a ema gemeu no tronco do juremá *

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e eis que, sem que nem nos déssemos conta, nossas mais recentes discussões apontaram, aqui & alhures, para o rumo inesperado (será?) de tema espinhosíssimo: a humilhação, a voz rouca (alô, cássia eller!, a bênção!) dos humilhados (& de seus algozes).

acho que é hora, portanto, de beliscar com dedos mais enganchados esse veio que se apresentou a nós. começo por um prólogo duplo, recolhido de dois momentos da “carta capital” que são distintos no tempo e (em parte) no espaço, mas que, como se notará com facilidade, se interligam em conexões amplas e também (in)esperadas.

o primeiro, da edição 369, de 23 de novembro de 2005, chama-se “a rebeldia recuperada”, e versa (ou melhor, proseia) sobre aquilo que conhecemos tradicionalmente como mpb.

o segundo, da edição 377, de 25 de janeiro de 2006, batiza-se “a outra vida de odair”, e proseia (ou melhor, rima à moda do hip hop) sobre… aquilo que (não) conhecemos tradicionalmente como mpb.

daqui a pouco a gente chega mais além, mas, por enquanto, já há pano para mangas & mangueiras, não há?

[podemos até, pelo meio do caminho, falar, quem sabe?, sobre “carioca”, o novo disco do sr. chico buarque, pois não? comecei a ouvi-lo hoje, e, em meio a uma profusão de canções denominadas “as atrizes”, “ela faz cinema”, “renata maria” etc., eu garrei a maginá, ó, cabocla maringá. fiquei imediatamente curioso, ansioso mesmo por saber opiniões femininas (alô, meninas!) sobre o disco, em conexão direta com aquele velho chavão que já cansamos de conhecer, que determina que chico buarque entende & traduz como ninguém mais a “alma feminina”. será que as mulheres presentes no recinto avaliam que ele entende & traduz mesmo, e que ele continua a fazê-lo, neste novo disco povoadíssimo por figuras femininas? será que sentem suas almas representadas pelo velho francisco quando ouvem “as atrizes”, “renata maria”, “porque era ela, porque era eu” etc. e tal? e as “almas masculinas”, o que diriam a respeito?]

[xiiii, será que a gente dá conta de tanto assunto ao mesmo tempo, quandonde tudo se mistura & ondequando a(o)s humilhado(a)s SÃO o(a)s humilhadora(e)s? emas vorazes que somos (alô, denise!), conseguiremos engolir tudo quanto é despertador & taco de golfe & ferro de passar que passar voando sobre nossos chifres, sem maiores indigestões? tô apostando que sim… de volta ao “percurso-vida (‘percursubida’?) na terra-mãe concebida de vento, de fogo, de água e sal, ô, menina” *, portanto:]

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A REBELDIA RECUPERADA
As imagens tensas da MPB sob censura, em 1973, saem do anonimato

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Elis Regina foi intensamente vaiada porque, supostamente, havia se transformado numa apoiadora da ditadura. “Censura filha da puta”, gritou Chico Buarque de viva voz ao público do Anhembi, porque haviam desligado seu microfone. Outro vaiado foi Caetano Veloso, por trazer o “cafona” Odair José ao palco numa tentativa de, guerreando, pacificar facções “inimigas” da MPB. O grupo MPB 4 cantou um tema de oposição frontal ao regime (“você corta um verso e eu escrevo outro”), e a repressão nem se moveu. Gal Costa e Maria Bethânia beijaram-se na boca, também sem censura ou vaia.

Era 1973. Uma multiplicada pela outra, a tensão e a criatividade correram em pistas paralelas de mão dupla durante os quatro dias do festival Phono 73, que reuniu o volumoso e heterogêneo elenco da gravadora Philips numa hercúlea demonstração de força, união e resistência contra a asfixia imposta pelo regime militar. Sendo tudo isso, era também uma operação mercadológica orquestrada pelo presidente da companhia, André Midani, como caracteriza hoje, sem meias palavras, o diretor geral original do evento (e da gravadora), Armando Pittigliani.

“Era marketing, completamente. Sempre foi e nunca vai deixar de ser, tanto é que é reeditado até hoje”, ele afirma, consciente de que o espírito daquele tempo e o passar dos anos converteram a investida publicitária em momento histórico e retrato de época, mais que “o canto de um povo” que o subtítulo da epopéia queria vender.

