao menos ajudasse a minha mãe, que todos os irmãos fossem solidários à minha mãe. Na verdade, os irmãos não tinham nada, eles foram crescendo diante do meu avô, que abriu loja pra um, orientava o outro. Meu avô tinha as Lojas Acreanas, se chamava assim em função da minha avó, que era acreana, e da minha mãe. São três acreanos na família, minha avó, minha mãe e o tio mais velho.

PAS: Seu avô veio do Líbano mesmo?

BB: Do Líbano. Foi pra Cruzeiro do Sul, Guajará Mirim, aquela região do Acre, pra trabalhar com o irmão dele, que já trabalhava lá com borracha, no tempo dos seringais. Depois teve terras de borracha. Aí dividiu a sociedade das terras com o irmão e foi pra Belém vender roupa na rua, chamava-se mascate. Os conterrâneos árabes eram muito unidos, uns ajudavam os outros lá. Ele vinha pra São Paulo buscar redes, tecidos, roupas, aviamentos, sapatos, biquínis. Vendia de tudo, era um armazém grande. A mãe da minha avó era cearense. Talvez seja esse o meu carinho pelo Ceará, né? Mas ela era aquela pessoa que não dava uma palavra, não podia dizer um “ai” nem um “oi”. Já pegava as decisões todas tomadas do meu avô, era proibida de falar. Minha mãe era rebelde nesse sentido, dizia: “Eu tinha tudo e não tinha nada. Tinha comida, roupa, tudo, mas não tinha minha vontade própria”. Meu pai era amazonense, de Manaus, motorista de ónibus, depois foi de táxi. Ela pegava o ônibus e, nesse trajeto, começou a namorar com ele. Não pensou em futuro, em dinheiro, em nada.

PAS: E a família não aceitou?

BB: Não, de jeito nenhum. E a minha mãe insistiu. Meu avô foi contra, abandonou, morreu e não perdoou. Já perto de morrer, disse: “Desculpo, mas não perdoo”. E comigo era diferente, porque eu era homem, o neto. Vivia com a minha mãe, ia pra lá, vivia aqui, vivia ali, sempre trabalhando com eles. Quando estava na casa da minha mãe eu ia juntar pedra na ruim pra vender, ia pras feiras juntar comida pra levar pra casa, que o negócio era difícil. Era pobreza total. Meu pai não trabalhava porque se meteu no vício da bebida, só alcoolismo, não tinha dinheiro em casa. E o pior de tudo não é a fome, é a bebida, rapaz. É uma desgraça. Tanto sofre o alcoólatra como sofre a família. Depois que a bebida passa, o cara entra em depressão, não queria aquilo pra ele, é muito difícil. Fui trabalhar na Loja Bagdá, que foi dada pelo meu avô. Ninguém ganhou nada que não fosse dele. Poderia ter feito a mesma coisa pela minha mãe.

PAS: Era uma questão de machismo, porque ela era mulher?

BB: Exatamente. Os homens tinham tudo, as mulheres não tinham nada. Depois, de tanto minha avó pedir, “ajuda tua filha, não faz isso”, ele deu uma casa pra minha mãe, mas se meu pai se ajeitasse. Meu pai não se ajeitou, ele fez o despejo da minha mãe. A gente morava em favela mesmo, no gueto.

PAS: Onde nasceu em você o destino que ia dar num pop star?

