o que o escritor e rapper “made in capão redondo” ferréz tem a dizer sobre estes surtos de violência que nos vêm em ondas, como o mar? não tem nada a dizer além do que já vem dizendo há anos – e que acha que ninguém quis nunca ouvir, ouve só:

“quando eu fiz ‘capão pecado’, tem um trecho que fala assim: “o futuro é ‘mad max’, esteja preparado. dias de chuva, bairro entrincheirado”. eu já falava lá. a gente não fala mais no pcc, porque a gente já falou tanto de guerra social, há tanto tempo, e nunca ninguém levou a sério. se for ver uma reportagem minha e do paulo lins na ‘folha’ em 2000, a gente falava o quê? ‘ou pela arte ou pelo terror.’ e hoje a gente está vendo o quê? o terror. e isso é um pequeno nicho do que vai acontecer ainda”.

ouvidos poucos, ouvidos moucos… se você não ouviu QUANDO ferréz falava, que tal ouvir agora, no ato, ENQUANTO ferréz está falando?, para não ter que dizer, daqui a cinco anos, atarantado(a), que “ah, ele falou, mas eu não estava ouvindo, então, como não ouvia, não fiz nada para dar minha cota na resolução dessa encrencONA, que também era e é e será minha”?…

pois ferréz fala agora, e sua fala guarda momentos de alta contundência, e guarda momentos de alta poesia – eu sei que você vai saber encontrar seus próprios momentos ali dentro da fala dele.

[ao fim da entrevista transcrita, segue como bônus a reportagem que dela resultou, inserida à “carta capital” 407, de 23 de agosto de 2006. porque, apesar de tudo, como sempre diz um certo cantor-ministro, o melhor lugar do mundo é aqui, e agora.]

pedro alexandre sanches – além de livro, cd e o trabalho na sua loja, 1dasul, agora você estréia também em história em quadrinhos. é ferréz multimídia?

ferréz – é que sou muito produtivo, tá ligado? ao mesmo tempo que sou, fico com receio de lançar um monte de coisas. mas não tem jeito, você tem que fazer e tem que lançar. já tinha evitado fazer lançamento dos dois últimos livros que fiz, do “amanhecer esmeralda” e do “literatura marginal“, que organizei. não fiz lançamentos justamente para não chamar atenção.

pas – por que não chamar atenção?

f – não sei, eu não gosto de festa. sou chato pra caralho. não gosto de lançamento, não gosto de ir no lançamento dos outros, não gosto de fazer o meu. evito o máximo possível. eu gosto de fazer o trabalho, de realizar, ver pronto, ver prensado. mas tem coisa que tem que fazer, então não tem jeito.

pas – vai acontecer lançamento do “ninguém é inocente em são paulo“?

f – vai. vai ser lançado lá na livraria cultura, no dia 31 [de agosto, agora já passou].

pas – é um sacrifício para você?

f – é. em lançamento você vê muita face do ser humano de que você não gosta. todo mundo é “parabéns”, “parabéns”, mas as pessoas que estão no convívio com você mesmo é que são verdadeiras, o resto é meio esquisito. mas faz parte também, né?

pas – como aconteceu sua ligação com história em quadrinhos?

f – a primeira vez que apareci numa revista foi na sessão de cartas de uma história em quadrinhos. eu mandava cartas para várias publicações. sempre li muito quadrinho, foi a primeira coisa que li. até hoje eu leio bastante. e chegou uma época que juntou uma coisa com a outra. fui à revista “rap brasil” fazer uma matéria de rap, convidado para dar uma entrevista, e tinha um cara que estava desenhando lá, o alexandre de mayo. quando eu era pequeno, sempre quis ser desenhista, nunca quis ser escritor. era meu sonho, tanto que eu fazia fanzine e desenhava, desenhava história em quadrinhos também. só que eu não era bom [ri], né? depois de muito tempo rodrigo fonseca, da editora pixel, me ligou e disse que queria elaborar uma revista em quadrinhos comigo, que eu podia convidar os desenhistas que quisesse e tal. e pensei em chamar o alexandre, e em a gente fazer uma parada que abrangesse uns moleques que não acham nada na banca que tenha a ver com eles. eu também fui educado com gibi americano e europeu. quadrinho nacional é muito fraco. os que existem são bons, mas são pouquíssimos os que chegam.

pas – seu plano é continuar nessa linha?

f – não sei. eu não tenho nunca nenhum plano. sei que vou fazer três revistas, uma trilogia. já escrevi o roteiro da segunda parte, vai chamar “central do crime original”. e a última vai sair antes de dezembro, também. mas eu sempre me realizo quando faço um trampo só, quis fazer um livro infantil e fiz só um. queria agradar um público, os moleques sempre me cobravam, “você nunca fez um livro para nós, tio”. fiz, está realizado, não tenho vontade de fazer outro. é que nem cd, fiz um em 2003 e até hoje não fiz outro.

pas – não está produzindo ou planejando outro?

f – estou fazendo um com um grupo que montei, mas aí é um trampo diferente. o grupo se chama tref, que é como a gente fala, três famílias, três favelas. montei o grupo para fazer umas composições e poder, sei lá, dividir a parceria de escrever com outros caras. é legal.

pas – quadrinho é mais fácil de fazer que livro, disco etc.?

f – cara, “os inimigos não mandam flores” é um conto meu, aí fiz um especial do “fantástico” com ele, depois estava pensando pôr no livro, mas era legal fazer uma coisa separada. eu tinha divulgado ele, pus pela primeira vez na revista “literatura marginal”, que editei para a “caros amigos”. esse é um conto com que os moleques aqui do capão redondo chaparam muito, sempre perguntavam se ia virar livro. achei que era uma pena deixar ele morrer, aí resolvi fazer o livrinho em quadrinhos com ele. quer dizer, os moleques meio que reivindicaram.

pas – você fala, num dos textos de apresentação de “ninguém é inocente em são paulo“, sobre a dificuldade de montar uma história nova, que acabou o conduzindo a publicar um livro de contos. é isso mesmo?

f – é sobre a dificuldade de fazer romance, né? aqueles contos são como se fossem mini-romances, minitentativas de fazer um romance.

pas – mas surgiram pela dificuldade de imaginar um novo romance?

f – não, porque são histórias que tinham que se acabar mais rapidamente, é uma transa mais rapidinha que uma prolongada. a história do conto era de duas ou três páginas só, bastava para mim contar aquilo em duas ou três do que fazer todo um romance com ela. entre um romance e outro, os contos vão brotando. tem idéias que não dá para pôr no romance, não cabem no personagem. o “manual prático do ódio” [seu livro de 2003] tinha, sei lá, quase 200 personagens. toda história que quero pôr eu vou pondo. aí vejo uma história de violência contra a mulher, falo “puta, não fiz uma mina que sofre isso no livro, tinha que pôr”. porque tudo representa a periferia, né? a periferia é um complexo de um monte de atitudes. se você não representa um professor homossexual, você vai numa escola e o professor diz “porra, tá vendo?, você não fala de homossexual”. pô, então vamos falar de homossexual. aí você não fala do negro, ou fala, mas não fala da mulher negra, que é a que mais sofre, porque nenhum homem negro quer ela também. é uma complexidade de coisas, tento pôr um pouquinho de cada.

pas – tenta porque tem necessidade de pôr, ou porque se sente cobrado?

f – porque tenho vontade, de contar um pouco. as pessoas não têm idéia do que é, o cara não sabe o que é ser desempregado até ele ser. fiz um conto no livro novo, que saiu primeiro na itália, por uma editora lá, que se chama “o pão doce”, e é baseado no desemprego. o cara não agüenta mais trampar, sai da firma e, mano, ele só quer uma cesta básica. ninguém imagina como é bom ter a cesta básica, e a ironia é esta, que logo o mercado não dá cesta básica para ele.

tem histórias que me incomodam. o “manual prático do ódio” era um conto, que até fiz para uma coletânea da europa. aí, depois que fiz, ele me incomodava. achava que a história não estava boa, que o final tinha que mudar. então ia mexendo, mexendo, e 20 páginas viraram 200 e 300 e virou um romance. mas tem histórias que acho que não têm um gás para virar um romance. uma coisa que sempre digo para o arnaldo antunes é que aprendi com os trabalhos dele a reciclar idéia, que é algo que eu não fazia no meu trabalho antes. hoje em dia eu faço. “os inimigos não mandam flores” era uma letra de música que virou uma crônica que saiu na revista, depois virou um especial para o “fantástico”, agora virou uma história em quadrinhos. e a cada vez que vem, vem com mais argumento, mais força, mais começo, mais meio e mais fim. é legal, porque muitas vezes você tem uma idéia e não temperou, ela sai assim meio crua. é algo que acho que os escritores têm que tomar cuidado, porque a gente vende densidade. a gente vende coisa densa, coisa fina não interessa a ninguém. se vou falar de um jornalista superficialmente, não dá, tem que falar de forma densa.

pas – o ônibus é uma imagem bastante presente no livro de contos, primeiro como metáfora para a viagem dos que ingressaram no crime e não vão voltar mais, depois na comparação da fila do ônibus com uma fila de judeus num campo de concentração. pode falar sobre essas imagens?

f – ônibus é um barato louco, né? o cara que sempre andou abre a janela ali e viaja, né? é mais reflexivo. o carro, por ter conforto…, nunca vi um cara parar o carro para escrever, porque teve uma idéia. entro no carro e não tenho porra de idéia nenhuma. só tenho idéia quando saio do carro. mas ônibus, não, ônibus é foda. você entra, ouve um cochicho daqui, outro dali. você vê a paisagem de uma forma privilegiada, porque o ônibus é alto. então não sei, tem uma química nele. se eu entrar no ônibus, tenho que ter alguma coisa para escrever. agora tenho um celular que dá para escrever, fico escrevendo nele. o ônibus me dá muita idéia, de clima… vejo um cara de muleta no ônibus, falo “caralho, essa porra é uma guerra mesmo, o cara de muleta, outro cego”. o bagulho é tipo uma trincheira, o ônibus me dá muita inspiração. tenho amigos que são mais conhecidos no rap ou na música em geral, mpb, que não andam de ônibus nem fodendo. o cara paga para não andar de ônibus. eu, não, mano, se eu puder ir de ônibus, vou de busão. de dez em dez dias, tenho que andar de ônibus um dia, nem se não for para escrever, mas para ir para um lugar e voltar. não sei por que, também, mas…

pas – você costuma ler em ônibus?

f – quando eu trabalhava para fora e ia de ônibus, eu lia bastante no ônibus. lia em pé, sentado. ultimamente não levo, porque se levar vou querer ler o livro todo. então deixo para ler em casa, e no ônibus eu vou andar, vou ver as coisas. também, depois que você fica um pouco conhecido, é chato pra caramba, porque todo mundo fica te pedindo o livro, pensando que é o seu. você fica “não, este não é o meu”, “é de quem?”, “é de um cara, um alemão”, “é amigo seu?, então arruma um para mim?”. todo mundo pede o livro, é foda. ou então o cara quer anotar o nome do livro, você não fica em paz. às vezes dou azar, vou pegar ônibus e chega sempre aquele cara mais chato, “eu te vi na mtv, da hora!”. aí não dá para aproveitar mais nada.

pas – esse assédio é algo que incomoda você?

f – ah, é. eu gosto quando vejo que o cara realmente… mas sempre tem as conversas paralelas, o cara está dizendo uma coisa e vai chegar em outra: “gosto muito da música, e tal, inclusive eu tenho um grupo de rap…”. é foda isso, mas também faz parte, porque a gente, também… eu sempre prometi que, escrevendo, eu nunca ia ficar num pedestal. escritor tem essa fama de ficar numa torre de marfim, de todo mundo ficar lá embaixo olhando ele. acho importante você estar transitando, a pessoa estar te vendo. acho muito louco, quando estou na rua, o cara “ó lá, filha, pega autógrafo do menino lá, ele é escritor”. é diferente você ter um escritor na rua, acho legal. quando vejo os amigos que escrevem poesia, como sérgio vaz, o cara na rua andando e conversando, é legal, mano, o cara está ali exercendo, não fica só restrito.

