A novidade surgiu discreta, mas com pinta de potencial evento histórico: o Som Imaginário ia se reunir, 42 anos após sua fundação. Som Imaginário foi uma banda de existência curta, entre 1970 e 1974, mas que deixou marcas indeléveis na música brasileira moderna, em três discos individuais históricos e acompanhando shows de Milton Nascimento e Gal Costa, entre outros.

Originalmente, era formada por Wagner Tiso (teclados), Robertinho Silva (bateria), Tavito (violão de 12 cordas), Luiz Alves (baixo), Laudir de Oliveira (percussão) e Zé Rodrix (voz, órgão, percussão, flautas). Músicos como Fredera (guitarra), Naná Vasconcelos (percussão), Toninho Horta (guitarra) e Nivaldo Ornelas (sopros) também passaram pelo grupo.

Tal elenco se confunde, em grande parte, com a história do clube da esquina, o movimento que consagrou Milton Nascimento e a música mais sofisticada de Minas Gerais mundo afora. O Som Imaginário teve participação decisiva nos antológicos álbuns Milton (de 1970, o que tinha “Para Lennon e McCartney”) e Milagre dos Peixes (1973) — entre um e outro, Milton liderou o disco-manifesto coletivo Clube da Esquina(1972), do qual participou a maioria quase absoluta dos imaginários.

Zé Rodrix, a seguir integrante do trio de rock rural Sá, Rodrix & Guarabyra, participou apenas do primeiro “Som Imaginário” (foto), de 1970, que continha uma das pedras fundadoras do som tipo clube da esquina, “Feira Moderna”, composta por Beto Guedes e Fernando Brant. Aquele foi o momento psicodélico/amalucado do Som Imaginário. Nos dois álbuns seguintes, Som Imaginário (1971) e Matança do Porco (1973), estaria condensada toda a diáspora sofrida a seguir pelo rock psicodélico à moda brasileira, estilhaçado em rock progressivo, Clube da Esquina, MPB, em jazz-rock, bossa nova pós-mineira.

Pois o Som Imaginário voltou para três shows no palco do Sesc Belenzinho, em São Paulo, neste fim-de-semana, em formação liderada por Wagner Tiso e completada por Tavito, Luiz Alves, Robertinho Silva e Nivaldo Ornelas. Wagner citou os ausentes, lamentou a morte de Zé Rodrix em 2009 e tal. E comandou, do palco, um espetáculo que evidenciou a diáspora não só do rock, da psicodelia ou do som progressivo, mas de toda aquela geração da chamada MPB.

Assistimos a um show fundado principalmente no álbum Matança do Porco (foto), mas muito menos inclinado ao rock progressivo original da banda em 1973 que ao jazz-MPB dos músicos experientes de hoje. O tempo não para, nem volta atrás, pareciam querer dizer os homens entrosados e compenetrados que conduziam um show rápido, correto, protocolar. “Vera Cruz” (1969), clássico de Milton, produziu picos de empatia, mas de psicodelia ou rock progressivo pouco restou para contar a história.

O encerramento, e único número cantado do programa, se deu com “Feira Moderna”, depois de Tavito pedir licença para ocupar os vocais que eram de Zé Rodrix e os versos caros aos opositores da ditadura militar: “Tua cor é o que eles olham, velha/ chaga/ teu sorriso é o que eles temem, medo/ medo/ feira moderna, um convite sensual/ ó, telefonista, se a distância já morreu/ meu coração é velho/ meu coração é novo/ e eu nem li o jornal/ nessa caverna o convite é igual/ ó, telefonista, a palavra já morreu/ independência ou morte/ descansa em berço forte/ a paz na Terra, amém”. Menos psicodélica que memorial, “Feira Moderna” confirmou a ausência do espírito hippie e da rebeldia rock-mineira na fórmula do Som Imaginário e da MPB em 2012.

“Eu hoje tenho um assunto delicado pra falar com você/ eu muito tenho meditado sobre a vida que você esqueceu/ você está com a cabeça virada para o nada e não procura nem saber o que eu penso e o que faço/ eu acredito que você ainda tenha uma pequena chance/ e eu encontrei a solução pro seu caso e lhe proponho um tratamento pra você melhorar/ eu vou plantar cenouras/ na sua cabeça”, cutucava “Cenouras”, a endiabrada faixa de abertura do álbum de 1971 (foto). Seria um bom texto para a nova música brasileira dirigir hoje às gerações heroicas da hoje encastelada ex-MPB. Não por acaso, o Som Imaginário 2012 não cantou (nem plantou) “Cenouras” no Sesc.

* Texto publicado originalmente no blog Ultrapop, do Yahoo! Brasil

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