Brás Cubas, a cargo da Armazém Companhia de Teatro, não é apenas uma peça teatral, mas um mergulho delirante na mente de Machado de Assis. Obra-prima da literatura, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) é composta de múltiplas camadas psicológicas que requerem alguns esforços intelectuais do leitor – as razões são várias, mas vale citar a narrativa não-linear, a ironia e o sarcasmo que perpassa todo o texto crítico à sociedade brasileira, a complexidade de temas e a experimentação literária presente nos comentários metalinguísticos e, literalmente, na quebra da quarta parede. Ao transpor esse enredo para o teatro, o grupo londrinense decidiu levar o próprio Bruxo do Cosme Velho ao palco para contracenar com seus personagens.
Esse pequeno “truque” causa uma primeira surpresa para os que já leram o livro, e é um convite para todos para invadir o mundo onírico de Machado de Assis, enquanto este narra as memórias póstumas do protagonista. Brás Cubas é interpretado pelos atores Sérgio Machado e Jopa Moraes, a partir de um critério compreensível. O primeiro interpreta o personagem principal da obra machadiana do nascimento até a morte, enquanto o último é o defunto narrando as próprias lembranças.
E há também o próprio Machado, interpretado por Bruno Lourenço, que faz intervenções no palco, incluindo estabelecendo pontes (um tanto desnecessárias) com o presente. É assim que a dramaturgia pode se estabelecer em três planos: memória, narrativa e intervenção do escritor. O espectador que compreende esse jogo metalinguístico e cênico leva vantagem sobre quem tenta buscar uma pura transposição da obra-prima para os palcos. O resultado é uma montagem que busca visivelmente a inovação.
Dirigida por Paulo de Moraes e com dramaturgia de Maurício Arruda Mendonça, Brás Cubas, em cartaz no teatro do Sesc Santo Amaro, tem ainda no elenco Isabel Pacheco (Virgínia), Felipe Bustamante (Quincas) e Lorena Lima (Marcela e Natureza). A peça circulou na China, onde se apresentou no Festival Internacional de Teatro de Wuzhen, em outubro passado. A Armazém Companhia de Teatro tem 35 anos e hoje sua sede fica no Rio de Janeiro.