pas – então é em parte legal, em parte ruim?

f – é. depende do dia. tem dia que não quero mesmo falar com ninguém. tem dia que escolho para falar justamente as pessoas que não consigo achar. esse negócio de vida intelectual da gente também é chato, porque todo mundo trabalha o dia todo. você fica sozinho, vai falar com quem? você liga, o cara está trabalhando, o outro também. você acaba com os caras desempregados, os caras que roubam… é natural também.

pas – você poderia fazer uma descrição de como está sua vida? mudou muita coisa desde que você começou a lançar livros, não?

f – mudou pra caralho, no respeito. o respeito aumentou, pelas coisas que escrevo, pelas coisas que falo. o espaço aumentou, hoje posso dizer não para um monte de gente. antigamente eu não podia dizer não nem fodendo. o cara falava “tem r$ 50 aqui para você falar”, eu tinha que ir. hoje já não preciso.
não tenho uma vida que eu gaste muito, procurei não morar em condomínio fechado, não ter carro caro, não ter coisas caras, para não ter que me matar para ter esse padrão. senão é como mano brown falou no dvd, você tem que trabalhar para pagar as coisas de depois que você ficou famoso. eu não tenho esse padrão de vida. em vez de ter um carro de r$ 20 mil, tenho um de r$ 8 mil e consigo manter, o pára-choque é r$ 50. os caras criam um padrão que não podem manter. na minha casa aqui, fui eu que envernizei todas as janelas, pintei. como já trabalhei num montão de coisa, vou cuidando da casa, e fica mais barato você administrar. coloquei a iluminação junto com um amigo, já trabalhei em tanta coisa que sei fazer uma porrada de coisa.

pas – você falou dos intelectuais que trabalham com outras coisas para sobreviver, é o seu caso também? como está estruturada sua vida hoje?

f – se eu deixar de trabalhar na 1dasul, só compro o básico, não vivo. então tenho que trabalhar na loja e tenho que escrever. tenho que fazer as duas coisas.

pas – onde fica sua loja?

f – ela fica no centro do capão redondo. meu trabalho é administrar. minha mulher trabalha lá vendendo as roupas junto com um amigo, o davi, e eu trabalho criando as roupas, confeccionando, administrando as mercadorias que vão entrar e sair da loja, atendendo os grupos de hip-hop que vão lá deixar cd, e fazendo os eventos culturais que a gente faz.

pas – as roupas são confeccionadas na loja mesmo?

f – não, é fora. marca é assim, você tem a loja e terceiriza tudo. vou na mulher da touca, na mulher da camiseta, no cara do silkscreen, o dia todo zanzando de lá para cá resolvendo um montão de coisa. dividi minha vida assim: tem dias que tiro para resolver coisas da loja, tiro seis dias para trabalhar na loja e faço tudo, faço camiseta, boné, tudo que tenho que fazer. aí, pronto, resolvi, naquele mês já trabalhei aqueles seis dias, aí vou seis ou dez dias para trabalhar como escritor. aí fico nas minhas coisas de escritor, vou ler, vou no meu arquivo pessoal. depois tiro mais seis dias para fazer os eventos, os shows, as palestras que vou dar. divido meu tempo meio assim, é foda.

pas – mas está dando certo, você está progredindo, não?

f – está dando certo. até hoje nunca prometi uma coisa que não entreguei. um cara do “estadão” ligou querendo um texto, falei que não ia fazer porque é um texto que não me agrada. tem coisa que não quero fazer e não falo não, outras dá para fazer, me aperto um pouco mais, mas entrego no prazo, para não dar mancada. estou terminando uma peça de teatro agora, estou reescrevendo “lisístrata”. terminei no prazo, porque não gosto de enrolar ninguém.

pas – vai entrar em cartaz onde, e quando?

f – vai entrar este ano, só não sei onde direito.

pas – é na comunidade?

f – não, é um pessoal que já mexe com teatro. reescrevi a peça toda, ficou louca, estilo favela.

pas – um dos integrantes do grupo negredo diz, no dvd, que para organizar os shows e tudo mais, é preciso continuar trabalhando em outras coisas para sobreviver, fazendo bico. você encontrou uma fórmula mais estruturada que essa?

f – é… por a gente conhecer o sistema bem, por ter essa coisa de crítica do sistema e da corporação, você também trabalha de forma corporativa, você aprende o método. tudo no sistema capitalista é uma fórmula, tá ligado? ouvi isso de jornalista que hoje é rico, milionário, ele disse “mano, é tudo uma fórmula mesmo, você descobre um caminho, persiste ali, vai abrindo suas coisas, vai indo”. acho que 10% é o talento, e 90% é trabalho. tem que trabalhar muito, tem que fazer o corre mesmo. eu ia entregar texto no lugar, não mandava e-mail, ia lá para ver a cara das pessoas para depois elas lembrarem de mim e me indicarem em outro trabalho. então participei de um monte de coisa, nos cinco primeiros anos que eu escrevia eu trabalhava em empresa, de balconista e tudo. eu nunca me iludi, já cheguei a ganhar prêmio da associação paulista dos críticos de arte e no outro dia eu estava trampando vendendo livro e camiseta na rua para poder inteirar o dinheiro da conta. o erro dos caras é pensar que já deu certo. está dando. um amigo falou uma vez que eu não fiquei no “capão pecado” [seu primeiro livro, lançado em 2000], só, porque não parei um dia desde que lancei aquele livro. nem para comemorar eu parei, ele disse. sempre foi um corre mesmo.

pas – qual é exatamente a atuação da 1dasul no dvd “100% favela”? você é um dos produtores?

f – esse projeto foi idéia da sophia bisilliat, que é filha da maureen bisilliat, uma fotógrafa muito conhecida, curadora de museu. sophia viu a gente fazendo a festa na favela e achou muito legal. o negredo realizava a festa, esses quatro meninos que cantam rap, e eu ajudava patrocinando panfleto, ajudava no palco. tinha uma época que políticos bancavam a festa, mas a gente tinha que pôr os políticos em cima do palco, e a comunidade falava “pô, fica pondo esses caras!”. então tá bom, a gente cobra entrada e não põe esses caras mais. e a gente optou por pedir alimento, aí doa para igreja, a igreja ajuda a gente a organizar também, ou seja, a comunidade toda participa.

quem organizava primeiro era o negredo, os meninos, na comunidade deles. aí sophia veio com a idéia de filmar e fazer um dvd, ela deu idéia de um documentário. falei “pô, sophia, esse bagulho de business não acho legal”. ela falou de fazer um documentário mostrando a gente juntando dinheiro, correndo, fazendo todo o processo. pensei “é, pode ser”. aí não tinha dinheiro para fazer, e a mãe dela decidiu emprestar o dinheiro para nós. veio aqui na favela para emprestar o dinheiro, tem que ter uma coragem absurda, porque ficou caríssimo o dvd.

pas – pode falar quanto?

f – ah, inicialmente a gente gastou r$ 50 mil, foi o que maureen logo já emprestou. a gente não teve muito mais gasto que isso porque muito amigo veio participar, por amizade. a comunidade ajudou bastante.

pas – com esse dinheiro vocês montaram palco e toda a estrutura para o show?

f – foi. aí conseguimos recuperar na distribuição, com a distribuidora, atração, e já conseguimos pagar a maureen. ficamos aliviados. aí os caras falam que somos mais xaropes ainda, porque o rap é todo para o projeto do negredo, periferia ativa. quando o cara faz um projeto desses ele fala “puta, agora vai vir minha cota“. a gente já pensou doar tudo para o periferia ativa, porque a gente sabe que lá na favela precisa de muita coisa. então estamos fazendo a biblioteca lá e quer ampliar para virar um centro cultural.

pas – mas por que a 1dasul tem o nome lá na co-produção, qual é exatamente a participação?

f – então, tem artistas aí que só vêm por causa de mim, tá ligado? dentro do rap não vale o dinheiro, vale a moral que você tem. não adianta falar que vai chamar os racionais e vai pagar r$ 100 mil, os caras não vão. a tim queria chamar os racionais, não foram, foda-se, já era, não vão mesmo, pode pagar o dobro que também não vão. tem artistas como gog e realidade cruel que vieram mais por causa do meu trampo, mais em respeito à 1dasul e ao ferréz mesmo que em respeito a outras coisas. e aí teve os panfletos que a gente bancou, a coisa de organizar, de arrumar hotel para os artistas ficarem, de produzir mesmo a festa. eu produzi junto com eles. é claro que trabalhei bem menos que o negredo e a sophia, que tramparam mais que todo mundo. mas cada um foi muito importante, e sem um de nós não aconteceria o evento. na hora de negociar com a gravadora fui eu que fui, porque o wilson souto jr. [diretor da atração, ex-sócio do legendário lira paulistana] é mais amigo meu, me respeita muito mais. são pequenas coisas que fazem a maior diferença na hora. a gente mostrou um minuto do dvd para o wilson, ele disse “está fechado, só pela idéia do projeto, de ter uma biblioteca envolvida, vocês ensinando a fazer a festa”.

pas – como o negredo se tornou o núcleo de produção disso tudo? são caras novos, não muito conhecidos, não?

f – são caras novos, são um exemplo de vida. os caras não bebem, não fumam, são caras que para nós são muito raros. foi por isso que a gente se juntou com eles, por isso o brown se aproximou. foi muito por acaso, e ao mesmo tempo foi uma coisa cósmica. é uma puta humilhação para os outros grupos, porque o negredo é um grupo pequeno, e a gente fez o dvd que os outros grupos nunca fizeram, nem um produtor grande faz.

pas – pensei que mano brown podia ser um tipo de patrocinador deles, não é o caso?

f – não, tanto que saiu pela atração. fui eu que levei eles até lá.

pas – eles moram naquela comunidade mesmo, onde acontece o show?

f – moram, é pertinho daqui, quatro ruas para cima.

pas – já há uma nova edição do festival programada?

f – já, para 9 de setembro agora [já passou, e eu perdi. e você, perdeu também?]. vai ter chico césar, racionais…

pas – você tem se aproximado mais dos racionais?

f – dos racionais não posso falar, posso falar do brown. ele cola aqui na favela com a gente, por causa desse projeto. a gente está mais próximo, debatendo idéias. quando vê uma matéria minha ele já comenta, já tem uma proximidade maior.

pas – na discussão que aparece no dvd, os rapazes do negredo discutem de igual para igual com ele, não?

f – acho legal isso, você vê que é uma coisa descontraída, um bagulho de amizade mesmo, e de ideologia também. acaba um somando na posição do outro. acho que o dvd vai servir para mostrar que a gente está aí para debater, que tem que falar mesmo. tenho o maior orgulho desse dvd, deu um puta trampo, a gente fez a festa, ficou 11 meses trampando depois que aconteceu a festa, mais seis meses antes. são quase dois anos trabalhando na mesma coisa.

pas – brown já havia participado antes?

f – já, ele já tinha cantado. nos extras tem um pedaço do show que ele fez um ano antes, ele cantando de dia. aí nesse a gente pediu para ele para participar dos extras, achamos mais legal ele conversando.

pas – vocês conversam muito, ali, sobre cobrança, tanto de pessoas de fora da comunidade sobre o hip-hop, como também a cobrança de dentro, do cara que acha que o rapper progrediu na vida e tem obrigação de ajudá-lo. você também tem progredido, qual é sua opinião sobre isso?