Pittigliani fala das reedições pensando no mais cuidadoso projeto de restauração do episódio, lançado agora pela Universal, gravadora herdeira daquela em que ele permaneceu 38 anos, até 1993. Ao preço médio de R$ 90, o Phono 2003 inclui dois CDs de áudio reconstruído digitalmente e um DVD que agrupa 35 minutos de imagens raríssimas.

Graças a esse bônus, fica disponível para o comércio pela primeira vez a mitológica cena da censura ao vivo de Cálice, uma parceria recém-criada por Chico Buarque e Gilberto Gil. Ao ousarem desrespeitar o veto militar ao “pai, afasta de mim esse cálice”, improvisaram uma versão cantarolada em língua inventada, mas que não se furtava de repetir com insistência o mote “cálice”, “cale-se”, “cale-se”…

“Guilherme Araújo [então empresário do grupo tropicalista] disse para todo mundo que foi a companhia que desligou o som. Para ficar bem com os artistas, ele ia sempre contra a gravadora. Até hoje Chico pensa que fomos nós. Mas, não, o teatro estava cheio de agentes de terninho azul, que deram à mesa de som a ordem de desligar”, relembra o diretor.

As cenas precárias, às vezes sem sincronia entre som e imagem, são de puro valor documental. O susto e o espanto são inevitáveis para quem não conheceu ou já esqueceu como se comportavam e se vestiam e se moviam, entre outros, Raul Seixas, Toquinho & Vinicius, Jorge Ben, Nara Leão, Sérgio Sampaio etc.

Elis aparece na semi-escuridão (a propósito, o show era iluminado pelo também mitológico diretor teatral Ziembinski), aguardando altiva e silenciosa a dissipação das vaias por ter cantado, pouco antes, nas oficialescas Olimpíadas do Exército. “Não sabiam que ela foi obrigada a participar, com ameaças mesmo, e não teve peito para recusar”, protege Pittigliani, estendendo à gravadora e a si os dilemas e paradoxos resultantes da forte polarização política de então. “Financiávamos o Pasquim, mas éramos vistos como imperialistas. Fui preso várias vezes, fiquei seis horas sendo interrogado no Dops e ao final o cara reclamou que não gostava do que fazia, pediu emprego na gravadora.”

O material filmado por Guga de Oliveira foi engavetado à época por desacordos financeiros, e também por razões econômicas não abrange tudo o que aconteceu num festival que envolveu, além dos já citados, artistas tão díspares quanto Wilson Simonal, Fagner, Jair Rodrigues, Ivan Lins, Wanderléa, Jards Macalé, Erasmo Carlos, Jorge Mautner, Ronnie Von…

Do beijo trocado por Gal e Bethânia após o dueto Oração de Mãe Menininha, por exemplo, só resta a imagem congelada de uma foto. Também não há a cena de quando o tema mundano da prostituição arrombou as portas da MPB, no dueto entre Odair e Caetano em Eu Vou Tirar Você Desse Lugar, composta pelo primeiro.

“Não entendemos nada quando Caetano pediu para cantar com ele. Depois, o difícil foi convencer o próprio Odair. Caetano fez um ato contra a discriminação social, levou a maior vaia, botou as mãos nas cadeiras e falou a famosa frase ‘não existe nada mais Z que o público de classe A’. Acho que já estava prevendo e ensaiou a frase antes”, reflete Pittigliani.

O DVD faz aparecer só agora a participação de Sérgio Sampaio, não incluída nos LPs originais de 1973 – as sugestões fortemente sexuais contidas no vídeo de Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua ajudam a explicar o porquê da exclusão.

Caso extremo é o da apresentação do núcleo roqueiro da Philips, com os Mutantes já sem Rita Lee e a dupla Cilibrinas do Éden, formada por Rita e Lúcia Turnbull, de que não ficaram registros. “Quando acabou, o gerente do Anhembi me levou ao banheiro e mostrou o lixo cheio de seringas e agulhas”, lembra o diretor, vasculhando outra das barras pesadas em torno do Phono 73.

