NOVA YORK
Na sexta-feira retrasada, à noite, a pequena livraria Strand, no Village, ficou apertada para as pessoas em fila nas escadas, esperando por um autógrafo de dois badalados artistas. Os artistas em questão são os responsáveis por montar, em pleno Central Park, The Gates, a maior obra de arte do século 21 – pelo menos em extensão, pelo menos nesses anos iniciais do século, a despeito de Stockhausen ter dito que a mais impressionante obra de arte do século terá sido aquela imagem dos aviões entrando no World Trade Center.
São 38 quilômetros de gigantescos portais espalhados por toda a extensão do fantástico Central Park de Nova York, cerca de 7.500 varais estendidos com estandartes amarelos sobre a cabeça dos passantes. Após um mês de montagem, os portais começam a ser apresentados ao público a partir de hoje em Nova York.
Os números do projeto são gigantes em tudo: entre dezembro e janeiro, 210 caminhões carregados de bases de aço deixaram sua carga no parque; foram utilizados 192 quilômetros de fios para costurar os painéis e 93 km² de nylon; além disso, foram outros 96 quilômetros de postes de tubo de vinil para sustentar os painéis. Mais de 100 operários trabalharam na montagem. São esperados cerca de 200 mil visitantes por dia e o sociólogo Kenneth Clark fez estudo prévio com 660 freqüentadores do parque para analisar o impacto da obra. Descobriu que The Gates é mais popular entre os pobres do que entre os ricos.
Os artistas que autografavam no Village eram os autores dessa megaobra, o búlgaro Christo (artisticamente, ele renega seu primeiro nome de batismo, Javacheff) e sua mulher, Jeanne-Claude (também único nome, por opção), parceira nos megaprojetos. Eles iniciaram essa maratona há 26 anos, quando tentaram cavar 30 mil buracos no parque e tiveram o projeto vetado inicialmente pela prefeitura.
Jeanne-Claude, de cabelo vermelho, colete dourado e sapatilha prateada, toma a dianteira das assinaturas. Christo parece se ressentir mais do peso de sua cruz artística. Ela é despachada e imperativa – os críticos da arte faraônica de Christo a comparam a Yoko Ono, e ela não parece se incomodar.
“Todo artista precisa de um monstro”, ela disse ao seu biógrafo, Burt Chernow. “Christo é muito legal e gentil, ele sempre diz sim para todo mundo. Então sobra para mim dizer não.”

Texto publicado no Estado de S.Paulo em fevereiro de 2005.

Jeanne-Claude morreu de um aneurisma cerebral na quarta-feira, em Nova York, aos 74 anos. No dia da inauguração da instalação The Gates, ela e Christo estavam no restaurante do lago, no Central Park, e quem tivesse uma revista New York nas mãos podia entrar na fila de autógrafos. Eu tinha, entrei na fila e ganhei dela um pedaço do tecido dos Portais de Christo.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

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