f – acho que tem que ter um limite. tem muita cobrança em cima de nós, porque a gente fala do assunto. a gente fala, e o pessoal cobra. mas, pô, tem milhares de pessoas que ganham dinheiro com música, com arte ou extorquindo os outros e também não fazem nada pela quebrada. a melhor forma de evoluir é evoluir recebendo elogio na rua, de que você não mudou. eu procuro sempre tratar as pessoas e ser tratado como se estivesse dentro de um barraco de madeira do mesmo jeito. veio outro dia aqui o técnico da máquina de fliperama, a gente ficou tomando café, ele ficou jogando, a gente apostou. ele disse “caralho, nunca fui na casa de ninguém arrumar uma máquina dessa que a gente ficou trocando idéia”. é o tratamento dos outros, eu não acho natural o cara que está lá fora, eu não gosto [refere-se a seu mauro, motorista da “carta capital”]. se ele trabalhasse comigo, não ficava. quando é pessoa íntima minha, como arnaldo antunes, falo “não, chama o cara para dentro”. você vai falar numa revolução e o cara está lá fora, sabe?, também faz parte. tem muita coisa que me incomoda, que não vejo do jeito que as pessoas vêem. quando fui para a feira de paraty, ficava todo mundo assim “nossa, aqui é um antro de escritores, que lindo”, e aí eu via os índios no canto pedindo esmola. eu não ficava encantado porque estava vendo escritor, eu ficava triste porque estava vendo os índios pedindo esmola sentados nas ruas que foram construídas pelos escravos. é o mesmo escravo que era bisavô da mulher que me serviu leite dentro do hotel, da pousada do sandy. porra, a única vez que vi negro lá foi na hora que a mulher veio me servir leite e café. eu não fico normal, porque eu conheço a história, lido com a história do outro lado. é foda, tem muita coisa…

é como quando fui ver “cidade de deus”, eu até comentei na “folha”, o pessoal sai falando “que legal, dadinho é foda”, e eu “caralho, mano, os caras vêem o bagulho como diversão, mas não tem nada a ver, não é isso”. é o jeito que a gente vê a vida, é chato também ver desse jeito. mas fazer o quê, se a gente já nasceu assim com a visão meio para a guerra?

pas – parece um conflito sério, como se você estivesse errado porque progrediu, o que vai ouvir tanto de um cara como eu que chego aqui e vou perguntar por que você está morando numa casa legal, quanto de um cara da própria comunidade.

f – é. eu achei legal, porque o pessoal de mídia, jornal e livro não julgou. eles vêm aqui e falam que conhecem a batalha, que tem que ter o melhor. o nome do disco que vou lançar com o tref é “de sofrimento já basta meu passado”. não fiz voto para ser franciscano. não tem como convencer o moleque da favela, ele sem dente e vai ver um traficante com relógio de ouro. então, mano, você tem que estar num patamar em que o cara possa te respeitar também. a gente não pode se iludir, eu não posso falar mal da nike e fazer uma camisa inferior às da nike. tenho que fazer uma que seja bonita, tem que ter um padrão. então acho que tenho que ter um padrão para viver também. eu não tinha como escrever, mas eu escrevia. a minha casa era em frente ao córrego, você lembra. a gente ia dormir à noite e os ratos estavam andando no forro, meus livros sendo comidos pelos ratos. tive que mudar para ir para uma casa um pouco melhor para poder escrever melhor, viver melhor.

pas – e, se você não fosse da periferia, ninguém ia lhe cobrar isso.

f – ninguém ia cobrar nada. e tem mais, é pouco, pelo tanto de livro que eu vendi, o tanto de palestra que já fiz. qualquer cara de classe média estaria muito melhor. tem coisas que a gente não faz, já me chamaram para comerciais de televisão que eu não faço, tem revistas que me chamam para escrever e eu não vou. era para ter muito mais. mas é que a gente não faz tudo, acaba triando. mas eu nem explico muito, porque tudo que estou conseguindo não é com dinheiro de escrever, tá ligado? não é cd, dvd, nada, é com dinheiro da 1dasul, de roupa, de fazer bico aqui e ali. se fosse pelos livros, eu não tinha nem uma janela dessas aqui. o livro é muito pouco, não dá para você se manter, não. mas é claro que de uma coisa para outra vai ajudando.

pas – haveria um jeito de essa cobrança parar, de eu não fazer parte disso fazendo esse tipo de pergunta? para você é pior receber essa cobrança de quem não é da periferia ou de quem é da periferia?

f – sabe que daqui não teve nenhuma cobrança? nenhuma. todo cara que entrou na minha cara depois que mudou falou “caralho, parabéns, mano, você merece mais, isso é o começo do que você merece”. os caras vêem o corre, os que estão próximos de mim viram. até o cara que veio entregar pizza um dia aqui, que era amigo meu, falou “caralho, você está morando aqui?”. “estou.” “sabia, moleque, sabia que você ia para um lugar melhor, e daqui a um ano você vai para um melhor ainda.” ainda está normal para eles, porque eles estão esperando eu ir embora. desde que lancei o “capão pecado”, está todo mundo esperando eu ir embora do capão, a verdade é essa. “quero ver até quando ele vai agüentar.” e eu quis comprar uma casa melhor aqui porque não precisa eu mudar daqui. que diferença tem de onde vocês moram? olha que tranqüilidade. não tem. tudo bem que à noite um cara liga um som, a rua enche de moleques jogando bola. mas eu gosto disso também.

pas – é uma idéia disseminada pela sociedade, como se todo mundo quisesse fugir da periferia.

f – cara, sabe por que eu não mudei daqui? porque sou teimoso. a pressão é fodida, tanto dos caras daqui como dos caras de lá. é em mim, no brown, é impressionante. os caras falam: “você tá moscando, meu, você já tinha que ter se envolvido pra lá, o que você está fazendo aqui?”. eu falo “mano, eu faço os trampos, estou ganhando meu dinheiro, não preciso ir para lá, não é lá que presta, não. pelo contrário, lá tem mais cara filho da puta que aqui, mano. lá os caras têm oportunidade e ainda são filhos da puta”. aí o cara: “não, mano, você é doido, se eu puder eu me jogo, vou para uma goma de responsa e me jogo”.

olha, eu tenho exemplos aqui dentro da favela de cara que começou a fazer faculdade e no primeiro ano já se jogou. e aí o cara volta para cá fodido, de busão, mas pagando, “não, eu moro ali perto de moema”. aí você vai trocar idéia com ele, o cara diz “eu não consigo nem comprar um arroz, cara, o arroz lá é mais caro, a vida lá é foda, mas eu tenho que ficar lá, porque…”. aí a sociedade já vê o cara como vitorioso, a mãe dele… está cheio de cara assim. e eu falo, o que eu tomo de café da manhã a maioria dos caras que mudaram não toma, o cara não consegue nem comer um pão de boa.

pas – muitos, não só aqui na periferia, querem apagar seu passado, não querem lembrar da própria origem.

f – é, o cara quer fazer faculdade e acha que vai ser dono de empresa, que vai gerenciar a empresa do chefe dele. é foda. é que nem o gog fala, por mais que você se esforce isso não foi feito para você. o sistema já separou a parada. é um preço alto.

pas – essa consciência de ficar, e não de fugir, tem aumentado? e, no hip-hop, há a influência do mano brown nessa postura?

f – é, acho que um exemplo vai ficando no outro.

pas – a presença de quem deu certo, entre aspas, no próprio lugar muda tudo, não?

f – eu acho que muda muito. eu vejo o cafu, que nasceu neste bairro aqui. você vê, aqui todo mundo fala do cafu na rua. se ele estivesse aqui, mano, ia ser muito foda. não sei se os caras iam seqüestrar ele, não sei. de repente não. mas todo mundo ficou com a presença dele muito forte aqui. os caras ficam “o cafu morou ali, ó”, “ele ia aí”, “eu joguei bola com o cafu”. o cara tem orgulho, tá ligado? já peguei amigo meu no bar falando “o cara cresceu comigo”. eu falei: “caralho, eu tô aqui ainda”. e ele “não, eu estava falando de você mesmo”, o cara já está falando de você no passado porque ele pensa que você vai vazar. mas é uma pressão muito foda. eu não ia mudar nem da minha casa, apesar dos ratos, mesmo. eu só mudei porque os caras entraram lá para matar um amigo meu, e minha mulher estava sozinha dentro de casa. o cara não achou nem eu nem o amigo, com certeza ele ia matar nós todos.

pas – você também?

f – é, porque aqui é assim. o cara vai pular na sua casa para matar um cara, ele vai matar quem está lá dentro, não vai deixar você ver. quando cheguei em casa estava aquele tumulto, o pessoal da rua falando que entraram dois caras armados, minha mulher sozinha. depois de uma semana, meu amigo foi assassinado, por esses mesmos caras. e a gente nunca descobriu quem eram. então fiquei muito chateado, a casa começou a me lembrar o cara. juntou tudo isso e falei “não, vou mudar de casa”, mudei duas ruas para cima, aqui é só duas ruas para baixo daquela outra casa. falei “de bairro eu não mudo também, não”.

pas – você nasceu neste bairro mesmo?

f – nasci dentro do distrito capão, só que nasci no bairro velho.

pas – há o receio de ficar mais visado ou exposto por estar numa casa maior?

f – não, aqui os caras dão importância para carro. para casa ninguém liga, mano. se tivesse um carro louco, aí era foda. para casa o cara não liga, eu sou o único cara que gosta de casa. o resto, mano, cara não está nem aí se vai morar num barraco. é claro que ele quer uma casa bonita, maior, mas não é a preferência do cara. aqui, se você quiser chamar atenção, é carro. se lança um audi, aí fodeu, “caralho, você venceu, mano, você é o cara”. no, fico com esse golzinho aí todo batido.

pas – você fala da pressão do pessoal daqui, que por eles você já teria saído daqui. mas, se tivesse saído, estariam falando mal de você?

f – não sei, mas a pressão é boa, sabe? tipo “pô, você é um cara tão batalhador, vai ficar aí moscando?, olha a rua aí toda zoada”. É por bem [ri], não é por mal, “vai embora daqui”. ele acha que o conselho bom que tem para dar é para você sair fora, “sai enquanto é tempo”.

pas – mas como será a relação do cafu, por exemplo? ele foi embora, não voltou mais, abandonou?

f – mas é difícil um cara falar mal, nunca ouvi. o cara sempre fala do cafu como… o cara não tem com quem se apegar, mano, ele já fala bem do silvio santos, da hebe, da globo, imagina de um cara daqui que venceu. o cara fez certo, você só tem valor mesmo quando sai. o cara teve valor mais quando saiu.

pas – o que foi a boataria de que você tinha se mudado para o rio? Foi por causa da história do seu amigo assassinado? você foi morar no rio?

f – não, eu fui passar uns dias na casa do paulo lins [autor do livro “cidade de deus”]. é foda, como eu posso explicar? imagina um cara com quem você convive o dia todo. o cara era muito íntimo meu, a gente era irmão mesmo. alex, cantava rap comigo. e depois ele partiu para a vida criminal, né?

pas – ele tinha um grupo?

f – não, ele cantava comigo, no meu disco solo [“determinação”, de 2004] ele canta comigo. e depois ele começou a ir para a vida criminal, começou a fazer assalto e tal. assaltava carga, essas coisas. naquelas fotos [aponta para a estante em frente] ele está comigo no lançamento do meu primeiro livro, em 1997, e no lançamento de “cidade de deus”. éramos amigos desde pequenos, conheci ele com 6 anos de idade. era tão amigo que tenho o rosto dele desenhado nas minhas costas.

pas – desenhou depois de ele morrer, ou antes?

f – depois. ele fez a tatuagem 1dasul, eu também tinha feito. a gente era muito pela ordem. os caras mataram ele numa covardia, ele não morreu por causa de assalto nem nada. morreu porque gostava de uma mina, e o namorado da mina foi morto um ano antes. e os caras achavam que foi ele. por coincidência, esse cara que era o namorado da mina era o jorge, que fazia festa junto com nós também, ele filmava as festas para nós. ele morreu, e depois o alex morreu. tenho uma foto em que estamos nós três juntos, é um bagulho muito foda. mas é aquela coisa que periferia tem, se mata e se morre de graça aqui dentro.

