Pré-indicado ao Oscar, “O agente secreto” teve pré-estreia ontem em São Luís

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Wagner Moura em cena de "O agente secreto" - foto: Victor Juca/ divulgação
Wagner Moura em cena de "O agente secreto" - foto: Victor Juca/ divulgação

O cinema de ficção de Kléber Mendonça Filho tem a característica de escarafunchar feridas abertas, sangrias que o Brasil insiste em não estancar. A cada novo filme, sua originalidade, postura política, capacidade de contar uma boa história, trazendo sempre à tona temas urgentes aos quais o brasileiro acaba se habituando, tornam sua obra muito particular, colocando-o como um dos melhores cineastas em atividade no mundo atualmente.

O internacionalmente aclamado “O agente secreto” (drama, Brasil/ França/ Holanda/ Alemanha, 2025, 160 minutos) se passa em 1977, durante o governo de Ernesto Geisel, o penúltimo presidente da ditadura militar brasileira, cujo retrato se vê nas paredes das repartições públicas — a reconstituição de época é um dos destaques do filme.

Logo no início, quando o protagonista Armando (nome falso de Marcelo, interpretado por Wagner Moura) para seu fusca amarelo em um posto de gasolina à beira da estrada a caminho do Recife, o cineasta já serve o espectador do puro suco do Brasil, revelando de cara algumas das tais feridas citadas: a indiferença do cidadão comum e da polícia diante de um cadáver — afinal de contas, um meliante que mereceu ser executado — e a corrupção policial: após constatar nenhuma irregularidade com veículo e/ou documentação, a pergunta clássica já ouvida pela absoluta maioria dos motoristas parados em blitzen e que tais: não quer colaborar com a caixinha para o carnaval? Diante da recusa, o oferecimento dos cigarros que sobraram na carteira.

Armando está a caminho de um condomínio. É professor universitário e pesquisador da área de tecnologia que está lutando contra um poderoso industrial fascista que, no final das contas, acusa-o de fazer o que ele mesmo fez (uma das características do fascismo): beneficiar-se de sua função pública para benefícios privados.

Há um paralelo temporal no bem urdido roteiro assinado pelo próprio diretor: a ação que se desenrola na segunda metade da década de 1970 é estudada por uma pesquisadora, fascinada e obcecada pelo personagem Armando/Marcelo, garantindo a ponte com o presente: o discurso de combate à corrupção segue vivo na boca de notórios corruptos que se valem de cargos públicos tão somente para se blindar de eventuais punições pela folha corrida de seus crimes.

“O som ao redor” (2012), “Aquarius” (2016), “Bacurau” (2019, com Juliano Dornelles) e “Retratos fantasmas” (2023), aos quais agora se soma o extraordinário “O agente secreto”, formam um belo conjunto que se põe a debater pautas brasileiríssimas como violência urbana, especulação imobiliária, segurança pública versus segurança privada, a relação íntima entre o aparato estatal e a criminalidade, o direito à cidade, à memória, à verdade e à justiça, sem nunca esquecer a paixão do cineasta por arquitetura e cinema.

Não reside qualquer redundância em afirmar ser o cineasta um apaixonado por cinema: Kléber Mendonça Filho aqui e acolá dá pistas disso. Além de ter dedicado “Retratos fantasmas” a esta paixão, o Cinema São Luiz, no Recife, é um dos cenários de “O agente secreto” e a trama gira também em torno de um menino que sonha em ver o “Tubarão” (1975) de Steven Spielberg. A transformação de outro cinema em um hemocentro torna à pauta de seu filme anterior e um projecionista — seu Alexandre (interpretado por Carlos Francisco) é um de seus personagens principais.

As atuações são exuberantes, merecendo destaque também a de Tânia Maria como dona Sebastiana — que garante boas doses de humor em meio à violência e à tensão do thriller —, e Maria Fernanda Cândido como Elza. Em meio a tudo isso, uma gata de três olhos, o elepê “Desabafo” (1975), do Conjunto Concerto Viola, e a bem-humorada violência da Perna Cabeluda, uma das lendas urbanas mais conhecidas do grande Recife, já cantada por Chico Science e Nação Zumbi em “Banditismo por uma questão de classe”.

“O agente secreto” estreia nas salas de cinema brasileiras no próximo dia 6 de novembro, já como pré-indicado pelo Brasil para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2026 — título inédito até este ano, quando “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, levou a estatueta. Kléber Mendonça Filho e Wagner Moura voltaram do Festival de Cannes com os troféus de melhor diretor e melhor ator na bagagem, respectivamente.

Já sob o hype da pré-indicação, o filme teve pré-estreia ontem (19), em São Luís, sendo exibido simultaneamente em três salas do Kinoplex Golden (Golden Shopping, Calhau) durante a abertura da 18ª. edição do Maranhão na Tela, idealizado e produzido por Mavi Simão — cuja programação segue até o dia 26 (confira, completa, no site do festival).

A produtora Emilie Lesclaux, o diretor Kléber Mendonça Filho e os atores Wagner Moura e Maria Fernanda Cândido em Cannes - foto: Soraya Ursine/ divulgação
A produtora Emilie Lesclaux, o diretor Kléber Mendonça Filho e os atores Wagner Moura e Maria Fernanda Cândido em Cannes – foto: Soraya Ursine/ divulgação

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Veja o trailer de “O agente secreto”:

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