O painel pintado pela nova reconstituição indica a chegada da gravadora Universal a um território ainda desabitado pela indústria musical brasileira: o da recuperação também visual da história da MPB. “As imagens estavam arquivadas no Museu da Imagem e do Som, nós não as conhecíamos. Ficamos todos surpresos”, admite Ricardo Moreira, gerente artístico da Universal.

Ele diz que planejou reconstruir na íntegra o áudio das apresentações no Anhembi, incluindo canções e artistas ausentes dos LPs, CDs e DVD lançados até agora, apesar de também terem integrado o projeto da gravadora que então se propagandeava com o slogan narcisista “só nos falta Roberto Carlos”.

Mesmo afirmando que continua trabalhando em tal plano, Moreira diz que a Universal optou pelo formato de agora para não ter de postergar indefinidamente o projeto, devido às dificuldades de obter autorizações de cada um dos envolvidos no naco inédito das fitas de acervo.

“Nada pode ser lançado à revelia, a gravadora não pode ficar juridicamente desprotegida. É preciso negociar com um por um, torcendo para que um cara que tocou caxixi em uma música não esteja mal e queira pedir R$ 5.000 para autorizar o uso, inviabilizando tudo. É um inferno”, justifica. “Tenho o sonho danado de colocar uma equipe alternativa para ficar só descascando abacaxi, Mas a gravadora tem que gerar lucro, não adianta eu ficar malhando em ferro frio.”

Indiretamente, refere-se ao engessamento resultante de uma legislação autoral que se torna arcaica na mesma velocidade em que a tecnologia e a internet multiplicam as possibilidades de uso e circulação de produção cultural.

Moreira sabe que o imobilismo em que a indústria se aprisiona já é contornado na informalidade (ou no “crime”, de acordo com o ponto de vista) por fãs que fazem circular em ambiente privado versões piratas de toda uma gama de gravações raras e comercialmente inéditas do panteão MPB.

A indústria tem oscilado entre fazer vista grossa e impor atuação repressiva, punindo “piratas” caseiros e endurecendo a aplicação de legislação autoral vencida ao admirável mundo novo da internet. Isolando-se mais e mais, gravadoras se distanciam progressivamente da realidade dos consumidores de música. Mais uma vez se criam dois exércitos polarizados e aparentemente opostos, como pareciam ser em 1973 os de Wilson Simonal e Chico Buarque, ou Odair José e Caetano Veloso.

Lá atrás, o Phono 73 rompeu essas fronteiras, assim como hoje a Universal também as contesta tornando viável a saída do armário das imagens do histórico festival. Embora ainda aconteçam uma vez a cada 76 anos, eram e são sinais de que a empreitada é difícil, mas perfeitamente possível.

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A OUTRA VIDA DE ODAIR
O cantor é homenageado não como ídolo “cafona”, mas como um rebelde que afrontou os costumes e a ditadura

Por Pedro Alexandre Sanches

Dentro do grande armário da música popular brasileira, a obra de Odair José quase sempre ficou guardada numa gaveta modesta, de cuja clausura só escapuliam rótulos como “brega”, “cafona”, “popularesco”, “limitado”… A novidade é que cresce uma frente de oposição à compreensão corrente, que tem historicamente mantido em trincheiras inimigas as classes ditas intelectualizadas e o povo.

A denúncia de preconceito classista por trás desse cisma foi inaugurada pelo historiador, jornalista e professor Paulo Cesar de Araújo no “livro-guerrilha” Eu Não Sou Cachorro, Não (Record, 2002), que luta para demonstrar por A mais B que o “sapo” Odair foi tão perseguido e censurado pela ditadura militar quanto o “príncipe” Chico Buarque. Agora, esse grupo ganha um reforço importante: 18 dos roqueiros mais modernos do País uniram-se para gravar de modo independente e cooperativo o CD Vou Tirar Você Desse Lugar – Tributo a Odair José.

Aos 57 anos, do condomínio fechado onde mora com a mulher e dois filhos nas imediações de São Paulo, Odair José contempla a movimentação com olhar impassível, mas algo surpreso. “Tenho cantado em lugares ótimos, para pessoas até muito esclarecidas. Para lugares mais populares não me contratam mais. Ou então, quando vou, não é um arraso”, descreve, antes de ensaiar uma explicação: “Hoje o povo prefere o que não o faça parar para pensar”.