pas – ou seja, ele nem morreu diretamente por causa do crime?

f – não, não foi por causa do crime em nada. o que me deixa mais fodido é isso, se fosse por causa de crime eu já tinha entendido, apesar de que jamais se entende a morte de um amigo. mas se falassem que o cara foi baleado porque foi roubar, aí eu entendia. o cara morreu numa coisa idiota. muita gente aqui morre ou mata de forma muito idiota, por ciúme, por… e, quando acontece isso, o sistema conseguiu, o sistema venceu. eu falo no cd novo: “tudo eles podem, furar e destruir/ mas a amizade ninguém mata assim”. nisso o sistema vence, porque o sistema cria uma paranóia, joga você num lugar pobre, sem expectativa de vida, e você começa a se comer ali. isso é o mais foda, mano.

pas – quando acontece uma morte parecida com essas no asfalto, vira manchete de jornal.

f – vira, richthofen está todo dia aí, ó. depois do caso da richthofen, imagine que mais de 2.000, 3.000 moleques de periferia já morreram, mano, e ainda o negócio está passando. naqueles atentados lá do pcc morreram 400 e poucas pessoas, como se fosse nada. são que pessoas? entregador de pizza, mecânico, operador de posto de gasolina, então não tem importância, né?

pas – mas, então, você foi passar uns dias no rio para…

f – fui nessa época. mas depois, quando aconteceu aquele negócio do pcc, aí já fui para outro lugar, fui tirar mais uma semana… só vou em situação extrema [ri], quando está muito… e mais por causa de meu pai e minha mãe, que ficaram “não, tá todo mundo falando do seu nome aí, ninguém conhece você e está falando já”. falei “é, então está demais, né?”, porque a gente não tem noção, né?

pas – mas estava todo mundo falando, como assim?

f – porque escrevi aquele texto para a internet, em que pedi para o pessoal de periferia não sair à noite porque os policiais estavam revidando. aquilo foi mal interpretado, depois dei entrevista para o site “carta maior” e aí fodeu tudo, porque os policiais acharam que eu estava falando mal deles. na verdade eu estava falando nem do pcc, nem da polícia, estava falando do cara da periferia que estava se fodendo por causa dos dois lados, entendeu? aí danou-se tudo, sofri ameaça de tudo que é lado, ficou todo mundo pesando.

pas – ameaça de que tipo?

f – recebi mais de 90 e-mails de ameaça de cara falando que era policial. foi cara me procurar em lugares que eu freqüentava falando que era policial, cara querendo conversar comigo. ficou um clima totalmente esquisito, um comentário. e aqui no bairro é assim: quando começa o comentário, alguma bosta acontece. conversa mata um. conversa não paga conta, mas mata um. muita conversa para cima e para baixo não presta.

pas – mas então foi entendido que você estivesse criticando, e aí os policiais ficaram em cima de você? na imprensa ficou muito ligado, de que “por causa da onda de ataques do pcc o ferréz foi embora de são paulo”.

f – então, os caras viajam também. não foi por causa do ataque em si, foi por causa das ameaças. o bagulho estava tumultuado. e aí o que acontece? eu até falei isso para o “estadão” outro dia, todo repórter não conhece ninguém de periferia. então ele vê meu nome, o escritor ferréz é lá do capão, “não consigo falar com o brown, vou falar com ele mesmo”. aí o cara liga para mim, e aí tudo é eu, mano. se eu deixasse, se eu fosse responder todas as matérias, eu já era porta-voz do pcc, mano.

pas – uma situação bastante difícil para você…

f – é, eu não tenho nada a ver com criminalidade, entendeu? mas todo mundo me liga para saber do pcc. e eu não conheço ninguém do pc, o pior é isso. se eu conhecesse alguém, eu até falava, mas eu não conheço ninguém, mano. e o cara não anda com uma carteirinha escrito “pcc”. então é complicado.

pas – na verdade, esse é mais um sinal de como é precária a relação entre a periferia e o centro.

f – é. isso é uma puta coisa provando que não tem ligação nenhuma. e que ninguém liga, porque quando a gente faz uma festa aqui não vem nenhum repórter. Vvcê acredita que no festival não veio nenhum repórter?

pas – eu acredito, mas, por outro lado eu, por exemplo, não fiquei nem sabendo. eu deveria ir atrás, e também não sei muito como.

f – é, você não ficou sabendo, mas a gente divulgou. nem a “caros amigos” [revista de que ferréz foi colaborador fixo até há pouco] mandou um repórter. mandou numa outra festa, publicou a matéria no site, nem na revista foi. ninguém liga, mano, ninguém está nem aí. é dentro de uma favela? então foda-se. é muito triste isso aí, tá ligado?, porque é uma coisa que faz a maior diferença aqui. movimenta as pessoas para o evento, faz gente trabalhar, gera emprego, as pessoas montam barraca com o maior cuidado. depois você vê que não junta um repórter, é triste pra caralho.

pas – outro dia houve em salvador a conferência da diáspora negra, stevie wonder e outras pessoas importantes estavam lá e pouca gente soube, não sei em que medida por descuido da imprensa, por falta de divulgação, por tudo junto.

f – é, o stevie wonder veio para cá e ninguém ficou sabendo. eu vi também na televisão, ele ali cantando, falei “porra, stevie wonder está aqui”. eu ia ver ele, ia com amigos meus aqui que são todos favelados, todos, cara juntaria dinheiro dele do salário e ia ver stevie wonder, só para ver o cara falar. mas ninguém divulgou nada também. porque não interessa. tudo que é em relação ao negro, à cultura popular brasileira, não interessa.

pas – mas isso está num processo de mudança?

f – tem que estar, tem que estar, porque senão eles vão engolir isso por outro lado. não tem como. você liga a televisão e só vê americano. a gente está fodido com uma televisão dessa [zapeia sua tv, para demonstrar]. é só idiotice, filme americano, programa de fofoca, programa de cozinha, venda de computador, programa americano de educação, novela mexicana. à noite é evangélico, evangélico, evangélico e jornalista tendencioso, porque todo libanês que morre é culpado e todo israelense é inocente. você vê que é na caruda. a mídia é tão pilantra que fala “teve 60 mortes no combate entre hezbollah e as forças de israel”, só que não fala que 58 são libaneses e só dois são israelenses. a tendência é isso, “são 60 mortes”. é muito foda. mas não somos só nós que estamos enxergando, muita gente está enxergando já e ficando puto, mano. é opressão de todo lado.

pas – ainda que nenhum jornalista vá ao “100% favela”, eles não teriam que ser todos chamados, nem que fosse para constranger?

f – tem que ser, eu acho que tem que ser. mas o “100% favela” estava no blog quatro meses antes, a gente publicou no site “real hip-hop”, nos meios de comunicação que dão espaço para a gente. fizemos panfleto, no meio da galeria 24 de maio estava cheio de panfleto. não tem como eu não saber que tem um encontro de jornalistas se eu vou sempre numa banca de jornal. aí tem como saber. a gente não tem onde divulgar mais. não tem como deixar em “folha”, “estadão” etc., ninguém dá nota. não interessa para ninguém. então a gente deixa nos meios que dá para divulgar, põe no blog. agora é que falei para os moleques da igreja e estou pesando o brown também, de que, mano, temos que usar a Internet. senão nós estamos fodidos. se eu não pusesse aquele aviso de que os caras estavam matando aqui, não tinham parado um pouco de matar. eu tendo a acreditar nisso, que você salvou um pouco de vidas, mano.

pas – teve um papel importante aqui, então, ainda que você tenha sido ameaçado?

f – teve. o superior é pressionado, porque sai no jornal, sai na televisão, sai em todo lugar, o cara fala “porra, segura um pouco o cara lá porque isso vai me prejudicar”. aí estouraram aquelas mortes que o saulo [de castro abreu filho, secretário de segurança do estado de são paulo na gestão pcc] tentou pegar os registros e esconder. os familiares começaram a aparecer na tv denunciando também, uma coisa leva à outra. não fui eu que comecei tudo, mas você é uma molinha ali que ajuda no eixo e a coisa vai indo. você é uma peça da engrenagem, a gente tem que saber usar esses meios de comunicação também.

pas – o momento que estamos vivendo, com o pcc, mudou a sua vida? mudou a vida da periferia?

f – nem um milésimo de segundo de nada. quando aconteceram os atentados, todas as lojas fecharam no capão: marabraz, casas bahia, todo mundo. nós ficamos abertos. o cara perguntou “você não tem medo de ficar aberto?”. mano, eu tenho um trabalho na comunidade, a gente conhece todo mundo na comunidade, por que eu vou fechar a minha loja? eles têm que fechar mesmo, a marabraz não volta um centavo das suas coisas para o bairro. uma dessas lojas me chamou uma vez, porque estavam tentando criar uma coisa social, eu falei “beleza, em que eu posso ajudar?”. “você ajudaria a gente?” falei “ajudaria, se vocês estão querendo criar algo social eu ajudaria”. aí sugeri um panfleto divulgando os móveis, e atrás uma dica para a gestante não fumar, para a mulher não engravidar, como evitar engravidar mais cedo. vê se foi aprovado? não foi, mano, porque o cara quer aproveitar os dois lados para vender. não querem fazer nada social porra nenhuma, eles querem é vender mais. eles têm que aumentar a venda, só. extorque o bairro.

para você ter uma idéia, minha mãe foi numa loja dessas aí comprar, e o cara que estava vendendo era conhecido meu. minha mãe chegou em casa meio abalada, perguntei o que foi, “ah, o cara não quis vender um armário para mim, falou que eu não tinha saldo, salário suficiente”. falei: “mas tem, mãe, se é para fazer parcela de r$ 100 você tem o suficiente, vou lá falar”. fui lá e trombei o cara. ele disse: “mano, não vou vender para a sua mãe, não posso, ferréz, sua mãe é maior trabalhadora aí, eu já vendo para as outras tiazinhas e fico meio mal, o bagulho custa r$ 200, sua mãe vai pagar quase r$ 1.000 parcelando, eu não vou vender, não”. aí falei para minha mãe ir e pagar à vista, inteirei o dinheiro com ela e ela pagou. tem hora que a consciência do cara também bate.

pas – e ele não estava querendo vender, mas era por outra razão que não era a que sua mãe estava imaginando.

f – você sabe aposentado, aposentado é tudo fodido. todo mundo já vem a foder neles nesses planos, aí usa essas atrizes que nem hebe para falar “aposentado, venha, abra um crediário”, já descontam direto da folha de aposentado. ele já recebe uma mixaria, e descontam todos esses crediários e créditos pessoais. isso é um assalto, isso é crime, organizado ainda, porque tem escritório e tudo.

pas – qual é sua opinião geral sobre os episódios todos com o pcc?

f – olha, quando eu fiz “capão pecado”, tem um trecho que fala assim: “o futuro é ‘mad max’, esteja preparado. dias de chuva, bairro entrincheirado”. eu já falava lá. a gente não fala mais no pcc, porque a gente já falou tanto de guerra social há tanto tempo, e nunca ninguém levou a sério. se for ver uma reportagem minha e do paulo lins na “folha” em 2000, a gente fala o quê? “ou pela arte ou pelo terror.” e hoje a gente está vendo o quê? o terror. e isso é um pequeno nicho do que vai acontecer ainda.

pas – ninguém levou a sério também porque todo mundo foi fingindo que estava surdo, que não estava escutando, até que bateu, não é?

f – é, agora não tem mais. os caras seqüestraram repórter da globo [a entrevista aconteceu na segunda-feira seguinte ao seqüestro global], né?, fiquei sabendo. não soltou ainda, não?

pas – soltou hoje.

