A ministra da Cultura, Margareth Menezes

Seja Nelsinho ou seja Luizinho, o resultado será daninho.

O Senado Federal recepcionou na semana passada o projeto de lei de regulação do streaming aprovado na Câmara no início do mês de novembro. A expectativa do setor é que, no Senado, se corrigissem com emendas os inúmeros problemas e retrocessos aprovados no substitutivo que o relator, o deputado Dr. Luizinho (PP-RJ), levou a aprovação na Câmara dos Deputados por 313 votos a favor e 118 contrários. Mas o Senado jogou uma ducha de água fria nas esperanças.

Acontece que o projeto original de regulação do streaming (do senador Nelsinho Trad, do PSD-MS) já tinha sido aprovado anteriormente no Senado. Na Câmara, ele foi reformulado após extenso debate, e finalmente aprovado às pressas com prevalência dos interesses dos regulados, as big techs. A questão é que o rito do Congresso reza o seguinte: todo projeto de lei tem a sua casa iniciadora e a casa revisora, mas a palavra final é da casa iniciadora. Como o Senado tinha aprovado lá atrás o projeto do senador Nelsinho Trad, quando esse projeto chegou à Câmara foi anexado a um conjunto de proposições que versava sobre esse tema, incluindo o do deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Na Câmara, tramitou com prioridade. A opção política da Câmara foi dar destaque ao projeto de Paulo Teixeira (como se fosse um projeto novo da casa), aprovando-se todos os textos na forma de um substitutivo, num relatório único. Mas, quase no final do processo, a então relatora, Jandira Feghali (PC do B-RJ) foi trocada por um nome de trânsito no Centrão, segundo os envolvidos por uma questão de facilidade de trâmite e votação.

Ao final, o Senado considera agora que as regras regimentais impõem o seguinte: prevalecerá o texto que foi aprovado primeiro em uma das duas casas. E o texto que foi aprovado primeiro é aquele que foi relatado pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO), que é ainda pior do que o que o Dr. Luizinho formatou. O Senado considerou o projeto da Câmara como se fosse uma grande emenda ao texto do Senado. E determinou que o projeto agora vai tramitar com o escopo de “terminativo” (que não precisa ir ao Plenário para votação).

Ao setor audiovisual, restou a seguinte encruzilhada: “A gente ou aprova o texto original, o do Senado, que é péssimo, ou aprova o texto da Câmara, que é terrível. Ou então faz um combinado entre os dois que foram aprovados. Não há a opção de inovar, produzir alterações de mérito. A gente tá limitado realmente a essas duas opções, ou três, né? E depois o projeto vai a sanção”, analisou um especialista. Essa sinuca de bico, segundo alguns observadores, não aconteceu por acaso: foi urdida silenciosamente com lobbistas do streaming, para sepultar as esperanças do setor.

A situação dá poucas chances para que se acrescentem ou se retirem inadequações do projeto. Uma dessas chances seria a seguinte: um projeto com decisão terminativa poderia ser levado ao plenário do Senado se nove senadores apresentassem um recurso nesse sentido em até cinco dias úteis após a aprovação na comissão. Isso já não é mais possível. A mais plausível seria que o governo poderia vetar inteiramente o projeto de lei e regular o tema com uma Medida Provisória, como fez em temas como a regulação ambiental. Mas não há ninguém que alimente essa esperança: o presidente Lula não parece devidamente informado sobre o tema, acreditando que seu Ministério da Cultura tenha esse debate sob controle. É um engano que pode custar anos de luta e bilhões em arrecadação – segundo estudo de produtoras, expresso em carta aberta divulgada no último dia 20, a Condecine vai perder cerca de 800 milhões por ano com a manutenção do texto.

Leia abaixo o documento que expressa essa preocupação:

CARTA ABERTA | REGULAÇÃO DO STREAMING NO SENADO: O FUTURO DO AUDIOVISUAL BRASILEIRO ESTÁ EM RISCO

Brasil, 20 de Novembro de 2025.