Eis aí um ponto que poderia frear logo de início a tentativa de entender o fenômeno: mas Odair José lá fazia música “para pensar”? Vejamos.

Ao migrar de Morrinhos (GO) para o Rio de Janeiro, em 1966, o adolescente fugido de casa dormiu em ruas, praias e banheiros de aeroporto, até encontrar abrigo entre estudantes que, como ele, comiam no restaurante Calabouço e lideravam passeatas contra a ditadura.

Após uma fase em que “à noite tocava em puteiros, de dia enchia o saco das gravadoras”, materializou o sonho musical na CBS, onde estreou em 1970. “Um dia, (o produtor) Rossini Pinto me disse que a companhia estava insatisfeita com meus resultados, que iam me dar a chance de fazer mais um compacto e, se não desse certo, era tchau e bênção.”

Foi para casa e voltou com Vou Tirar Você Desse Lugar, de um narrador que se declarava à namorada e prometia resgatá-la do prostíbulo em que ela trabalhava. Rossini odiou (“Disse ‘pô, os caras lhe fazem um favor e você vem com essa merda?'”), mas deixou passar – e o compacto vendeu a bagatela de 800 mil cópias. O Brasil de 1972, em pleno reinado do terror, aprendia a pensar sobre o tema-tabu da prostituição.

A bordo do sucesso nacional, Odair se mandou da CBS: o executivo André Midani tirou o novo ídolo popular daquele lugar. Um ano após a estréia na Philips, bateu de frente com a ditadura pela primeira vez, e absolutamente sem querer. O governo patrocinava a entrada da pílula anticoncepcional no Brasil, e Odair foi instigado por um amigo a colaborar na difusão do tema.

O resultado: enquanto o governo alavancava a campanha “Tome a pílula com muito amor”, Odair inverteu tudo e saiu gritando “pare de tomar a pílula/ ela não deixa o nosso filho nascer“. A canção já estava na boca do povo quando a Censura percebeu o estrago e a interditou.

Hoje Odair se diverte com a comédia de erros que co-protagonizou: “Acho que o governo proibiu a música errada. Se eles queriam que todo mundo tomasse a pílula, era melhor deixar. Ninguém aqui sabia de pílula, eu estava contando que existia, mais gente podia usar por causa da música”. E o Brasil de 1973, em pleno horror oficial à simples menção da palavra “sexo”, aprendia a pensar em sexo, contracepção e tabus afins.

Desobediente, Odair seguiu cantando a música em shows pelo País. Atendia o clamor do público subalterno que o acompanhava e por isso foi repetidas vezes reprimido, intimidado e preso pelo regime.

Voltou a cair nas malhas da Censura em 1974, quando tentava lançar A Primeira Noite de um Homem, agora cutucando o tabu da virgindade masculina. Por conta dessa, esteve cara a cara em Brasília com o general Golbery do Couto e Silva, por intermediação de um censor amigo que, segundo ele, “gostava dos artistas”.

“Ele me levou até o Golbery, que passou os olhos na letra, nem olhou na minha cara e disse: ‘O que está proibido é a idéia’.” O alto comando fardado do Brasil aprendia, nem que por um só instante, a pensar em música e em artistas populares como Odair José.

Ainda em 1973, Caetano Veloso tentou escalar os muros das classes sócio-político-musicais e convidou Odair a dividir com ele, no evento coletivo Phono 73 (CartaCapital nº 369), uma reinterpretação de Vou Tirar Você Desse Lugar. O galã suburbano foi recebido com vaias intensas pelo público universitário.

“Era um público de pessoas, entre aspas, conhecedoras dos problemas do País, que queriam ser líderes e comandar o País em benefício do povo, mas que na verdade tentavam fazer isso rejeitando o próprio povo”, reavalia Odair. Se no mesmo evento a Censura tirava os microfones de Chico Buarque e Gilberto Gil para impedi-los de cantar Cálice, Odair resistiu sozinho à saída irritada de Caetano do palco e acabou cantando… a censuradíssima Pare de Tomar a Pílula.

