Abaixo, o guia para uma playlist de músicas da escola de samba Império Serrano e do Morro da Serrinha, uma das serras dos sonhos dourados da história da música brasileira:

1. Elza Soares, “Heróis da Liberdade” (1969), de Silas de Oliveira, Mano Décio da ViolaManoel Ferreira) – versão da carioca da favela da Moça Bonita (atual Vila Vintém), em Padre Miguel, para o samba-enredo que ficou em quarto lugar em 1969, mas se tornou para sempre campeão inequívoco da história do gênero.

2. Clementina de Jesus, “Dois Jongos: Picapau/ Carreiro Bebe?” (1976), de domínio público – fluminense interiorana de Valença, Clementina fez do jongo, reminiscência dos cantos de escravizados de todo lugar, uma de suas vias principais de expressão. Na capital, a quilombola Serrinha se tornou frente de resistência do gênero e da memória de seus significados.

3. Beth Carvalho, “Seleção de Jongos: Guiomar/ Caxambu de Sá Maria/ Sabão (Lava Roupa com Meu Nome)/ Vapor na Paraíba/ Boi Preto/ Mataro o Zé Maria/ Pisei na Pedra/ Papai na Ladeira” (1983), de Darcy Monteiro e Tião Zarope/ (“Guiomar”), Darcy Monteiro (“Caxambu de Sá Maria”, “Boi Preto” e “Pisei na Pedra”), Candeia e Alvarenga (“Sabão (Lava Roupa com Meu Nome)”, Mestre Fuleiro (“Vapor na Paraíba”) Vó Maria Joana (“Pisei na Pedra”) e Eva Emely Monteiro (“Papai na Ladeira”) – homenagem aos jongos da Serrinha por Beth, carioca da Gamboa, na zona portuária carioca.

4. Dona Ivone Lara, “Sambas de Terreiro (Prazer da Serrinha): Serra dos Meus Sonhos Dourados/ Orgia/ Alegria Minha Gente/ Eu Já Jurei/ Me Abandonaste/ Meu Destino É Sofrer/ Chorar Não Resolve/ Serra dos Meus Sonhos Dourados” (1982), de Carlinhos Bem-Te-Vi (“Serra dos Meus Sonhos Dourados”), Manula (“Orgia” e “Chorar Não Resolve”), Paco (“Alegria Minha Gente”), Antenor Bexiga (“Eu Já Jurei”), Mestre Fuleiro e Dona Ivone Lara (“Me Abandonaste”), Dona Ivone Lara (Meu Destino é Sofrer”) – sambas da Serrinha, na voz da principal compositora e intérprete feminina da comunidade.

5. Aniceto do Império, “Mulher na Presidência” (1984), de Aniceto Menezes – no ano da campanha pelas Diretas Já, o imperiano Aniceto sonhava com uma presidenta da República: “Se acaso acontecer uma mulher na presidência/ é sapiência, é sapiência”.

6. Mano Décio da Viola, “Exaltação a Tiradentes” (1974), de Mano Décio da Viola, Penteado e Estanislau Silva – versão de autor para o samba-enredo vencedor de 1949, do álbum Capítulo Maior da História do Samba, que reúne sambas de avenida e de terreiro.

7. Elis Regina, “Exaltação a Tiradentes” (1971) – a cantora gaúcha faz leitura emepebista, tristonha (e sob cuícas), da exaltação a Tiradentes, num contexto do início da década de 1970, quando a gravadora Philips colocava os principais nomes de seu elenco para reinterpretar sambas-enredos históricos em coletâneas pré-carnavalescas.

8. Mano Décio da Viola, “Mano Décio Ponteia a Viola” (1974), de Mano Décio da Viola e Waldemiro do Candomblé – Mano Décio chama mana Clementina de Jesus e uma galeria de serranos para pontear um partido alto de terreiro na viola e no pandeiro.

9. Bezerra da Silva, “A Carta” (1998), de Silas de Oliveira e Marcelino Ramos – Depois de elogiar Getulio Vargas no samba imperiano de 1951, Silas de Oliveira voltou à carga e musicou a carta de suicídio do líder gaúcho/brasileiro no aniversário de dois anos de sua morte. Moreira da Silva gravou a versão original, que o pernambucano Bezerra da Silva ousou resgatar em 1998, em plena era Fernando Henrique Cardoso, quando nem o mundo mineral falava de colocar o retrato do “velho” de novo no mesmo lugar, e ainda termina a faixa mandando um “salve a memória de um grande presidente”. Transformados em versos, os dizeres de Getulio em “era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna, mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém” ficaram parecidos com… um samba do Império Serrano.