Estamos – novamente – num momento decisivo da história do audiovisual brasileiro. O que será decidido nas próximas semanas, agora que o projeto de lei de regulação dos streamings após ser aprovado na Câmara, chega ao Senado (onde será definido em caráter terminativo)vai definir o futuro do setor no país. O retrato da situação, nessa reta final, é de um franco retrocesso nas políticas públicas para o audiovisual e de uma proposta de legislação que atende às plataformas estrangeiras e às big techs e não ao país.
Este é um momento de urgência em que todos os que acreditam num audiovisual soberano devem estar atentos e agir com firmeza para que o resultado deste longo processo seja um passo à frente, e não um passo atrás. Tanto o projeto que foi aprovado na Câmara, quanto o projeto aprovado no Senado, estão muito distantes de uma regulação favorável ao Brasil: se não forem radicalmente revistos, comprometem o futuro de nossa cultura e de nossa indústria audiovisual.
É de lamentar que numa manobra regimental por parte dos dois parlamentares relatores, as contribuições – de agora em diante – tenham sido limitadas e cerceadas a meras questões formais, sem permitir entrar no mérito da matéria e seus impactos. Pretendem com isso silenciar o setor. Isso impede o necessário debate democrático que se esperaria de um Senado da República, e pior: dificulta a possibilidade de realizarmos os necessários aprimoramentos no texto, recuperando pontos essenciais que foram deturpados. Essa manobra antidemocrática pretende impor – sem diálogo – o destino do relatório para atender aos desejos da grandes empresas transnacionais de garantir uma alíquota de contribuição pífia diante do tamanho do mercado brasileiro, e de manter controle e curadoria sobre a produção audiovisual nacional.
Alguns nos dizem que devemos aceitar qualquer regulação, não importa se favorável ou não ao Brasil. Não estamos de acordo.
O que nos une é uma premissa fundamental: uma regulação deve ser digna, soberana e à altura da qualidade do audiovisual brasileiro, que contemple todos os estados, todas as empresas de todos os tamanhos, da diversidade da nossa cultura, da excelência dos nossos artistas e dos nossos trabalhadores.
O relatório votado na Câmara e o relatório votado no Senado desconsideram um setor que tanto fez pelo Brasil. Sob as alíquotas propostas, considerada receita bruta total de 45 bilhões, o valor final a ser arrecadado de CONDECINE será de aproximadamente 400 milhões de reais uma vez que os montantes arrecadados são ainda abatidos da DRU (Desvinculação de Receitas da União), dos contingenciamentos recorrentes no FSA, e de outras despesas. O montante dos recursos para o FSA advindos da regulação pode ser considerado um migalha se levarmos em consideração que o Brasil é o segundo maior mercado consumidor de streaming do mundo, e onde só a série sobre Ayrton Senna da Netflix teve um custo de pelo menos metade deste dinheiro. Estas plataformas com produtos grandiosos lucram e remetem ganhos para o exterior afetando até mesmo nossa balança comercial. Para o audiovisual brasileiro de norte a sul, do pequeno ao grande empreendedor, sobrará o valor de duas grandes produções das plataformas. É grave.
Lembramos que as leis que visam beneficiar e proteger o setor audiovisual brasileiro duram por longos períodos. Os últimos marcos definidores ocorreram em 2011 (distantes 15 anos atrás, a lei da TV paga) e, antes em 2001, com a criação da Ancine. A história do nosso cinema aponta que, uma vez aprovada, a lei que regula as plataformas de streaming não será atualizada por um longo período. Diante desta realidade, a oportunidade de avançarmos é agora. Ainda é tempo de evitarmos o pior. Em suma, ambos os relatórios (do deputado Dr. Luizinho e do Senador Eduardo Gomes) são ambos alheios aos interesses do Brasil e da sua produção independente. É preciso encontrar uma forma de recuperar os pontos básicos para uma regulação justa e soberana nestes projetos de lei a serem ajustados e levados à votação.
Não nos parece correto sacrificar o conjunto do audiovisual brasileiro para contemplar apenas um seleto grupo de produtoras por meio do investimento direto (um nome bonito para a velha renúncia fiscal, que é um mecanismo concentrador por natureza) de 60% dos recursos de CONDECINE. Julgamos que o mínimo aceitável é garantir 51% dos recursos para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). O esvaziamento da Ancine e do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) será inevitável e uma derrota para todos os estados brasileiros, levando em consideração que desde a sua criação houve repasse para TODOS os estados da Federação.
E também para o pequeno e médio empresário e que têm na política pública o caminho para desenvolverem, evoluírem e crescerem os seus negócios, incrementando postos de trabalho, ampliando a produção filmes e séries, além de outros aspectos importantes para o fortalecimento do setor.
Por fim, nos causa perplexidade que o Governo Lula – por meio do seu Ministério da Cultura ainda não tenha posição e nem disposição para lutar a favor de um projeto soberano e definidor do futuro da nossa indústria audiovisual. A Ministra da Cultura segue ausente da articulação no congresso e o presidente Lula parece não ter sido alertado do risco – se aprovado o PL como está – e que ficará na história como um grande erro de seu governo.
Caberia ao governo Lula adotar a mesma atitude quando da tramitação do PL da devastação ambiental. Naquele momento, houve coragem do Ministério setorial de liderar o enfrentamento, promoveu-se o veto presidencial dos pontos inaceitáveis, e uma proposta de medida provisória recuperou os referenciais dignos de regulação ambiental.
Nossas entidades que representam milhares de empresas e trabalhadores do ecossistema audiovisual, de norte a sul do país, localizadas em polos crescentes e consolidados, seguem unidas em torno de premissas fundamentais a uma regulação justa e soberana.