BB: Cara, eu já era gerente da loja. Fui boy, vendedor, caixa, motorista, passei por todos os lugares. Pra mim foi muito bom, eu sei varrer uma casa, limpar uma casa, vender, cobrar, argumentar com as pessoas aquilo que eu penso. Isso tudo me serviu. Quando vi a oportunidade da música, eu peguei como um trabalho, como minha tábua de salvação. Eu queria sair daquela vida, queria dar condições de verdade pra minha mãe, pra mim. Queria mostrar que eu era capaz diante do que eles achavam que eu não era. Eles achavam que eu não era capaz de nada.Peguei essa oportunidade e fiz dela a minha vida que é hoje. Comecei a investir na minha carreira, olhei quem eram os meus concorrentes, quem estava no mercado, quem ganhava dinheiro com isso. Era o Pinduca, o Alípio Martins, Luiz Gonzaga era o rei. Comecei a ver que se eu pegasse aquele negócio, botasse umas mulheres bonitas dançando, girando, uma coisa moderna, aquilo acontecia. Lançamos, e começou a arrastar multidões. Eram quatro coisas diferentes: o ritmo, o cantor dançando, uma música como “Adocica”, e as mulheres sensuais no palco. Quando botei a primeira música na Rede Globo, que foi “Adocica”, a novela “Sassaricando” já estava no ar, pra lá do meio, e botaram na novela porque o movimento estava muito forte, não iam perder aquele embalo. Botar uma música na Rede Globo é difícil, ainda mais numa novela andando, então mostrou pra mim na época que só não se faz o que não se quer. Hoje o cara manda uma música, “não, a novela fechou já” (ri)… Se quiser botar, bota, né? É a história do Brasil, o Brasil não faz porque não quer. Mas foi uma explosão, e logo depois veio a novela “Rainha da Sucata”, que era uma lambateria, o centro da conversa era uma mulher que vendia sucata e se tornou rica da pobreza. Tem um pouco da minha história, né?

PAS: O Pinduca chegou a ter sucesso nacional, mas o Pará em geral fica isolado lá. O seu caso foi talvez o maior, o primeiro artista popular de lá que virou nacional mesmo, conhecido no Brasil inteiro. Como você conseguiu pular essa barreira?

BB: Eu sempre disse isso pro Pinduca, e ele sabe disso: se ele morasse no Nordeste, ele era rei. Mas o Pinduca é aquela coisa de raiz mesmo, ele não quer sair dali. Eu, não, já sonho mais alto. Meu sonho é o mundo.

PAS: Você está dizendo que fez sucesso porque saiu do Pará?

BB: Exatamente. Se estivesse lá, não seria sucesso. O cara sai da Bahia já sai de lá sucesso. No Ceará, os caras se orgulham de abrir a tampa do carro e mostrar uma música de forró. O próprio Beto Barbosa eles têm hoje como se fosse de lá. Mas o Pará parece que tem vergonha. Eu sinto isso. O Pará só assume que gosta quando aqui disse que gostou. Aí também gosta. Se aqui descartou, descarta lá também. Não tem fábrica, é tudo enlatado. Não existe uma data nacional naquele estado.

PAS: É uma questão mesmo de auto-estima, de o povo de lá não acreditar nele próprio?

BB: Eu sinto iss, e às vezes isso se torna até meio violento, de agredir, se achar inferior. Eu não boto muito o meu pé ali, às vezes passo na rua, “ah, diz que não é paraense!”, “fica dizendo que é cearense!”. Eu sou brasileiro, o dia que quiserem vir comigo eu estou aqui, mas eu não posso é ficar nesse mundo que inventaram. Essa submissão é diferente da minha”. O povo baiano briga por dinheiro, todo carnaval tem que ter verba pra todo mundo pra botar o carnaval na rua. Em Belém não tem, como Parintins (AM), que é deste tamanho. Eu inaugurei Parintins, com o Pinduca e a Francis Dalva. Ela foi um sucesso lá no Nordeste, aí ficou no Pará, se acabou. O Pará não deu apoio. A gente era pra ter um calendário nacional como tem o axé, o samba, o forró. Nós não temos. Falam do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, é uma santa, sou devoto. Mas é uma festa religiosa, eu quero uma festa cultural, de música. Os sons que querem curtir é tudo enlatado, aí vêm aquelas aparelhagens que pegam o som de todo mundo, não pagan direito autoral, não pagam Ecad, e ainda acham que estão te fazendo um bem porque estão te tocando. É melotécnico, técnico tecnobrega, tecno não sei o que, pegam música dos outros, dão um remix.