Confusão menor causou Deixe Essa Vergonha de Lado (1973), em que o narrador rogava à namorada, em tom tristíssimo, que parasse de esconder dele o ofício de empregada doméstica em casa de “gente importante”: “Eu já sei que o seu quarto fica lá no fundo/ e se você pudesse fugia desse mundo“. O Brasil era forçado a repensar incômodos ocultos nos quartos de despejo; e, instigada pelo apoio do cantor popular, a classe das empregadas domésticas foi à luta e conquistou o direito à sindicalização.

A balada atraiu para o autor o apelido pejorativo de “terror das empregadas”. “Foram Rita Lee e Paulo Coelho que começaram, naquela música Arrombou a Festa. Começou a surgir o negócio do ‘cantor das empregadas’, do ‘cantor das putas’. Na época eu nem via o preconceito por trás disso.”

Experiência “de corte” seria o projeto O Filho de José e Maria (1977), ópera-rock que atraiu a ira da Igreja Católica (um padre chegou a excomungar o cantor): além de investir contra o casamento e defender a instituição do divórcio, apresentava um Jesus Cristo pós-moderno, em conflito com a própria sexualidade. “As pessoas precisam saber da verdade/ (…) não sei por que você não se assume pra viver“, protestava.

“Fui ao Vaticano e voltei apavorado. Cada castiçal daqueles mataria a fome de muita gente”, reflete Odair, convicto do acerto do LP “fracassado”.

É esse Odair José mais complexo e contraditório, e não mais a caricatura cafajeste do “terror das empregadas”, que os revisionistas procuram agora tirar da gaveta. Descentralizado, o tributo une nesse propósito bandas que enviaram releituras fabricadas no Pará (Suzana Flag), Paraná (Poléxia, Terminal Guadalupe), Pernambuco (Mombojó, Volver), Brasília (Suíte Super Luxo) etc., e mesmo nomes mais conhecidos como Zeca Baleiro, Paulo Miklos, Mundo Livre S/A…

“Não houve cobrança de cachês, a maioria esmagadora das bandas bancou os próprios custos. Todos têm participação nas vendas do CD”, explica Sandro Rogério Lima Belo, economista, professor universitário e dono do selo musical Allegro, que coordenou o projeto a partir de Goiânia.

O suporte teórico concentra-se no texto de Paulo Cesar de Araújo no encarte, que defende que artistas como Odair José enfrentaram duas ditaduras simultâneas – a político-militar e outra de tez cultural, que persiste até hoje. “A ditadura das elites culturais exclui, segrega e rotula, e isso é uma quase doença, uma patologia cultural-ideológica”, revolta-se o pesquisador a CartaCapital.

Entre as bandas participantes, as motivações para embarcar na aventura mostram-se variáveis. Reinaldo Andreatta, do paulista Sufrågio, brinca de mesclar razões assumidamente comerciais com outras 100% emotivas: “Fui criado por dona Natalina, uma brilhante cantora do lar, já falecida, que tenho certeza que se orgulha da homenagem dos filhos Reinaldo e Ronaldo a ela. Para minha banda, que é ótima, mas não tem espaço na mídia, também foi uma oportunidade de aparecer um pouco”.

Fernanda Takai, do Pato Fu, confessa que hesitou em topar por não ver ligação direta a princípio, mas logo mudou de idéia: “Achei que era um jeito bacana de se colocar um novo foco sobre parte da música brasileira que é esquecida como obra”.

Já o gaúcho Arthur de Faria classifica Odair como “gênio” e se empolga pela “delicadeza e tolerância” que perpassam a obra. “São canções de carinho absoluto pelo gênero humano, de uma doçura comovente, de uma singeleza. A chave maior é esta: gentileza. Ele é encantador.”

Tatá Aeroplano, do paulistano Jumbo Elektro, balança entre a superação de preconceitos e a mera diversão: “Na banda a gente quer mesmo é deixar a vergonha de lado e se divertir. Acho que hoje essa coisa de gostar escondido está acabando”.

É nesse embalo de gente chegando de vários outros lugares que Odair José, entre sereno e incrédulo, vai botando seu bloco na rua outra vez.

[(*) citações ao álbum “expresso 2222” (philips, 1972), do sr. gilberto gil; a primeira sentença é de autoria de ayres viana, alventino cavalcante & joão do vale; a segunda, de punho próprio do autor do disco; todas são de tez negra, nordestina (alô, marcus martins!), o nordeste falando para o brasil & o brasil falando para o mundo.]

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