10. Jorginho do Império, “Rio dos Vice-Reis” (1994), de Aidno SáDavid do Pandeiro e Mano Décio da Viola – o filho cantor de Mano Décio interpreta em 1994 o samba-enredo que deu o quinto vice-campeonato ao Império, em 1962.

11. Elza Soares, “Aquarela Brasileira” (1973), de Silas de Oliveira – às portas do golpe de 1º de abril de 1964, o samba-enredo de exaltação ao Brasil e às brasilidades chegou apenas à quarta colocação, mas se manteve vivo de 1973 em diante, a partir desta histórica leitura de Elza.

12. Martinho da Vila, “Aquarela Brasileira” (1975) – dois anos depois, o fluminense interiorano de Duas Barras também ofereceu sua versão, disseminada até hoje como um signo soberano sobre o amor ao Brasil.

13. Roberto Ribeiro, “Os Cinco Bailes da História do Rio” (1975), de Silas de Oliveira, Dona Ivone Lara e Bacalhau – a versão do imperiano Roberto Ribeiro (fluminense de Campos de Goytacazes) para a primeira vez na história do Carnaval carioca em que uma mulher pisou na avenida como compositora de samba-enredo. Dona Ivone gravaria apenas em 1981 o samba que conquistou o vice-campeonato de 1965.

14. G.R.E.S. Império Serrano, “Alô, Alô, Taí Carmen Miranda” (1972), de ManecoWilson Diabo e Heitor Achiles – o samba vencedor de 1972, em versão de escola.

15. Roberto Ribeiro, “”Alô, Alô, Taí Carmen Miranda” (1994) – versão do imperiano Roberto (fluminense de Campos de Goytacazes) para o “cai, cai, cai, cai/ quem mandou escorregar?”.

16. Mano Décio da Viola, “Dona Santa, Rainha do Maracatu” (1974), de CarlinhosMalaquias e Wilson Diabo – apesar de escanteado na avenida de 1969 em diante, Mano Décio não deixou de interpretar o samba-enredo de 1974 no primeiro álbum solo que pôde gravar na vida.

17. Clara Nunes, “Alvorecer” (1974), de Dona Ivone Lara e Delcio Carvalho – a mineira Clara foi a primeira artista de expressão nacional a gravar um samba da imperiana Ivone fora do âmbito do Carnaval, e o fez extravasando lirismo por todos os poros.

18. Marisa Monte, “Lenda das Sereias Rainhas do Mar” (1989), de Vicente MattosDinoel e Arlindo Veloso – em sua estréia fonográfica, em 1989, Marisa honrou a Serrinha ao retomar o samba-enredo de candomblé de 1976, que conquistou uma modesta sétima colocação.

19. G.R.E.S. Império Serrano, “Lenda das Sereias Rainhas do Mar” (1976) – a gravação original, com versos que Marisa Monte suprimiu em sua versão.

20. Alcione, “Tiê” (1976), de Dona Ivone Lara, Mestre FuleiroTio Hélio – depois de Clara, a maranhense Alcione iluminou o tema de passarinho “Tiê”, que o Grupo Favela havia gravado em 1974. Os caminhos de Ivone Lara na MPB começavam a se abrir.

21. Maria Bethânia e Gal Costa, “Sonho Meu” (1978), de Dona Ivone Lara e Delcio Carvalho – seguindo a pista atirada por Clara Nunes e por Alcione, a baiana Bethânia re-apresentou Ivone Lara num álbum de 1978, cantando este samba com a conterrânea Gal, e só então a ex-enfermeira vice-campeã na avenida pôde consolidar uma carreira solo com discos gravados.

22. Clementina de Jesus Dona Ivone Lara, “Sonho Meu” (1979), de Dona Ivone Lara e Delcio Carvalho – as duas damas tardias se encontram e dão significado quádruplo ao dueto apresentado ao Brasil por Bethânia e Gal.

23. Maria BethâniaCaetano Veloso Gilberto Gil, “Alguém Me Avisou” (1980), de Ivone Lara – Bethânia reforça a dose e apresenta outro futuro clássico serrano, agora com os conterrâneos Caetano e Gil.

24. Quinzinho, “Bumbum Paticumbum Prugurundum” (1982), de Beto sem Braço e Aluísio Machado – há 35 anos, o samba original que deu a última vitória do Império no grupo principal até aqui.

25. Aniceto do Império Clementina de Jesus, “Dona Maria Luíza” (1984), de Aniceto – encontro de titãs do jongo, poucos anos antes da morte dela (em 1987) e dele (em 1993).