PAS: Você não gosta do tecnobrega?

BB: Porque eles não pagam direitos, tiram oportunidades dos artistas solo, dos artistas-músicos, que tocam bateria, instrumentos.

PAS: Mas o tecnobrega tem ajudado a perceber que a musicalidade paraense é muito forte, e o resto do Brasil nem toma conhecimento.

BB: Porque não divulgam, não chamam, não têm esse interesse.

PAS: Nos anos 80 você já expessava isso, mas não ficou muito percebido que sua música era também música do Pará.

BB: Não, eu não expressava, porque eu tinha muita preocupação de vencer, crescer, sair daquela situação em que eu vivia. Quando comecei a ser cobrado do povo do Pará foi que vim me entender por que eu falava mais no Ceará que no Pará nas televisões: porque o Ceará me fez, foi o meu avalista na música nacional. Eu gravei em Belém, fiquei ali sem cantar em lugares bons, ninguém me dava oportunidade, todo mundo tirava onda, ficava ridicularizando, “o cara endoidou, quer virar cantor”. Não valorizavam. E saí de lá, fui viajar, fazer uma turnê de divulgação. Cheguei no Ceará, foi onde senti aquela força.

PAS: Nos anos 1980, o mercado estava dominado por Beto Barbosa, paraense, lambada, e por Luiz Caldas, baiano, fricote. Qual era a relação entre vocês dois?

BB: Quando conheci o Luiz Caldas ele estava estourado com aquela música (cantarola “Fricote”) “nega do cabelo duro/ que não gosta de pentear”. Estava um estouro, eu não chegava nem perto daquele sucesso que ele estava fazendo. Depois eu fui chegando, era muito forte no Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba. Eu fazia muito sucesso regional, e ele já foi um sucesso nacional.

PAS: Mas tinha alguma coisa a ver, embora fossem estilos diferentes, não? Começou ali o  que viria a dar no axé, música alegre, para se divertir.

BB: É, foi assim que o Brasil começou a olhar, a dar uma oportunidade para esses movimentos que vinham dos guetos, da rua, da periferia. Até então a música estava muito elitizada, muito internacional, muito, entre aspas, MPB. Esses cantores mais populares não tinham a oportunidade da grande mídia, né? E de repente a gente descobriu  o caminho das casas, de fazer show, a garotada começou a gostar, a coisa foi crescendo. E nesse período de três anos, de quando comecei, em 1985, até mais ou menos 1988, a lambada deu um estouro na França.

PAS: Era o Kaoma?

BB: É, montaram um grupo de franceses com baianos, e fizeram uma versão. A Márcia Rodrigues, de Brasília, que fazia sucesso aqui, foi que fez a versão da música “Chorando Se Foi”, e eles gravaram na França,e pipocou na Europa.

PAS: “Adocica” saiu em 1988, qual foi a ordem dos acontecimentos? 

BB: “Adocica” era a faixa número 9 do meu LP, porque eu não gostava dessa música. Eu queria outra, não queria trabalhar “Adocica”. Queria trabalhar “Mar de Emoções”, que é uma das minhas músicas mais regravadas fora do Brasil (cantarola), “vem dizer a hora, não posso te esperar, bambolê…”. Essa música é minha, música e letra, se você puxa no YouTube, tem bandas chilenas, colombianas, peruanas, mexicanas tocando essa música. Eu queria essa música, e a gravadora insistia em “Adocica”.

PAS: “Adocica” já era chamada de lambada?

BB: Não, era uma música caribenha. A lambada englobou tudo que fiz, botaram nome de lambada até em romântico, porque eu comecei cantando, e o nome que deram pro movimento foi lambada. Que dança é essa? Lambada. O Brasil não conhecia. Mas aquilo ali é Caribe, é merengue, salsa, cumbia. Lambada é um som imaginário, uma dança. Se você for buscar a história, é mais uma cumbia, um merengue, uma salsa. Tanto é que tenho uma música que fez sucesso (cantarola “Beijinho na Boca”, de 1990), “beijinho na boca, gostoso, doce mel, meu amor, o que será?/ garotinha do bumbum arrebitado, vem que eu vou te ensinar/ a dança merengue/ ai, ai, ai, ai merengue/ ritmo gostoso pra se dançar/ toca, toca merengue…”, é merengue.