f – os caras são foda, meu. hoje está chegando num patamar o barato… o rio já tem uma puta violência, só que os caras não entenderam ainda que o rio não é uma cidade estressante que nem são paulo. o pcc vai ser estressante, que nem são paulo é. É crônico. então o método de trabalhar vai ser crônico também, que nem é são paulo. tudo é crônico aqui, vai ter que ser crônico também. é o seguinte, mano, a gente só está vendo o começo da ponta do iceberg ainda. infelizmente, não é sendo derrotista nem nada, é sendo realista. quem planta ódio colhe ódio, não tem outra alternativa, plantar ódio e colher amor.

pas – você está falando da sociedade mais rica?

f – a sociedade mais rica. as classes média e alta vão pagar muito por isso. para nós… você acha que nós estamos ligando, sanches? eles põem o zé povinho na televisão falando [faz voz caricatural] “ai, estou com medo de sair de casa”, como se o cara fosse explodir uma doméstica na rua. eles tentam colocar todo o povo contra isso como se o povo estivesse sendo prejudicado. a minha mãe estava assistindo outro dia aqui uma reportagem, minha mãe também é cricri que nem eu. estava lá [faz a voz de novo] “eu fiquei com medo de sair na rua, o meu filho não vai mais estudar, estou quase tirando minha filha da escola, ai, o pcc…”. minha mãe falou: “caralho, mas estão explodindo só posto de gasolina, concessionária, de que essa mulher está com medo?”.

pas – sua mãe notou que havia algo errado ali naquele discurso. ela mora aqui perto?

f – mora, aqui no mesmo bairro, com meu pai. mas então fica esse pânico, a mídia é ligeira, ela joga para nós, para nós termos ódio, para ter disque-denúncia, para a sociedade cobrar. é claro que a sociedade também sofre quando não tem ônibus, quando um ônibus é queimado. mas eles querem alcançar direto é o estado, mano, que deixou o sistema carcerário fracassado. onde não chegou nada do estado, no sistema carcerário, eles tiveram que criar um próprio jeito de sobreviver. é que nem eu, eu fiz do meu próprio jeito, de fazer minha roupa, meu livro. não tive oportunidade de que alguém falasse “ó, vem aqui comigo que nós vamos fazer, você só cria”. eu não posso ser só criador, tenho que ser realizador. a mesma coisa eles, só que no criminal.

pas – como se reage, aqui, ao fato de que são bairros ricos que estão sendo atacados, e que quando aparece na tevê é como se fosse aqui, só aqui? para variar, estão jogando para cá, não?

f – é foda, meu. é como se o ódio fosse… é bom, né?, você já viu disque-denúncia de assassinato de pobre, propaganda assim “denuncie o assassinato de um pobre que você viu na sua rua”, “denuncie alguém que está batendo na mulher”? nunca viu. [toca o telefone.] então, esse aqui é o cara da “folha”, está me ligando tem mais de mês para eu fazer um texto de pcc, eu não vou fazer um texto de pcc. porque se comenta dos caras você passa maior veneno, tem que saber muito o que fala. a gente representa um povo de periferia, não representa uma facção nem a polícia. e os caras ficam pedindo texto [poucos dias depois, saiu a reportagem na “folha”, em forma de entrevista, ferréz falando SÓ de pcc].

pas – você acha que as pessoas confundem, acham que você sabe tudo sobre pcc?

f – é criminalizar o pobre, né? é uma visão estereotipada que eles têm, de criminalizar o pobre. eu sou pobre, automaticamente tenho contato com criminosos. quando, na verdade, é o contrário. quando o cara é rico ele tem muito contato com criminoso, porque é o dinheiro, não tem como ser rico no brasil, é um dinheiro no mínimo usurpado, ou tirado da gente ou tirado da classe média. porque também estão explodindo a classe média de um jeito que tá foda.

pas – para a periferia o que está acontecendo não teria, por tudo isso, até um tantinho de justiça, se a sociedade do outro lado está aprendendo a lidar minimamente com algo que vocês conhecem tão a fundo, ou ao menos a saber que existe essa realidade toda?

f – não, eu acho que nisso, não. no final a gente fica estereotipado, a gente também sai perdendo. não é como se fosse uma vingança, sabe? seria uma forma cruel de dizer, acho que não é assim.

pas – perguntando de outro jeito, o que está acontecendo é ruim para a periferia, prejudica a periferia?

f – é ruim, prejudica, porque a polícia se desespera e começa a pegar gente que não tem nada a ver, começa a culpar, invade favela. a polícia veio aqui, invadiu favela, jogou gás lacrimogênio nas favelas, parecia uma guerra. no dia em que tem atentado, quem paga é nós também. você é revistado, também é um preço alto que você paga. você vê que o dobro do que morreu de policiais morreu de inocentes, gente que não tem coligação nenhuma com o partido, com o pcc. acho que não é bom, também, como forma de vingança. mas é um efeito, não tem como não ter um efeito. em todo lugar do mundo tem uma facção lá que está revoltada com uma parte da sociedade, que está querendo outra coisa. os caras falam que não tem ideologia, que não tem propostas, mas eu vou falar para você: aqui a gente fala que não tem até ter. não tem até ter. os caras já estão seqüestrando cara e reivindicando os baratos, já.

pas – a grande mídia parece ainda não entender nada, como é que podem seqüestrar um cara da globo? é um jeito de dizer à mídia que ela é participante de tudo isso também?

f – é que os caras não entendem, eu falei isso em muitos dos meus textos, que estão mexendo com cara que não tem nada a perder. foderam com o cara a vida toda. o cara não tem nada a perder, não tem um vínculo forte com a mãe dele, de amor, com mãe criou ele, educou, levou aos melhores colégios. não tem nada disso, não, foi pau no gato desde a manhã. vai trabalhar na feira, vai pedir dinheiro no farol, o cara é treinado assim. quer que o cara volte como?, vire advogado? às vezes até vira ainda.

pas – mais inacreditável poderia ser pensar que, até há pouco tempo, o cara do bairro rico podia viver sem nem se lembrar dessa outra realidade, ou que o brasil não tivesse essas facções que você diz que existem em todo o mundo.

f – agora está sendo lembrado, constantemente. no brasil tem, é que não tinha em são paulo. em são paulo os caras estavam se criando ainda. os caras vão aprender a ver que esse bagulho ainda vai ficar pior quando as coisas se separarem. o ser humano tende a se separar, aí fica pior, porque fica facção contra facção. já tem outras facções de cadeia, elas podem ficar mais fortes. quando isso tudo começar, meu nego, aí segura. é que nem no rio, quando você vê de novo você não entende nada.

pas – muitos intelectuais de classe média e alta afirmam que as discussões sobre cotas raciais vão piorar a tensão no brasil. o que você acha disso?

f – acho que se todo tema fosse debatido de forma preconceituosa que é esse tema da cota, puta que pariu. ninguém agüenta, todo mundo liga com um tema desse, que são os estudantes querendo vaga. é um bagulho que já tinha que ter parado de ser comentado, as pessoas já tinham que estar estudando lá. sempre falei que tinha que ter uma cota para branco, aí ele ia ver como é gostoso, “aquele branco só estuda aqui porque tem uma cota”. o negro tinha que ter o direito de estudar. eu acredito numa cota financeira, pela renda do cara. vê a renda do cara. não tem como, um cara que é responsável pelo pib e está estudando na usp de graça. o cara tem dinheiro para poder ir para a disneylândia toda semana e fica estudando na usp de graça, é ridículo.

pas – você acha que deveria haver uma cota limitada para esse cara?

f – limitada para ele, 5% para quem tem dinheiro, 95% para quem não tem. se não, vai freqüentar as particulares mesmo, ele tem dinheiro para pagar. este país é todo ao contrário, mano, é impressionante.

pas – você não acha importante essa discussão estar acontecendo? não está expondo o racismo velado de muita gente?

f – é, mas não sei, porque cada um tem um argumento. o próprio negro tem um argumento contra a cota às vezes. também não é legal você entrar numa faculdade e o cara falar “olha, aquele negro ali é cota”. também é foda isso.

pas – sim, mas seja qual for o resultado final desse debate, era um tema que não se discutia antes, e hoje está na ordem do dia.

f – eu acho que é uma reparação histórica. demorou para ter esse tipo de coisa. demorou para o estado prover isso.

pas – não estaríamos dando um passo, uma vez que antes a gente fingia que nem existia essa questão?

f – é, mas não se discute porque o cara acha legal discutir pelo tema em si. o cara acha legal discutir porque ele não aceita. ele teve uma faculdade e acha que o outro vai fazer…, é totalmente preconceituoso. quer ver uma matéria preconceituosa? passou no “jornal da globo” um aluno branco, filho de advogado, que estava processando a escola porque disse que o negro tirou menos que ele, mas passou pelas cotas, e ele não teve vaga. esse aluno estava tendenciosamente na frente de uma biblioteca gigante do pai dele, e o pai dele falava “eu não aceito isso, o meu filho não passar, tirar uma nota maior, o negro tirou uma nota menor”. você pensa, caralho, isso é um preconceito tão fodido que essa matéria não tinha nem que estar no ar. ele que vá estudar numa escola particular. é esquisito isso. então cheguei nesse patamar, teve uma época que eu fui usado até nisso. os caras de rádio me ligavam, toda hora eu dava entrevista e dizia “não, eu sou contra as cotas porque acho isso e isso”. e aí eu vi que os caras gostavam, falei “caralho, se o cara está gostando alguma coisa errada eu estou falando”. os caras mais boçais gostavam, “ferréz está certo, porque ele está contra as cotas’. aí eu pensava, tá vendo?, o cara daqui contra as cotas é gostoso para eles.

pas – mas aí você mudou de posição?

f – aí eu falei “porra, alguma coisa está errada”. ouvindo o que ouvi, hoje acho que a discussão não foi feita da forma correta, mas pelo menos foi feita. então alguma coisa já conseguimos. aí, se vai entrar índio…, nós vamos conquistando também, porque o racista não assume, ele fala “e os índios?, e os homossexuais?”, e aí ele começa a ser liberal para todo mundo. mas, não, então que o índio vá lá e lute pelo direito dele como nós, negros, estamos lutando. aí o cara, “ah, então só vocês podem?”, ele te pega na conta como se você estivesse errado, exigindo um direito errado, só seu, porque o direito tem que ser de todo mundo.

pas – mas não é justamente aí que os que usam esse tipo de argumento estão se revelando? antes estavam todos na moita, quietinhos.

f – estão. você não viu num prédio da paulista, quando saiu a onda de pcc, que os caras estenderam uma faixa “morte aos manos”? mandei e-mail para todo mundo dizendo o que é mano e o que é ladrão. vamos estabelecer uma diferença, porque a classe alta entra em crise.

pas – é bom a classe alta entrar em crise um pouco, não?

f – é, não é? é bom. e quer saber? Ddas semanas depois dos atentados do pcc, fui para pinheiros, estava conversando com uns jornalistas, passou um carro, o escapamento estourou, todo mundo “aaaaah!”. eu falei: “o que foi?”. “vai que vem o pcc aí, olha a polícia passando ali”. falei: “manos, vocês estão loucos?”. “não, é que o negócio aqui está pegando.” caralho, o negócio é esquisito. eu sei lá, a justiça divina…

pas – é quem sabia desse tipo de coisa só pelo filme “cidade de deus”, pelos seus livros, e agora chegou à vida real dele. ainda que seja o escapamento do carro, é aprender a viver com susto, coisa que vocês já sabem muito bem, não?

