A ideia é de Renato Teixeira, conta Márcio de Camillo, que, em certa medida, toma para si a responsabilidade de presentear o Brasil com Geraldo Roca, autor de “Trem do Pantanal” (em parceria com Paulo Simões), para citarmos sua música mais conhecida, gravada por nomes como Almir Sater e Diana Pequeno, entre outros.
Geraldo Roca nasceu no Rio de Janeiro, mas se tornou um dos maiores nomes da música popular brasileira produzida no Mato Grosso do Sul. De outra geração, o mesmo acontece com Márcio de Camillo, paulista de nascimento.
Márcio de Camillo e Geraldo Roca foram amigos e vizinhos e o primeiro prepara uma homenagem ao segundo no show “Do Litoral Central do Brasil: Márcio de Camillo canta Geraldo Roca”, que estreia no próximo dia 23, no Sesc Ipiranga, em São Paulo.
Com direção geral de Luiz André Cherubini, Márcio de Camillo (voz, viola de arame e violão de aço) estará acompanhado por Nath Calan (bateria, percussão e voz), Denise Ferrari (violoncelo e voz) e Thiago Sormani (sopros, teclado e voz).
Márcio de Camillo conversou com exclusividade com FAROFAFÁ.
SEIS PERGUNTAS PARA MÁRCIO DE CAMILLO
ZEMA RIBEIRO: Geraldo Roca foi seu parceiro e amigo. Qual o lugar dele em sua formação musical e memórias afetivas?
MÁRCIO DE CAMILLO: O Geraldo Roca era meu vizinho, morava na casa da frente. Então a minha adolescência, foi escutando o Geraldo Roca. O tipo de música que ele faz, essa música folk, é o mesmo tipo de música que eu faço. E as mesmas influências que ele buscou são as influências que eu busco, que é essa América Latina, essa música da fronteira e também de um olhar moderno para essa música de fronteira. E também meu parceiro, porque eu fiz uma provocação com uma melodia do Rodrigo Sater, que tinha deixado na minha casa e eu vi ali uma oportunidade de juntar gerações. Eu fiz um pedaço da música e eu fui chamando vários compositores, e ele foi um dos que eu chamei para uma canção chamada “Hermanos Irmãos”, que eu também chamo Paulo Simões, Rodrigo Teixeira, Jerry Espíndola, e a melodia é do Rodrigo Sater. Então, na verdade, eu vejo a música do Geraldo Roca na minha música. Eu sou um filhote da música do Geraldo Roca.
ZR: Você o considera um injustiçado, no sentido de ser menos conhecido do que merecia e deveria?
MC: Não o sinto injustiçado, de forma alguma. Eu acho que ele escolheu o caminho dele. Ele era uma mistura de timidez e raiva. Ele era uma mistura da novidade com a tradição. Ele era uma mistura do Rio Mississippi com o Rio Paraguai, do Mato Grosso do Sul com o Rio de Janeiro, da guitarra elétrica com a viola caipira. Ele era uma mistura do rock and roll com a polca paraguaia. Então a música dele, na verdade, ele era um soldado na vanguarda. Ele abria os caminhos e talvez ele estivesse muito à frente do mercado da música que ele também pretendia. Ele começou a falar do folk brasileiro há muito tempo, ele dizia que o Tião Carreiro [1934-1993] era folk, que o Renato Teixeira era folk. Então ele não foi injustiçado, foi o caminho que ele seguiu, foi isso.
ZR: “Trem do Pantanal”, parceria com Paulo Simões, é o maior sucesso de Geraldo Roca. Imagino que seja um dos números do repertório do show. O que a música significa para você, particularmente?
MC: Essa é uma música que une a todos, é uma música que com certeza a gente mais vai lembrar do Geraldo. Ela representa essa nação guarani, uma região muito conhecida hoje por causa da mídia, mas por muito tempo foi essa canção que apresentou o Pantanal… o Trem do Pantanal. O Trem do Pantanal foi o cenário da minha adolescência, que eu passei em Piraputanga e em Corumbá. Em 2016 eu fiz a mesma viagem da canção, eu chamei o projeto de “Caminhos da Canção”. Eu convidei Jerry Espíndola e Rodrigo Teixeira, também influenciados por Geraldo Roca, para me acompanhar. Nós refizemos o caminho da canção que ele e o Paulo Simões, com 17, 18 anos fizeram. Eles foram para Machu Picchu de trem, chegaram até Águas Calientes e Machu Picchu e nesse trajeto eles compuseram a canção “Trem do Pantanal”. Em homenagem ao Geraldo Roca e ao Paulo Simões, por tudo que eles fizeram por minha geração, eu refaço o caminho com mais dois compositores. Eu diria que “Trem do Pantanal” é a trilha sonora da minha adolescência e da adolescência da minha geração.
ZR: Almir Sater, Diana Pequeno, Renato Teixeira, Sérgio Reis, