Dona Maricota é um personagem e tanto da música brasileira. Se não fosse ela, o Clube da Esquina poderia nem ter existido. Ou talvez tivesse sido chamado de Molecada do Bairro ou Meus Filhos e Seus Amigos. Mas Maria Fragoso Borges era uma mãe diferente.

A mineira transmitiu o gosto pela música aos filhos, e olha que eram onze. Quando jovens, lá estavam eles na esquina das Ruas Divinópolis com Paraisópolis, na cantoria até tarde da noite, para irritação dos vizinhos. A polícia chegava e todos corriam para se abrigar na casa dos Borges. Dona Maricota saía até o portão, vassoura na mão, e mentia até os policiais irem embora. Só que, mãe exigente, se enfezava com tanta bagunça. A calçada mais musical de Belo Horizonte foi logo apelidada por ela de “Clube da Esquina”, onde os filhos adolescentes e seus amigos ficavam quando não estavam na sua casa.

“Histórias do Clube da Esquina” traz esse e outros episódios que recontam a trajetória de uma geração de músicos mineiros talentosos numa versão em quadrinhos. O cartunista Laudo Ferreira, de 47 anos, é o autor dessa obra que vai ser lançada no mês que vem, tanto em São Paulo quanto em Minas. Desde o princípio, há cerca de 7 anos, sua ideia foi criar uma espécie de documentário desenhado. Sua inspiração e fonte de informação foi “Sonhar Não Envelhece”, livro de Márcio Borges, irmão de Lô Borges. “Não queria fazer um desenho fotográfico, nem queria deixar os personagens idênticos. Fiquei mais preocupado em contar bem as histórias do que fazer uma adaptação perfeita”, diz ele. Os desenhos foram todos colorizados pelo ilustrador Omar Viñole.

Em 2004, Laudo teve a ideia de escrever quatro HQs, uma sobre o Clube da Esquina e as outras três sobre os Secos & Molhados, Elis Regina (com o show “Falso Brilhante”) e Mutantes. Foi logo desaconselhado por um amigo, que sabia ser um enrosco buscar autorização relacionada aos direitos autorais com tanta gente. Anos depois, o cartunista conheceu o fotógrafo Juvenal Pereira, de relevante trajetória na imprensa brasileira e que conhecia Márcio Borges. Pontes conectadas, em 2007 Márcio procurou Laudo propondo-lhe que produzisse alguns quadrinhos para o site Museu do Clube da Esquina. Ali foram publicadas as primeiras 15 páginas. No ano passado, o cartunista ganhou recursos do governo estadual paulista para publicar o livro completo, agora com 48 páginas e editado pela Devir Livraria.

Laudo passou a ter contato com integrantes do Clube da Esquina, como Fernando Brant, Beto Guedes e os irmãos Borges. Todos lhe encorajaram a levar adiante o projeto. É por isso que, ao ler a HQ, muitos vão descobrir pela primeira vez histórias de bastidores dessa turma apelidada por dona Maricota. O menino Lô Borges, por exemplo, conheceu Beto Guedes quando este andava de patinete e decidiu propor-lhe uma troca de seu brinquedo com algumas moedas antigas. No início dos anos 1970, lá foram os dois participar do 1º Festival Estudantil da Canção, com “Equatorial Lady”. Lô virou Lú, segundo uma das apresentadoras, e os dois jovens cabeludos tiveram de subir ao palco com a plateia gargalhando.

Bituca, ou Milton Nascimento, claro, tem forte presença na HQ, mas Laudo fez questão de não torná-lo seu personagem principal, até porque a realidade não foi essa. Toninho Horta, Ronaldo Bastos, Tavinho Moura e Wagner Tiso, entre outros integrantes do Clube da Esquina, também foram bem retratados. Até personagens fora da música estão presentes, como Juscelino Kubitschek. O presidente e a trupe do Clube da Esquina se encontraram por coincidência em Diamantina, para deleite dos fotógrafos da época. De repente, Fernando Brant sugere que Bituca, violão na mão, toque “Beco do Mota”, uma canção que faz alusão a um lugar frequentado por prostitutas. JK dispara: “Vocês são de morte!”

Não poderiam faltar na HQ referências à época do regime militar, que forjou e moldou parte da produção do Clube da Esquina. O disco “Milagre dos Peixes” (1973), que foi dilacerado pela censura, está em algumas tiras. Nesse álbum, foram gravadas só as partes instrumentais das músicas, criando algumas suítes como na faixa “Hoje é Dia de El Rey”, letra de Márcio Borges. Com citações diretas à ditadura (“Leva daqui tuas armas/Então cantar poderia/Mas nos teus campos de guerra/Hoje morreu a poesia”), essa canção que deveria gravada por Dorival Caymmi e Milton Nascimento, mas acabou tendo liberada apenas a frase “Filho meu”, que permeia seus quase sete minutos de duração.

Fãs do Clube da Esquina e da música brasileira não terão do que reclamar. Para encomendar o livro, que ainda está em fase de impressão, o caminho das pedras é procurar a Devir Livraria, responsável pela publicação. Em meados de agosto, Laudo lança o livro em São Paulo (Livraria da Vila, Al. Lorena, 1731, às 19 horas). Já no dia 7 de Setembro, no Bar Godofredo, de Gabriel Guedes, filho de Beto Guedes, haverá o lançamento do HQ nas bandas das Minas Gerais.

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