f – é que não era só no inverso, né, mano? parecia que era só o inverso, parecia que era só com nós. a gente sempre falava isso: periferia não é um problema nosso, é um problema de todo mundo. mas o cara não se inclui, porque ele levanta cedo, tem sucrilhos, tem carro bom para andar, então não está nem se lixando. uma vez passei de carro em frente a um mcdonald’s da marginal, tinha um ponto de ônibus lotaaaado. meu amigo falou assim: “olha aí o pessoal se fodendo”. olhei para o meu amigo e pensei: esse ara também é pobre, mas tem um carro, olha e fala “olha o pessoal se fodendo”. na outra semana voltei no mesmo ponto, para ver o que aquele pessoal ali fala. o bagulho é louco, o pessoal estava comentando da novela, “porque a alice, a maria fernanda…”, caralho. o cara está no carro de r$ 6 mil dele, ele já é melhor do que o cara do ponto, e o cara do ponto está preocupado com a novela. é um bagulho louco, sei lá.

pas – no grupo contrário às cotas, há uma posição comum de falar que está errado, está errado, mas sem nenhuma contraproposta concreta. não parece que o desejo é deixar as coisas exatamente como estão?

f – é, o argumento do cara que não quer a cota é que tem que começar pelo ensino [faz voz mansa e arrastada] básico, porque o negro e o pobre não têm ensino básico, blábláblá. porra, cara, daqui a 50 anos, quando todos os filhos dele estiverem formados, aí a gente forma um cara nosso. isso se houver boa vontade política para reformar isso, porque senão não vai ter nunca. não tem o depoimento aí do josé serra falando que quando ele for eleito governador ele quer manter você passar só freqüentando aula, que não precisa tirar nota mesmo, não? considero serra um cara inteligente, quando você vê um cara desses falando isso é foda. o cara vai continuar passando as pessoas, não vê que elas estão passando e não estão aprendendo nada desse jeito? acho que 90% da discussão sobre cotas é preconceituosa, ela já é levantada de forma preconceituosa. eles já falam incomodados, “você acha certo esse negócio de cotas?”. as perguntas são assim: “o negro não estudou, aí vai lá e passa, e o pessoal que estudou não passa?”. porra, mas não é assim, né, mano? a gente está num país em que ninguém lembra que quando o cara deu aval, quando a isabel foi lá e assinou, havia um pessoal que dizia “vamos pôr o negro estudando quatro anos antes de libertar, vamos educar o negro para poder plantar, consumir, comprar, vender”. “não, vamos libertar eles logo, coitados”, aí foi interessante para a confederação liberar. aí jogou o negro na rua e quer que o cara compre fazenda, plante, faça conta. como, se o cara só vivia serviçal?

pas – ninguém lembra isso, ou ninguém sabe disso? não está nos livros de história…

f – é, ninguém diz isso na escola, é foda. a gente aprende sobre a américa do norte todinha e não aprende sobre a nossa própria cultura. se for ver mesmo, o cara não teve nada, jogaram o cara e ele foi morar no morro mesmo. começou assim. depois quer que o cara tenha educação? e vou falar, muitos negros não precisavam de cota, não precisam, porque estão estudando e tiram boas notas e estão vencendo na vida. muitos brancos daqui que são pobres também estão lutando e vencendo na vida. não está também o pessoal desistindo, tem muito cara batalhador. e tem outros que têm filho, não podem mais batalhar, têm que batalhar pelos filhos.

pas – para confirmar se entendi: você tinha uma posição mais contrária às cotas raciais e percebeu que isso era usado meio com segundas intenções por quem o entrevistava. mas aí você mudou de posição? hoje em dia é mais a favor das cotas?

f – sou mais a favor do que contra, mas ainda acho que são feitas de forma errada. mas é melhor que sejam feitas de forma errada e sejam feitas do que não feitas. acho que o método depois a gente melhora. é melhor fazer. fez, pronto, vamos segurar essa porra e agora a gente vai melhorando. mas fez. nada no país nunca é feito para o negro, então já que fez, vamos lá… a gente teve uma puta vitória esses dias aí, o presidente lula sancionou uma lei pela qual o cara vai preso se agredir uma mulher, tá ligado? é um bagulho que ninguém agüenta mais, a mulher denunciava o cara e era assassinada, mano.

pas – quando você diz “a gente teve uma vitória” está falando do brasil inteiro?

f – o brasil inteiro teve uma puta vitória, porque as mulheres são o eixo deste país e são tratadas como… todo mundo é mais importante que o outro, né? o homem é mais importante que a mulher, se a mulher for branca ela é mais importante que a mulher negra, se a mulher negra tiver dinheiro ela é mais importante que a negra pobre… é foda. por isso que sempre gosto do movimento punk, que não gosta de classificação. classificação é foda.

pas – você diz que, apesar de não ser o melhor jeito, hoje você é mais a favor do que contra. pelo menos a questão está posta. eu perguntaria se não vale mais ou menos o mesmo para o documentário do mv bill, “falcão“, que você foi das poucas pessoas que tiveram coragem de criticar e se colocar contrário publicamente, num artigo na “folha”. mas não é outra coisa que, bem ou mal, está chamando atenção para realidades que não estavam nem sendo vistas?

f – será que não, mano? Será que não estão sendo vistas, será que o cara não assiste “cidade alerta”? eu não sei, tenho todos os trabalhos do bill, desde o primeiro, e sempre vi uma qualidade muito boa no trabalho dele, então acho que eu esperava mais do documentário e me decepcionei. pode ser por isso, coisa de cara que gostava do trampo do cara. acho que não é a cara dele fazer aquilo. acho que ele é bom músico, bom rapper, bom articulador, mas ali tem a mão de outros caras, do celso athayde [empresário de mv bill], então não gostei mesmo. eu não acho legal, por exemplo, minha mãe ser mineira e alguém fazer documentário de mineiras mostrando 12 prostitutas. não acharia legal para minha mãe, ela sendo mineira. da mesma maneira, não acho legal mostrar um documentário com um monte de moleque traficante. tanto a gente não acha legal que fez o vídeo “100% favela”, que não tem uma arma. não precisou ter uma arma, uma pistola, ninguém falando que vai morrer. e teve cara que estava no palco, você assistiu ao show dele, e ele já morreu. mas a gente quis mostrar que na favela tem uma resistência, tem uma vida, tem um sopro.

eu acho o documentário pobre de espírito – o documentário, não o bill ou o celso athayde. o trabalho em si não acho legal, mas os caras são bons. fica parecendo que tenho briga com bill, e não tenho. já viajei com ele, a gente conversou muito, já veio junto conversando de palestra. não tenho nada contra, mas tenho contra o trabalho. fiz a carta, a carta ficou forte porque é política. eu sou muito chato mesmo quando se fala de periferia, porque eu me considero como cada moleque que está aqui na rua, eu me vejo como um moleque desses, e eu queria ser bem representado. vi os moleques se chamando de “falcão” e não gostei, mano. não acho bom isso para o nosso orgulho. mas também levei cacetada para caralho, porque ele é negro e eu sou branco, porque eu sou mais branco do que ele…, todo mundo pau no gato. recebi muita crítica. mas recebi também muito elogio.

pas – chegou a se arrepender, ou não?

f – não, não me arrependo nem um minuto, de escrever, não. me arrependo de falar às vezes, mas de escrever, não. só me arrependo de uma coisa naquela carta: de não ter dito que eu tinha os trabalhos dele e que eu gosto dele como rapper. só isso faltou falar, porque fica parecendo que tenho briga com o cara, e não tenho.

pas – há esse mito, de que existe muita rivalidade, tanto dentro do próprio movimento como entre rappers de são paulo e do rio.

f – mas teve aquele negócio ridículo da globo, que a globo deu uma resposta na “folha” falando mal de mim. um cara da globo, erlanger, mandou e-mail dizendo que eu ofendi o “fantástico” e falando bem do bill, que eu tinha inveja, coisas que é até ridículo para um representante da globo falar. então, porra, se eu incomodei a globo ali… a gente fala, no rap a gente fica preso pelas palavras. esse cara até disse que eu falei do “fantástico”, mas já participei do “fantástico” e estava bem à vontade quando participei. mas é foda, a mídia só fala o que interessa a ela… ele não fala na carta que não foi para a globo que fiz “os inimigos não mandam flores”, mas para uma produtora chamada barraco forte. eu estava muito à vontade porque estava na minha casa, foi filmado na minha casa. a barraco forte foi lá depois e negociou com a globo, eu não fiz para a globo. não tenho contrato assinado com a globo.

pas – e é legal ter passado na globo, você não acha?

f – é legal.

pas – o “100% favela” não devia passar no “fantástico”, até para fazer contraponto com o “falcão”?

f – aí, sim, porque é uma coisa diferente, uma coisa possível. o cara vai falar “olha, os caras fizeram uma festa louca”. mas o “fantástico” não vai dar 45 minutos para nós, você quer apostar quanto?

pas – por quê? porque é sensacionalismo que interessa à mídia?

f – porque notícia ruim vende, e notícia boa, não. no outro dia está todo mundo comentando, “os caras estão armados até os dentes”. aquilo ali dá aval para a polícia matar no morro, cara. porque a polícia fala “tá vendo?, vou subir de metralhadora, o moleque que eu trombar eu tenho que matar”. eu, se fosse polícia e visse, no outro dia ia subir louco. eu vejo de forma muito negativa. muitos caras que andam comigo, não, vêem de forma normal, outros vêem meio assim, outros acham que é o jeito que ele foi, meio social. incomoda um monte de coisa.

pas – o fato de bill ter ido lançar o livro na daslu você acha ruim?

f – muito cara acha esquisito. eu não posso comentar isso porque é o jeito dele trabalhar. até aí, que é o jeito dele divulgar, eu não comento. mas o trabalho em si eu acho muito negativo, sabe? “notícias de uma guerra particular” é um documentário fodido, mano, mas você vê conversas ali que falam da coisa positiva. eu não sei fazer um trabalho meu sem ter uma solução, eu não sei. às vezes pode ser piegas isso, mas eu tenho que pôr uma porra de uma solução ali. o conto tem que ter um final. quando não tem é esquisito, a denúncia pela denúncia é que nem a arte pela arte, acho que não vira. mas quanto ao rapper e ao escritor, ele é muito bom, é um dos melhores compositores que tem no rap.

pas – dos livros você gosta? de cabeça de porco?

f – não. não comentei os livros por causa da editora objetiva [que também lança seus livros], para não tumultuar com a editora, que ia virar um problema maior isso. mas li os livros, “cabeça de porco” também é um livro-documentário, não é um romance. achei boas as partes do bill, as partes do outro cara eu não gosto, acho muito esquisito, diferente para a gente ler, não acho legal. o outro, “falcão”, nem li, porque “cabeça de porco” já diz por si só. mas tem umas coisas interessantes no “cabeça de porco”, que marcam. um livro que gostei muito foi o elite da tropa. caralho, aquele livro ali é foda, parece que você está lendo um livro de espião americano, né, mano?

pas – você não acha que cada um, a seu jeito, está dando um recorte da realidade que, somado aos outros, oferece um painel maior? “100% favela” não acaba sendo complementar ao “falcão”, mesmo sendo completamente discordante? o “falcão” na daslu não colabora deixando empresário riquíssimo surtado, em parafuso, sem saber o que pensar, sendo defrontado com imagens com as quais não está acostumado?

f – pode ser, porque para nós, também, é um bagulho tão normal que pode ser que eu ache normal demais.

pas – você se incomoda por ver o mundo em que você vive ser retratado de um jeito triste, cruel.

f – é, eu não sei, não tem o interesse de mostrar o talento do cara daqui, do cara que trabalha. não tem esse interesse, mas tem o de mostrar uma coisa que, não sei, é esquisito… quando se mostra, mostra de um jeito muito exótico, “olha como é a favela”, “olha, ela era mendiga”… aquele cara lá do farofa carioca, como é o nome?

pas – seu jorge.

f – é, o seu jorge. poxa, muito chato o jeito que mostram o cara, “seu jorge, que foi mendigo, morou na rua”. o cara é um puta músico, então fala da música do cara. é por isso que não tiro mais foto na rua, não tiro mais foto com favela atrás. por quê? porque fica aquele estereótipo, toda foto sai eu com as mãos abertas e a favela atrás, mesmo no gibi. não vou deixar ninguém mais fazer isso comigo, vou tirar foto eu com livro, eu com cd.

