Em breves 43 anos de vida, Antônio Candeia Filho (1935-1978), conhecido mais simplesmente como Candeia, deixou apenas cinco álbuns solos gravados. Três deles estão de volta ao mercado em CD, em mais uma leva de reedições do selo carioca Discobertas, de Marcelo Fróes.
Os títulos são os três primeiros do compositor carioca, que só foi estrear no formato LP em 1970, aos 35 anos, quando muita coisa já tinha acontecido em sua vida. Policial nas horas em que não estava compondo sambas, ele se envolveu numa briga em 1965 e levou cinco tiros, que o deixaram preso a uma cadeira de rodas, do alto da qual gravou toda sua discografia.

Militante negro plantado nas fileiras do samba, Candeia fez mais que compor canções anti-racistas diretas como “Dia de Graça”: em 1975, fundou uma escola de samba, disposto a equiparar resistência negra ao branqueamento do carnaval carioca e resistência do gênero musical que elegeu abraçar: o Grêmio Recreativo de Arte Negra Escola de Samba Quilombo. À época, ingressava na gravadora Tapecar, onde registraria um único disco, o seminal Samba de Roda.
A Tapecar era, como a Equipe, uma casa brasileira – curiosamente, distribuía no Brasil os discos da Motown, meca negra norte-americana, não raro vista com desconfiança e desdém pelos resistentes brasileiros do samba. Parecia contradição, mas talvez não fosse: Tim Maia à parte, as escolas de samba eram, nos anos 70 núcleos fortes de concentração do black power à maneira brasieira. Muitos provavelmente fariam muxoxo à comparação, mas Candeia era o James Brown brasileiro – aquele James Brown que cantava-ordenava em tempo de funk, já em 1968: “Say It Loud (I’m Black and I’m Proud)”. Alto e bom som, Candeia também dizia: sou negro, e tenho orgulho de ser.
A seguir, comentários sobre os três álbuns relançados pela Discobertas:
Candeia – Autêntico Samba Original Melodia Portela Brasil Poesia (1970) – O título esquisitão soma sete termos dispostos em sequência atabalhoada para formar, em pique de palavras cruzadas, a palavra-nome Candeia. “Dia de Graça” era a primeira música do primeiro LP (no CD, a ordem das faixas está bagunçada, como aparecera numa reedição anterior do LP), mas pode ser considerada um testamento, síntese de toda a obra de Candeia. Primeiro, entram o carnaval, o racismo, as divisões injustas de classes sociais (e raciais): “Hoje é manhã de carnaval, há esplendor/ as escolas vão desfilar garbosamente/ aquela gente de cor/ com a imponência de um rei/ vai pisar na passarela/ salve a Portela/ (…) damos o nosso coração/ alegria e amor/ a todos sem distinção de cor/ mas depois da ilusão, coitado,/ nego volta ao humilde barracão”.
Na segunda parte do samba, o compositor vai reto ao ponto e passa o recado principal: “Nego, acorda, é hora de acordar/ não negue a raça/ torne toda manhã dia de graça/ nego, não humilhe nem se humilhe a ninguém/ todas as raças já foram escravas também/ (…) e cante um samba na universidade/ e verá que teu filho será príncipe de verdade/ aí então jamais tu voltarás ao barracão”.
Em “Samba da Antiga”, Candeia assumia persona bem mais velha que seus 35 anos e investia na metalinguagem: “A idade não importa, a cor da tua pele não interessa/ se tem perna, se tem perna certa/ vale é saber se tem samba na veia/ samba veio de longe, hoje está na cidade, hoje está nas aldeias/ nasceu no passado e está no presente/ quem samba uma vez samba eternamente”. “No Pagode” referia-se ao subgênero do samba, muitos anos antes do surgimento dos partideiros cariocas do Cacique de Ramos ou dos pagodeiros paulistas dos anos 90. O disco incluía uma parceria com outro sambista jovem de alma antiga: a dolorosa “Coisas Banais” era coassinada por Paulinho da Viola.

A essas referências soma-se a influência direta do candomblé, em “Saudação a Toco Preto”, bastante africana, mas com certas passagens que evocam de longe o funk norte-americano à moda de James Brown. Em outra clave, uma segunda parceria com Paulinho da Viola privilegia o lirismo e a antiguidade precoce. “Cada ruga no meu rosto/ simboliza um desgosto”, diz “Minhas Madrugadas”, chorando “a mocidade que não volta nunca mais”. “Minhas Madrugadas” foi lançada por Elizeth Cardoso em 1965, quando Paulinho tinha 22 anos.

Não incluídos no suplemento da Discoberta, Candeia seguiu após “Samba de Roda” para a multinacional Warner, sob a guarda do franco-argelino radicado no Brasil André Midani, um apaixonado pelo movimento black power, que à mesma época lançava a Banda Black Rio, condutora do quase-movimento black Rio. Sob o rótulo norte-americanizado Warner, saíram os dois derradeiros LPs do artista, o último deles lançado após a morte do artista:


Candeia seguiu e segue vivo, em interpretações de Elizeth Cardoso (“Minhas Madrugadas”, 1965), Paulinho da Viola (“Batuqueiro”, 1968, “Filosofia do Samba”, 1971), Clementina de Jesus (“Vai, Saudade”, 1970, “Tantas Você Fez”, 1979), Martinho da Vila (“A Flor e o Samba”, 1971, “Lá na Roça”, 1975, “Quem Me Dera”, 1976), Elza Soares (“Dia de Graça”, 1973), Clara Nunes (“Sindorerê”, 1974, “O Mar Serenou”, 1975, “Minha Gente do Morro”, 1979), Ademilde Fonseca (“Amor sem Preconceito”, 1975), Cartola (“Preciso Me Encontrar”, 1976), Os Originais do Samba (“Testamento de Partideiro”, 1976), Beth Carvalho (“Você, Eu e a Orgia”, 1978), Alcione (“Dia de Graça”, 1979, “Pintura sem Arte”, 1981), Marisa Monte (“Preciso Me Encontrar”, 1989), Grupo Fundo de Quintal (“Luz da Inspiração”, 1993), Mart’nália (“A Flor e o Samba”, 1997)…







Adorei a notícia e os comentários sobre os discos do Candeia.
Você sabe quando vai ser lançado e onde posso comprar?
Oi, Amanda. A rigor, já foram lançados… Mas hoje em dia encontrar disco em loja não é tarefa das mais fáceis, né? Sugiro você ir à loja mais próxima de você e pedir pra encomendar, se não tiver…
…Ou, de repente, o próprio site da gravadora pode te ajudar:
http://www.discobertas.com.br
Oi Pedro. Pois é, não é nada fácil encontrar esses cd’s em lojas físicas. Tinha dado uma olhada no site da gravadora e também não havia encontrado nada. Vou tentar contato direto com eles. Obrigada!