No mesmo debate em que o produtor Leonardo Salazar procurava explicar conceitos organizativos para os músicos reunidos no I Seminário Nacional de Cooperativismo Musical em Rio Branco (AC), um representante do Ministério da Cultura (MinC) sofria para apresentar à plateia as pretensões de seu mais novo departamento, a Secretaria de Economia Criativa, dirigida por Cláudia Leitão, ex-secretária de cultura do estado do Ceará.

O funcionário de carreira Thalles Siqueira contou ser o único remanescente da gestão anterior entre os 25 profissionais que atuam na nova secretaria. E revelou que o próximo e aguardado passo é apresentar a, digamos, plataforma de governo da SEC para a presidenta Dilma Rousseff. Ela teria mostrado com uma frase curta o vivo interesse em conhecer o plano de ação da SEC: “Pode ser amanhã?”.

Outra novidade trazida por Thalles ao público musical abrigado no auditório do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas): o interesse em promover, no primeiro semestre de 2012, o I Seminário Nacional de Redes e Coletivos, ou nome que o valha. O título provisório causou espécie na plateia, mostrando que, se por um lado coletivos hoje centralizados na força de liderança e divulgação do grupo Fora do Eixo demonstram desconfiança prévia a cada novo passo da gestão de Ana de Hollanda no MinC, por outro o ministério apanha também por parecer, aos olhos de cooperativados e outras modalidades supostamente colaborativas, afinado demais com… o coletivo Fora do Eixo.

Causou queixas também a ausência, em todo o programa apresentado, de referências a componentes de diversidade e etnia no traçado da SEC – o temor de esvaziamento da Secretaria de Identidade e Diversidade está entre as 1001 desconfianças que o novo MinC gera sem parar.

Segue abaixo um roteiro de perguntas que FAROFAFÁ pôde fazer ao representante do MinC durante o seminário no Acre.

Pedro Alexandre Sanches: Em que o relato que você fez sobre a Secretaria de Economia Criativa representa avanço em relação aos últimos oito anos do MinC?

Thalles Siqueira: Quando Gilberto Gil assumiu, o plano de governo dele tinha este tripé: a esfera simbólica, a valorização simbólica da arte enquanto manifestação; a esfera cidadã, ou seja, de inclusão social; e o aspecto econômico. Esse último só foi melhor abordado a partir de 2008, quando se criou a Coordenação Geral de Economia da Cultura, cujo nome não era da magnitude da coisa, porque ficava subordinado a uma diretoria de uma secretaria. Eu fui o último coordenador-geral, no final do ano passado e no início deste ano. Sou de uma carreira de gestores de políticas públicas do Ministério do Planejamento, e sou cedido para outros ministérios para trabalhar com esses programas. Estou cedido ao MinC desde 2007.

Desde 2008, com esse programa de desenvolvimento da economia da cultura, vínhamos trabalhando com três linhas de ação principais em planejamento e orçamento: promoção de negócios; capacitação informativa para formar gestores, dirigentes culturais privados de cooperativas, associações e seus próprios negócios; e a realização de estudos, porque precisamos saber quem somos nós, onde estamos pisando.

PAS: Por que não existia essa figura, Secretaria de Economia Criativa, e ela passou a haver?

TS: Porque a necessidade se impôs. Nós tivemos um grande salto, primeiro com o reconhecimento pelo Gil de que a área era necessária, com a valorização simbólica, cidadã e econômica. No primeiro governo, ele conseguiu fazer muito bem os dois primeiros, o simbólico e o cidadão. Os Pontos de Cultura são a prova disso. E faltou trabalhar mais, na segunda gestão, essa questão do econômico. Foi quando Gil, já saindo, junto com Juca Ferreira, que já era secretário-executivo, falou: vamos criar a Coordenação Geral de Economia da Cultura. Isso foi amadurecendo, nós trabalhamos estes três anos de forma muito pontual.

PAS: Então já estava no plano, não foi algo inventado pela nova gestão?

TS: Não, havia o Prodec, Programa de Desenvolvimento da Economia da Cultura, com essas linhas de ação. Teria uma quarta, que seria de concessão de financiamento, mas depende de uma regulamentação para que a gente possa fechar contratos com instituições financeiras para repassarmos recursos do orçamento para que sejam emprestados, mas retornáveis, não a fundo perdido. Ficou pendente, nos últimos três anos não conseguimos a regulamentação dessa quarta linha de ação.

Trabalhamos esses três anos com projetos-pilotos, atendendo demandas mais iminentes, mas dessa forma pontual, apoiando uma feira aqui, outra ali. Isso não dava escala econômica, o que estamos agora fazendo, construindo uma secretaria, ampliando o conceito de economia da cultura para economia criativa, abarcando setores que tradicionalmente não são considerados como artísticos ou culturais, como a moda, o design, a gastronomia, a arquitetura. A Havaianas não deixa ninguém mentir, existe até a cópia chinesa, Havanas.

Este é o pulo do gato: transformarmos essas linhas de ação que estão lá estabelecidas no planejamento e no orçamento, mas com novas estratégias, diretrizes, objetvios, proporções. Não vamos apoiar eventos, até porque no orçamento deste ano não é possível apoiar feiras e eventos. A partir do ano que vem será, se o evento tiver cinco anos consecutivos, foi uma determinação do Lula no fim do governo.

PAS: O programa da SEC caracteriza continuidade das políticas culturais do governo Lula?

TS: Sim, é uma continuidade, com muito mais amplitude de acesso. Isso depende de dinheiro, mas também de estabelecer critérios para que a política seja universal, e não pontual. A gente agora precisa atender a Feira da Música de Fortaleza, socorre ali, precisamos salvar aquele projeto ali… A gente quer tornar isso uma política pública universal, republicana, democrática, de acesso livre e espontâneo para a população. O trabalho é muito mais do que ficar atendendo conjunturalmente, contextualmente, aquilo ou isso.

PAS: É curioso perceber pelo debate que coletivos como o Fora do Eixo são desconfiado com o MinC por um lado, e as cooperativas, pelo lado oposto.

TS: Chama democracia isso, né?

PAS: Sim, mas é uma especificidade desse novo MinC, que em alguns momentos é ou parece ser de oposição ao anterior.

TS: São interesses, da mesma forma como hoje estamos aqui conversando com as cooperativas o Fora do Eixo já veio, nos procurou. Eles me pegaram na escada, chegando ao ministério, aproveitando que estavam em Brasília para um festival. São grupos de interesses legítimos. Essa figura dos coletivos, que está na moda agora, tem seus interesses. O microempreendedor individual é outra coisa, mas é interessante que as cooperativas estão interessadas em saber o que é uma coisa que a princípio seria até concorrente ao modelo delas, que tem gente interessada em aproximar essas duas coisas. O grande desafio da economia nos últimos 20 anos é transformar as relações de competição em relações de cooperação. Se a gente cooperar, todo mundo sai ganhando, em vez de ficar brigando.

PAS: Pelo debate, pareceu que cooperativas e coletivos estão mais dispostos a brigar que a cooperar.

TS: Pois é, o desafio é descobrir qual é o arranjo possível com que podemos trabalhar as associações, as cooperativas, os microempreendedores, de forma cooperativa, cada um exercendo suas funções sem desvios – como os de associações que distorcem seus objetivos e funcionam como empresas de agenciamento cultural.

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