PAS: O som do Luiz Caldas pegava isso também, a influência caribenha?

BB: Tinha um pouco de Caribe. A Bahia se inspira muito na África. O ritmo baiano é muito africano, tem música que você vê estourar no Brasil, quando vai na África está lá a música. É tipo esse negócio da dança do kuduro que inventaram agora, isso aí é uma lambada, né? É um merengue, uma salsa.
 
PAS: A diferença entre você e Luiz Caldas era que a Bahia sempre teve orgulho, o Luiz Caldas podia se dizer baiano, e você era um representante do Pará que meio não podia falar?

BB: Isso, os caras não têm orgulho. Se chegar lá, falam, “ah, Beto Barbosa…”, parece assim que são deuses. Não é o povo, as pessoas, os seres humanos. É a forma que pensam, ainda muito antiga, não dá pra conviver com isso nesse mundo moderno, deveriam estar tirando proveito da situação, da cultura do artista, dizer “você fala em Belém do Pará, pensa em Beto Barbosa”, “o cara é bom, leva divisas pro estado, vamos buscar verba federal pra trazer turismo pra cá”, sabe?  Lutar pelo povo, pô.

PAS: De algum modo, lá no fundo, sinto que você tem orgulho do Pará, porque senão você faria forró à moda nordestina, não teria criado o seu estilo.

BB: É, eu ainda espero que revejam, assim como consegui corrigir a história da minha mãe. Espero que, na história do estado do Pará, reconhecam esse erro grave que veio deles, não de mim. Os intelectuais da região não souberam aproveitar, nem sabem até hoje que têm um cara que gosta do estado, mas infelizmente não pode sozinho mudar.

PAS: Você falou dos intelectuais da região, mas são os intelectuais como um todo, não? Em geral discriminam muito os artistas populares, você deve ter passado muito por isso.

BB: Na verdade, não tive muito apoio, não tive. Mas faz muito tempo que eles também não lançam nada, não criam nada. O Brasil precisa de novos caetanos. Tem tanto caetano bom aí esperando oportunidade, e o próprio Caetano ainda está recebendo prêmio.

PAS: Você tem voltado para o alcance da mídia ultimamente. Festas aqui em São Paulo tocam suas músicas, e é um sucesso. E tem a propaganda da TV. O que está acontecendo?

BB: Cara, eu estou tendo uma nova oportunidade na mídia, uma nova forma de consertar tudo que foi bom e o que não foi. É um comercial que tinha tudo pra dar certo na minha vida e errado também, mas graças a Deus deu certo.

PAS: Por que errado?

BB: Porque, primeiro, o cara diz: “Quer queimar o filme, chega num churrasco de bolsa pochete, óculos new wave, acompanhado do ilustre Beto Barbosa cantando ‘Adocica’”. Quer dizer, tinha tudo pra queimar o filme mesmo, né? Fui colocado um pouco no ostracismno pela mídia, não pelo meu público, que nunca me esqueceu, nunca me abandonou. Foi mídia que determinou o enterro, a morte da lambada, que começou na França. Como se acaba um ritmo da noite para o dia? Não se acaba, aquilo estava já enraizado na cabeça das pessoas. Os jornalistas, os médicos, os profissionais que naquela época eram universitários hoje são formados, e os melhores momentos dessa geração foram aqueles da lambada. Eles eram felizes e não sabiam. Eram novos, tinham saúde, não tinham dinheiro, mas eram felizes, como eu. Virou febre, tudo era dança de lambada, Xuxa estava começando, Faustão estava começando, as novelas davam ibope.

PAS: Esses todos ganhavam muita audiência à custa da lambada.