acho que está na hora de a gente dar um outro salto. fiz o “capão pecado”, é uma linguagem mais crua, criminalidade. “manual prático do ódio” é a criminalidade de uma nova geração. então o próximo livro tem que ser um processo criativo mais alto ainda. você tem que ir evoluindo, senão vou ser visto antes como favelado, periférico, aí sociólogo, para depois ser visto como escritor. e eu primeiro sou escritor, meu primeiro dom é escrever. sou reconhecido lá fora e em outros países como escritor. eu vendo livro porque é bom, não é porque fala da favela. minha editora fala “seu livro pode falar de abacaxi, mas o jeito que você escreve é legal para caralho”. outro dia escrevi sobre uma piscina, ficou muito legal, três moleques que invadem uma piscina, pulam dentro dela.

pas – há um pouco o estigma de que o rap de são paulo é mais carrancudo, mal-humorado, enquanto o rio é mais oba-oba, funk, sexo. hoje há um cara do rio fazendo um documentário muito forte e vocês em são paulo defendendo uma posição de mostrar o lado bom também. não parece que transformou suas posições para seguir adiante? o pessoal de são paulo mesmo não era menos preocupado em mostrar o que há de positivo na periferia, no hip-hop? não é uma evolução, tudo isso?

f – eu acho que sim, mas é uma visão simplista essa do carrancudo e do outro.

pas – maniqueísta.

f – é. na verdade, a periferia não é uma coisa que você possa resumir. é muita coisa diferente. a gente pode falar de uma forma positiva, mas no show o cara diz “quem não gosta da polícia mão pra cima”, e todo mundo ergue a mão. tem um protesto, tem um confronto também.

pas – mas já se mostra de um jeito ao mesmo tempo sutil e expressivo.

f – é, no debate a gente fala do chico buarque, do caetano, do marcelo d2, também é pau no gato. tem debate, os caras são carrancudos nessa parte. e também tem a parte do rio que é séria, e a parte que é festeira. interessa para a elite manter o funk, interessa para a Prefeitura manter a sexualidade em evidência, muito turista e tal. são paulo não é vendido em sexo como o rio é. lá fora, você vê folheto dos países e tem uma montanha, uma cachoeira. no rio já mostra logo uma bunda, pernambuco mostra logo uma mina morena na praia. tem também essa vendagem de sexo, em que o brasil é muito covarde e os outros países também apóiam.

pas – qual é sua opinião sobre a atuação do marcelo d2?

f – d2, mano? acho que o de leve está falando bem do d2, deixa o de leve dar a resposta para ele.

pas – você acha a posição mais comercial do d2 prejudicial para o hip-hop?

f – tem um amigo meu que fala que d2 elevou a qualidade dos clipes, das coisas, a um patamar que a gente não pode alcançar no hip-hop, então a gente se fodeu. acho que tem lógica também isso, ele elevar a um passo que a gente não pode. mas eu não vejo ele como um cara do rap, não vejo ele fazendo parte do movimento hip-hop.

pas – ele, hoje, está nessa assumidamente para ganhar dinheiro. mas também é sincero nisso.

f – eu não sei… ele é corajoso, pôs uma dançarina de samba pelada no clipe dele, um bagulho que é para agradar os gringos. ele tem esses links, é ligeiro, trabalha bem, sabe trabalhar, é profissional, por um lado. mas, por outro, em termos de movimento ideológico mesmo, para mim ele não significa nada. nem sei se ele tem essa aptidão. antigamente eu tinha os discos do planet hemp, eu via até alguma coisa de protesto. mas acho que hoje ele se perdeu totalmente, está fazendo um bagulho totalmente comercial mesmo. é como se fosse um grupo de axé, de samba, um leonardo. vejo ele assim.

pas – mas com uma música de mais qualidade, não?

f – não vejo, não, porque o rap que ele canta, para a gente, é fraco. as riminhas dele… os moleques aqui já aprendem a cantar rap na favela com umas rimas bem mais evoluídas. não vejo mais conteúdo em nada dele, sei lá.

pas – voltando a são paulo, a imagem da cidade sempre foi de progresso e tecnologia, mas a história do pcc dá uma modificada nisso, não?

f – acho que são paulo vai ficar caótica mesmo. eu gosto muito de “cronicamente inviável”, acho que é um prefaciador do caos. comprei os filmes do sérgio bianchi, assisto todos, acho que tem muito a ver com o meu trabalho e o de todo mundo que mexe com favela. não tem como criar essa capital de tecnologia e tudo ficar límpido, branco, transparente. por isso o nome do meu livro é “ninguém é inocente em são paulo”.

pas – estão lá os rios tietê e pinheiros denunciando isso…

f – denunciando, tem os barracos da favela da coca-cola, tem os moleques catando lata do lado de carro de r$ 300 mil. esses dias vi um troço que me machucou muito, uma senhora carregando um carrinho pesado pra caralho, cheio de papelão, e o cara fechou a mulher com a porra de uma pajero. a mulher estava lá no sol esperando, o cara podia deixar a mulher passar e fechou para poder entrar. são paulo é assim. quando estou dirigindo e o cara pára na frente eu falo “aqui é são paulo, caralho, vai, anda”. paulo lins veio para cá, eu morava na casa em frente ao córrego, ficou lá comigo. ele: “porra, aqui é mar de barraco”. não tem mar, né?, aqui é mar de barraco. daqui a pouco, veio um cara e jogou um carrinho de entulho dentro do córrego. eu falei “ô, vocé é louco?, não tá vendo que a gente tá limpando o córrego aí?”. “vou jogar onde?, não tenho onde jogar, vou jogar aqui mesmo.” o cara ainda voltou com o carrinho de novo, cheio de entulho, começou a jogar. eu falei “você não vai jogar, mano”, “vou”, “não vai”, eu joguei ele dentro do córrego com carrinho e tudo. ele: “você tá fodido, eu vou te pegar”.

pas – [espantado] você jogou ele dentro do córrego?

f – joguei o cara, o carrinho, tudo dentro do córrego. o paulo lins, “você é doido, cara?”. que doido?, o cara tirando uma… aí entrei no carro e fui levar o paulo lins para encontrar o negredo. Ccra, até chegar lá discuti com três caras no meio do caminho, um entrou e não deu seta, outro estava tumultuando a entrada na única rua que dava para entrar…

pas – todo mundo estressado, inclusive você…

f – todo mundo age errado. paulo lins falou “puta que pariu, não vou ficar mais nem um dia nesta porra”. falei: “isso porque você não foi para o centro ainda para ver o que é o inferno, cara”. aí chegamos à favela, som alto, churrasco e bagunça e discussão e mulher bêbada caindo no chão, paulo lins falou “caralho, isso aqui tá foda”. são paulo é assim mesmo, estresse total. aí evito dirigir, evito sair, quando vou na casa do cara já fico lá o dia todo. se você ficar circulando, você fica louco. sair daqui para ir para o centro é três horas no trânsito. é crônico mesmo. e a gente respira isso na arte, faz livro assim.

pas – eu estarei falando um absurdo se disser que entre a última vez que vim entrevistar você e agora a região está mais bonita? melhorou, de lá para cá?

f – você tem essa impressão, né? acho que os trechos do capão que você viu estão bonitos, os trechos que você viu. é época de eleição, os caras deram uma arrumada nas ruas. muita coisa não estava pintada, foi pintada agora. algumas ruas foram asfaltadas.

pas – o córrego de que você reclamava há três anos, como está hoje?

f – podre do mesmo jeito. mas se você for lá hoje ele está limpo, tem uma pilha de terra jogada do lado dele. é o que os caras fazem antes da eleição, tiram toda a terra de dentro do córrego, que está alagando, e põem do lado. aí quando a eleição acaba aquela terra vai descendo de novo para o córrego, porque eles não levam embora. é maquiagem, né, mano?, vai maquiando. os problemas aqui não estão sendo solucionados e estão crescendo. por quê? porque vai crescendo a população e o número de hospitais, postos e escolas é o mesmo. a qualidade da escola não é nem a mesma, é pior ainda. a cidade aqui não cresce como nos outros lugares, você não tem organização nem estrutura de nada.

pas – e se pensarmos sobre a auto-estima de cada um, como nas casas grafitadas para o show, e ficam mais bonitas do que eram? por que a periferia tem que ser cinzenta?

f – em alguns lugares aqui isso está melhorando bastante, o cara fala “vou pintar minha casa”. a gente do movimento também pega no pé. mas acho que falta muito ainda.

pas – se eu perguntar, numa somatória de tudo, se está melhorando, piorando ou igual?…

f – eu diria que melhorando não está, tudo igual nunca fica…

pas – …e piorando também não está?…

f – piorando, sempre tem um jeito de piorar mais um pouquinho. pela evolução que você vê em outras coisas, eu não vejo melhora. a melhora é muito atrasada. o cara construir mais um murinho na casa dele durante três anos é muito pouco, perto da evolução que tem um estudante aí do mackenzie. é muito pouca a evolução. internet chegou na minha casa, se minha casa quebrar só tenho um amigo que tem. se a dele quebrar não tem onde ir mais, tem que ir naqueles pontos de lan houses.

pas – que, segundo hermano vianna, existem em qualquer favela hoje em dia, não?…

f – tem, os caras cobram r$ 1.

pas – não são pessoas que não tinham acesso e hoje estão tendo?

f – mas esse acesso não está sendo usado investigar a vida do hermann hesse. o acesso é para ver o jogo do corinthians, para entrar na globo para ver a receita da ana maria braga… é foda. fui nesses pontos de cultura e critiquei muito, porque os caras estão lá ensinando o moleque a entrar no palmeiras, a pesquisar a vida do jogador do palmeiras.

pas – mas não tem um mito aí, do cara que não sabe nem chegar ao dicionário para consultar – esses meninos não estão ao menos sabendo lidar com o computador?

f – mas o cara não vai mudar com computador. vi tanto pai aqui, “meu filho teve aula de computação”” o que você aprendeu? “aprendi o word.” escreve? “escrevo, o que você falar eu escrevo.” mas você sabe escrever? “como assim?” fazer uma redação? “não gosto de fazer redação.” quer dizer, o cara sabe, mas ao mesmo tempo não sabe para que usar aquilo.

pas – mas não pode ser um passo adiante? algumas das coisas que estão acontecendo agora estavam plantadas nas letras do mano brown há 10, 15 anos…

f – é, é… mas meu primo fez curso de computação cinco anos atrás e dirige perua hoje. não basta, não é uma coisa que basta. não tem vaga, trabalho, colocação. não tem espelho, para falar “aquele entrou para o escritório, está bem”. o cara aprendeu tudo sobre computador, entrou para o escritório e tira xerox no escritório. não vejo revolução nessa parte, pelos exemplos de amigos e parentes que tenho. não vejo ninguém que está dando certo com isso. está sobrevivendo.

pas – que posição você defendeu na época do referendo do desarmamento?

f – a de não ter arma.

pas – a que perdeu, portanto. você acha que esse resultado teve conseqüências? as ondas atuais de violência não teriam uma das raízes ali?

f – para começar, acho que a gente tinha que ter que ter um referendo para saber se a gente queria esse referendo. acho que foi um equívoco, jogaram uma bomba na mão do povo sem nem mostrar direito o que o povo podia escolher. não se mostraram as coisas de forma clara.