A seguir os pontos que devem ser recuperados para que a regulação seja pró-Brasil:

  • A cota de catálogo de obras brasileiras deveria ser o mínimo de 20% – Além da definição
    de obra ser feita pela ANCINE e não em lei, isso simplifica a lei e permite revisão e ajustes
    para um mercado mais justo e competitivo – 3 anos para cumprimento
  • Manter a cobrança da condecine-remessa.
  • Pagamento mínimo de 6% de condecine-streaming, levando em consideração o bruto,
    sem descontos, incluindo plataformas de compartilhamento de vídeos como Youtube, Tik
    ToK e similares, e destinados exclusivamente à produção brasileira independente;
  • Investimento direto de no máximo 49% garantindo o mínimo de 51% dos recursos a serem
    destinados ao FSA;
  • Manutenção do FSA como principal mecanismo para que Estados da Federação
    desenvolvam suas políticas em parceria com a União;
  • Uma janela de cinema de 3 meses – mínimo possível para que o complexo de salas de
    cinema possam explorar os filmes adequadamente e obter resultados capazes de sustentar
    suas operações. O contrário disso significa que os cinemas continuarão apenas sendo
    usados como espaço de divulgação rápida dos filmes para que logo sejam vistos nas
    plataformas de streaming, como ocorre hoje.
  • Proeminência ampla do conteúdo brasileiro não só na página inicial, mas nas buscas,
    categorias e outras ações que possam existir.
  • Seguiremos lutando pelo futuro do audiovisual brasileiro e por uma regulação justa e
    soberana.
    Assinam esta carta aberta:
    ABRA – Associação Brasileira dos Autores Roteiristas
    ABRACI – Associação Brasileira dos Cineastas
    ABRANIMA – Associação Brasileira do Produtores de Animação
    AEXIB – Associação dos Exibidores Brasileiros de Pequeno e Médio Porte
    APACI – Associação Paulista de Cineastas
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