26. Aniceto do Império Dona Ivone Lara, “Quem É Teu Pai?” (1984), de Aniceto – encontro de titãs da Serrinha em jongo, capoeira, candomblé e terreiro; em 2017 ela ainda representa aquela cultura, aos 95 anos de idade.

27. João Bosco, “Cabeça de Nego” (1986) – devoto do Império e da Serrinha, o compositor mineiro mergulha na raiz e reverencia o jongo e as figuras referenciais de Aniceto, Silas de Oliveira, João da Baiana, Candeia, Clementina, DongaPixinguinhaPaulinho da Viola

28. Jovelina Pérola Negra, “Camarão com Xuxu” (1986), de Nei Lopes – nascida em Botafogo, estabelecida na Baixada Fluminense e pastora do Império Serrano, Jovelina morreu cedo (em 1998), mas deixou obra maiúscula no campo do samba de pagode, como atesta este clássico do carioca do Irajá Nei Lopes.

29. Jovelina Pérola Negra, “Pagode no Serrado” (1986) – de Marquinho Pagodeiro e Zeca Sereno – numa divertida narrativa serrana, Jovelina vai à feira procurar Clementina, Dona Ivone (“ô, lará, cadê Clementina de Jesus/ ai, Jesus, cadê Dona Ivone?”), Aniceto, o portelense Monarco, a mangueirense Dona Neuma, o salgueirense Almir Guineto

30. Arlindo Cruz, “Meu Lugar” (2007), de Arlindo Cruz e Mauro Diniz – compositor de sambas-enredo do Império Serrano desde 1989, Arlindo celebra Madureira, Oswaldo Cruz, Cascadura, Vaz Lobo e Irajá no samba dolente que em 2012 a Rede Globo modificou para adaptar à geolocalização da novela Avenida Brasil. Arlindo não chega a mencionar o Morro da Serrinha, mas cita as duas escolas de tradição da região: Portela e Império.

31. Leci Brandão, “Madureira, Lugar da Raça” (1990), de Arlindo CruzFranco Sereno – bem antes, a mangueirense Leci celebrou mais explicitamente aquele celeiro do samba, em samba de Arlindo: “Em Madureira é o Império que a Serrinha tem/ é Madureira a jaqueira que a Portela tem/ (…) a negra raça guerreira encontrou seu lugar”.

32. Daúde, “Dora” (2003), de Aniceto Menezes – a baiana Daúde rende ode ao divertido trava-língua rimado em “ora” do mestre Aniceto do Império, registrado por ele no álbum coletivo dirigido por Adelzon Alves Quem Samba Fica… (1971).

33. Velha Guarda Show do Império Serrano, “Império Tocou Reunir/ Não Me Perguntes” (2006), de Silas de Oliveira e Dona Ivone Lara (“Império Tocou Reunir”) e Mestre Fuleiro e Dona Ivone Lara (“Não Me Perguntes”) – duas pedras de toque do Império na reunião discográfica da Velha Guarda da Escola.

34. Wilson das Neves, “Velha Guarda do Império” (2010), de Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro – ex-ritmista imperiano e músico de Chico Buarque, seu Wilson reverencia “a escola imperial, paixão da minha vida”.

35. Jongo da Serrinha, “Axe de Ianga (Pai Maior)” (2015), de Dona Ivone Lara – a comunidade local se organiza e produz o disco homônimo lapidar de regresso às origens de tudo.

36. G.R.E.S. Império Serrano, “O Meu Quintal É Maior do Que o Mundo” (2017), de Lucas DonatoTico do GatoAndinho SamaraVictor RangelJefferson OliveiraRonaldo NunesAndré do Posto 7Vagner SilvaVinicius FerreiraRafael Gigante e Totonho – enfim, aos 70 anos de idade, a primeira vitória do Império no segundo grupo desde 2009.

37. João Bosco, “Heróis da Liberdade” (1995) – a eternidade de Silas e Décio, na leitura delicada de João.

 

Aqui, texto sobre a história do Império Serrano e a nova edição do livro Serra, Serrinha, Serrano – O Império do Samba, de Rachel Valença e Suetônio Valença.

Aqui, entrevista com a autora do livro Serra, Serrinha, Serrano – O Império do Samba, Rachel Suetônio.

Aqui, entrevista histórica com um dos fundadores do Império Serrano, o mestre de bateria Mestre Fuleiro, feita em 1993 por Alessandra MarquesCláudia Regina Alves da RochaDaniela Sampaio e Janine M. Belo.

 

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