pas – e deu um resultado belicoso

f – é, porque jogaram a bomba e disseram “decidem vocês”, “não temos competência para decidir, então toma a bomba aí e vê o que vão fazer”. a indústria de armas é muito forte, vamos para referendo. aqui, se o maluf for de novo as pessoas vão votar no maluf. as pessoas agora vão votar errado, vão votar no psdb. se perguntar se quer a pena capital, 90% vão dizer que sim. mas quem diz que isso é certo? eu acho que tinha que preparar o povo para decidir as coisas, e não preparam. é por isso que a gente vota tão mal. o referendo todo é um engodo. mas tem muito moleque que chegou em mim e falou “você acha que tem que ser contra as armas, mas se eu não andar armado e o cara me matar ali?”. o estado não oferece proteção, quem disse que o policial também pode andar armado?, uns moleques aí de 19 anos, estão preparados para andar armados? não sei, você vê o policial tremendo, segurando a porra da pistola com o dedo no gatilho para dar geral nos outros. não sei se esse cara também está preparado para andar armado. se for pensar assim, é foda.

pas – e a posição armamentista venceu…

f – mas o segredo de combater crime e violência e assassinato não está na arma.

pas – …e um ano depois estamos vivendo uma onda de violência e de organização do crime. diziam “não vamos deixar a arma só na mão do bandido”, e agora esse que chamam de bandido está mais organizado que nunca, num estado de coisas em que a violência parece ter até aumentado.

f – mas será que aumentou? será que aumentou mesmo, será que aquele posto de gasolina só lá deu esse efeito todinho, ou é só efeito que deu na gente, mas não aumentou nada? ou será que a gente falar de violência vai dar efeito mais violento depois? porque toda vez que passa coisa de violência na tv eu penso se isso não dá poder para o cara, se não é isso que vai dar a violência e fazer o cara sair de casa armado hoje. não sei, ali na frente tem cinco casas que são isoladas num condomínio. quando teve o ataque, passei e fiquei olhando, que ridículo: automatizaram o portão, puseram cerca elétrica. caralho, vai subindo essa porra aí que já era alta. é ridículo, aqui o cara vai pôr fogo na sua casa para quê? acho que também saiu uma lei sobre violência psicológica contra a mulher – o cara segura a mulher no casamento pela parte psicológica. acho que é a mesma coisa, a gente também está sendo vítima de uma violência psicológica. o assunto é pesado, a gente fica falando. você sai na rua e não vê ninguém dando tiro em ninguém, mas esse pânico…

pas – seria algo exagerado?

f – exagerado. o cara fala “199 ataques até agora” e mostra o mesmo posto, o mesmo carro, e fica aquilo o dia todo, “vamos mostrar mais uma vez o posto, como está o posto?”, “ah, está aqui, está queimado”. não tem mais o que mostrar, o cara continua mostrando. quando começaram a mostrar as viaturas do deic pegando fogo, tinha duas viaturas que não tinham pegado fogo ainda, e não chegou nenhum policial lá, não chegou nada. era meio-dia, estavam os repórteres esperando e ninguém se pronunciou. quer bagulho mais desorganizado que isso?

pas – você está falando também na responsabilidade da mídia nisso tudo, aumentando e tornando tudo uma bola de neve?

f – com certeza. vira um holofote. o nome que o pcc ganhou, o marketing… se fosse voltado isso para uma ong a ong estava milionária.

pas – agora, com o repórter seqüestrado, a globo não fala mais o nome pcc, só fala “homens armados”, como se não quisesse dar publicidade ao pcc, mas isso só agora, quando entrou na roda também.

f – não adianta mais, não.

UM PORTA-VOZ DA PERIFERIA
O escritor e rapper Ferréz reflete o Brasil a partir do Capão Redondo

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Veio ao mundo o primeiro DVD brasileiro integralmente produzido na favela, pela favela. Chama-se 100% Favela e inclui festival de rap, documentário e depoimentos inéditos de Mano Brown, dos Racionais MC’s, entre outros atrativos legendados em português, inglês e espanhol. Entre os produtores do esforço, ao lado do grupo de rap Negredo, está o nome 1daSul, outra marca que é 100% favela.

Instalada no centro do Capão Redondo, na periferia sul da cidade de São Paulo, a 1daSul é a usina produtiva de Ferréz. A 1daSul, em si, é uma loja de roupas imaginadas por ele próprio, sempre sob motivos inspirados na periferia. Mas, aos 30 anos, o dono da casa amplifica cada vez mais sua atuação: hoje, além de romancista, cronista e rapper, faz produção de show e DVD, virou roteirista de história em quadrinhos, escreve contos e livro infantil, está adaptando o texto de Lisístrata para uma nova montagem teatral.

Ferréz nasceu e mora no Capão, hoje numa casa ampla e confortável que comprou com o progresso conquistado com a 1daSul e com os romances Capão Pecado (2000) e Manual Prático do Ódio (2003). “Desde que lancei o primeiro livro, está todo mundo esperando eu ir embora do Capão. E eu quis comprar uma casa melhor porque não preciso ir para o centro, não é lá que presta, não. Que diferença tem de onde vocês moram? Olha que tranqüilidade”, ele defende o apego à própria origem.

É esse apego à origem que ele aborda sem meios-termos ou subterfúgios nos recém-lançados Ninguém É Inocente em São Paulo (uma coletânea de contos, da editora Objetiva) e Os Inimigos Não Mandam Flores (uma história em quadrinhos desenhada pelo jornalista Alexandre de Mayo, da editora Pixel). Segue extraindo idéias e imagens do cotidiano que testemunha, como no caso das metáforas fortes com ônibus que são constantes nos contos.

“Ônibus é um barato louco, né? Você ouve um cochicho daqui, outro dali, vê a paisagem de uma forma privilegiada, porque o ônibus é alto. Tenho amigos que são mais conhecidos no rap ou na MPB que não andam de ônibus de jeito nenhum. Eu, não, mano, se puder ir de ônibus, vou”, diz. Um carro Gol antigo repousa na garagem à frente da casa.

A morada anterior, em frente a um córrego poluído, rendeu o conto Vizinhos, mas mais história já aconteceu desde então: “Eu não ia mudar nem de lá, apesar dos ratos andando no forro. Só mudei porque os caras entraram lá para matar um amigo meu. Minha mulher estava sozinha dentro de casa, se eu estivesse lá com o amigo com certeza matavam nós todos. Porque aqui é assim, se o cara pula na sua casa para matar um cara, vai matar quem está lá dentro, não vai deixar você ver”.

O amigo, Alex, foi assassinado uma semana depois. “Ele cantava rap comigo, e depois partiu para a vida criminal. Assaltava carga, essas coisas. Éramos amigos desde pequenos, desde 6 anos de idade. Era tão amigo que tenho o rosto dele desenhado nas costas. Quando ele morreu fiquei muito chateado, a casa começou a me lembrar o cara.” Ficou alguns dias no Rio de Janeiro com Paulo Lins, autor do livro Cidade de Deus, e então se mudou para outra casa, distante apenas duas ruas da anterior.

Também abandonou São Paulo por um período após a primeira onda de ataques do PCC. Na ocasião, em 17 de maio, publicara em seu blog (http://ferrez.blogspot.com/) um manifesto sobre o caso, em que assim se posicionava: “A Polícia Militar e a Polícia Civil (…) estão fazendo da nossa periferia um Estado para lá de nazista. Já são mais de cem ‘suspeitos’ assassinados, e nenhum deles é PCC. Só de colega, foram mortos quatro (…). O povo está morrendo, sendo baleado pelas costas, ao entregar pizza, ao voltar para casa. (…) Lei marcial para pobres inocentes foi decretada”.

Diz que o texto lhe rendeu mais de 90 e-mails ameaçadores (inclusive de pessoas que se identificavam como policiais), que ele rebateu também no blog. E não manifesta arrependimento: “Se não pusesse aquele aviso de que os caras estavam matando aqui, não tinham parado de matar um pouco. O superior é pressionado, porque sai no jornal, na tevê, em todo lugar. A gente é uma peça da engrenagem, tem que saber usar os meios de comunicação também”.

O episódio o fez se recolher diante da mídia, também. “Repórter não conhece ninguém de periferia. Então vê que o escritor Ferréz é do Capão, ‘não consigo falar com Mano Brown, vou falar com ele mesmo’. Liga para mim, e aí tudo é eu. Se eu deixasse, se fosse responder a todas as matérias, eu já era porta-voz do PCC. E não tenho nada a ver com criminalidade, não conheço ninguém do PCC.”

Artista-ativista, Ferréz reivindica um basta às atitudes automáticas que sempre estereotipam e criminalizam os mais pobres, e critica as classes mais altas da sociedade: “Em 2000, Paulo Lins e eu já falávamos que ‘ou pela arte ou pelo terror’, nunca ninguém levou a sério. As classes média e alta vão pagar muito por isso. Ainda não entenderam que o Rio não é uma cidade estressante como São Paulo, e que então o PCC vai ser estressante, como São Paulo é. Tudo é crônico aqui, isso vai ter que ser crônico também. Quem planta ódio colhe ódio. Não há outra alternativa, plantar ódio e colher amor.”

Foca a crítica na mídia: “Eles põem o zé-povinho na tevê falando (faz voz caricatural) ‘o meu filho não vai mais estudar’, ‘ai, estou com medo de sair de casa’, como se o PCC fosse explodir uma doméstica na rua. Minha mãe falou: ‘Mas estão explodindo só posto de gasolina, concessionária, de que essa mulher está com medo?’. Fica esse pânico, e a mídia é ligeira, joga o ódio para nós. Mas a gente representa um povo de periferia, não representa uma facção, nem a polícia”.

Questiona a mídia também na discussão das cotas raciais. “Fui usado até nisso. As rádios me ligavam, toda hora eu dava entrevista e dizia ‘sou contra as cotas raciais porque acho isso e isso’. E aí vi que os caras mais boçais gostavam, pensei ‘caralho, se eles estão gostando alguma coisa errada eu estou falando’.” Mudou de posição, por isso? “Acredito numa cota financeira, por renda. É ridículo um cara que é responsável pelo PIB e está estudando na USP de graça, e o outro sem vaga. Hoje sou mais a favor das cotas raciais do que contra. É melhor que sejam feitas, mesmo de forma errada, do que não sejam feitas.”

Não valeria um raciocínio equivalente para o documentário Falcão, dos cariocas MV Bill e Celso Athayde, que Ferréz criticou veementemente, por explorar negativamente a violência? “Tenho todos os trabalhos do Bill, sempre vi uma qualidade muito boa nele. Mas não acho legal mostrar um documentário com um monte de moleque traficante. Vi os moleques se chamando uns aos outros de ‘falcão’ e não gostei, mano.”

Faz o contraponto, exaltando uma postura que, por sinal, não era freqüente nem no rap paulista de até há pouco: “Tanto a gente não acha legal que fez o 100% Favela, que não mostra nenhuma arma. Não precisou ter uma arma, uma pistola, ninguém falando que vai morrer. E teve cara que estava no palco, você assistiu ao show dele, e ele já morreu. Mas a gente quis mostrar que na favela existe uma resistência, uma vida, um sopro”.

Nessa clave, imagens raras do vigoroso e colorido 100% Favela mostram Ferréz e os rapazes do Negredo debatendo com Mano Brown temas como a mídia e a música brasileira, mas também fazendo autocrítica sobre “a ruindade do rap atual” (nos dizeres de Brown) ou o perigo de se formarem elites mesmo dentro do próprio movimento hip-hop.

Noutro momento do DVD, o líder Brown diz: “Humildade é sabedoria. Arrogância é burrice, e muitas vezes eu fui burro. A burrice vem da neurose, do ódio, da revolta. Você passa na frente de uma favela dá ódio, dá raiva. Dá raiva até da favela, por que eles aceitam isso aí? Você pode tratar um playboy com arrogância, porque ele tem os olhos verdes e não é da mesma cor que a sua. Você acha que ele é rico, trata mal porque viu gente igual a você sofrendo. Isso é burrice, eu já fiz isso. (…) Vou tentar ser menos burro daqui para frente”.

Ao que tudo indica, depois do avanço de MV Bill, é hora de Mano Brown, Ferréz e o rap paulista colocarem na mesa um novo repertório de atitudes, posturas e bandeiras, de dentro para dentro e de dentro para fora.

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