diz mais ou menos assim a canção que abre “homem-espuma”, o novo (e segundo) disco do jovem grupo pernambucano mombojó, ó:
“o mais vendido“
(felipe s.-marcelo campello)
“não quero ser
o mais vendido
nem quero falar
só com seu ouvido
eu quero entrar
no seu coração
no seu coração
nem quero falar só de amor
eu vou tentar
só mais uma vez
quero estar
no seu coração
no seu coração
nem quero falar só de amor”
ah, que belo modo de dizer bom-dia a uma manhã chuvosa de sexta-feira… inda mais com um disco chamado “homem-espuma”…, você conhece título mais bonito do que esse? (você também é um homem-espuma, rapaz que freqüenta o blog do pas?).
pois então. distraindo e desfocando por um segundo a retórica da humilhação encaixotada que temos espinhosamente percorrido neste blog, eis que aparece de sopetão “o mais vendido”, a jovem guarda que abre delicadamente o disco novo do mombojó.
graças a ela, a essa balada de 2min24seg, a esse iê-iê-iê romântico, pela primeira vez me ponho a pensar abertamente, em forma de música (im)popular, sobre o duplo sentido maroto (& maquiavélico) escondido atrás desse objeto de desejo que é a expressão-mote “o mais vendido”.
nesta sociedade de outdoors, jabaculês e caixas 2 por todos os canteiros [alô, dona globo, a sra. tem conta nas bahamas, como acusou o travesso (anthony) garotinho? ou garotinho se chama pinóquio, é menino-espuma feito de pau?], nos acostumamos à idéia de que temos valor sempre de acordo com quantidade, nunca de acordo com qualidade.
ser “o mais vendido” é a nossa meta automática de vida, seja vendendo disco, jornal, informação, entretenimento, sonho, remédio, obturação dentária, aço, petróleo, vitória futebolística, competição, multa de trânsito, bala perdida.
mas aí vêm esses garotinhos pernambucanos e proferem assim, candidamente, “não quero ser o mais vendido/ nem quero falar só em seu ouvido/ eu quero entrar/ no seu coração”. ele quer entrar, assim, pedindo permissão, educadamente? [“então entre/ entre sem bater/ entre, entre sem bater em mim”, alô, dona rita lee!, alô, ano 2000!, alô, “3001”!]
o homem-espuma é o homo emotivus do século xxi? no século que rói a placenta, atingir o coração será moeda corrente mais valiosa que o fetiche de ser o mais vendido?
“nem quero falar só de amor”, vêm esses menininhos nordestinos declamar, encharcados-esponjosos de tanto amor [alô, bob esponja!]. é preciso parar de falar só de amor, para que se possa voltar a falar só de amor? [alô, del rey!, alô, china!, alô, tremendões!, alô, lafayette!, alô, roberto carlos (& erasmo & wanderléa)!]
pois sim, vêm de repente esses novos homens brasileiros e, enfim, desmascaram o duplo sentido perverso que sempre morou passivo-agressivo dentro do desejo-fetiche de todos nós que tanto sonhamos em ser “os mais vendidos”. porque… quem é o mais vendido? o mais vendido é aquele que vende mais discos, livros, notícias de jornal, frascos de perfume, vidros de coca-cola, denúncias de corrupção, agressões físicas & psicológicas, humilhações? o mais vendido é o mais consumido? [“consumir é viver/ conviver é sumir”?, alô, paulinho da viola!, alô, marcus vinícius!, alô, 1971!]
ou o mais vendido é aquele que se vende mais?, aquele que se vende mais fácil e rapidamente?, aquele que se vende com maior sofreguidão? vender É ser vendido, sem nem ter tempo de parar para pensar em assunto tão quantitativamente desimportante? o verbo “vender” é reflexivo?, você se reflete nele?, você reflete sobre ele? você já foi um outdoor hoje pela manhã?
então. faço minhas as palavras do mombojó, obrigado, mombojó. bom-dia, mombojó.