BB: Eles ganharam muito dinheiro com esses movimentos. Os empresários ganharam muito dinheiro vendendo saia de lambada, sapato de lambada. A moda virou lambada.
 
PAS: Eu preciso confessar que a propaganda da Skol me ofende. Acho que eles desrespeitam você. É uma brincadeira que estão fazendo com vários artistas, Byafra, Roberto Macchi, virou uma ondinha. A propaganda não tem a intenção de te respeitar.

BB: É, mas tem aquele negócio, né? Eles me mandaram uma proposta, eu aceitei, porque eu quis aceitar. Poderia não ter aceitado. Naquele momento ali eu pensei como um empresário, não pensei só como um artista. Pensei como um cara visionário, o que é que eu vou ganhar? Disseram que íamos ter aí pelo menos uns três meses de comerciais direto nos melhores horários da Globo, do futebol, das novelas. Pô, não tem dinheiro que pague isso. E vendeu, atingiu, e o meu público se renovou, por incrível que pareça.

PAS: Quer dizer, se alguém queria te ridicularizar, foi um tiro pela culatra.

BB: Exatamente. Estou no terceiro comercial, já estão falando no quarto e no quinto, com outras propostas.

PAS: Que efeito concreto teve pra você? Está vendendo mais discos, fazendo mais shows?

BB: Discos não se vendem mais, acabou. Os shows aumentaram um pouco, mas não triplicaram. Te traz de novo pro espaço, pra mídia, a mídia se abre mais um pouco. Começam a te conhecer mais, a ver o que tu pensa, qual é teu sonho como brasileiro, como cidadão. Trabalho pra um público que gosta de dança, que não é crítico, que quer dançar, ser feliz, não quer saber se o cara rimou o certo com o errado. Não é doutor formado, doutorado em gramática, é um público leve, saudável, é a maioria dos brasileiros.

PAS: E tem uma minoria barulhenta que tem muito preconceito contra quem faz esse tipo de música…

BB: Hoje em dia eles estão muito reclusos da sociedade. A própria sociedade não permite mais isso, nós vivemos num mundo tão moderno, tão atual, está aí a liberdade gay, de expressão, da palavra, em todos os sentidos. Por que não pode ter também cultural, da música que vem dos guetos, das favelas? Até porque não apresentam nada socialmente, a não ser criticar e ser amargos. Hoje em dia eles são caras marginalizados, eu diria que são os bregas do momento hoje.

PAS: Você está dizendo que esse preconceito de estilo musical, no fundo, é contra quem vem do gueto?

BB: É, até hoje eu não sei explicar o que eles pensam, por que analisam que uma música é cult e a outra é brega. Ainda não entendi. Essa música é brasileira, não é americana. Você vê as músicas que celebram demais aí, “New York, New York”, Elton John, nos Estados Unidos é considerado brega e aqui é celebridade, pô. Aqui canta no Rock in Rio.

PAS: E não percebem isso, ficam brigando com Claudia Leitte como  se ela fosse mais brega que Elton John.

BB: É, são essas coisas que eu não entendo. A levada do Caetano, do Gil, os caras mais celebrados, eu com 57 anos de idade confesso que não tenho nenhuma base estrutural dentro dessa cultura que me fez gente, que me fez artista… Curti a música do Gil porque tinha a ver comigo, dançante, “subo nesse palco, minha alma cheira a talco”, “Taj Mahal”, do Jorge Ben. “Preta” inconscientemente vem dos meus ídolos de lá. Mas não merecemos, também, ser tão ridicularizados, menosprezados, humilhados como querem fazer. Quando perguntam, “você ainda canta ‘Adocica’?”, digo “claro, Caetano não canta ‘Sampa’ até hoje?, Roberto não canta ‘Emoções’, ‘Detalhes’?”. Tenho que cantar o que me fez gente, o que me fez Beto Barbosa, “Adocica”, “Preta”, lambada.

* Entrevista publicada originalmente no Yahoo! Brasil

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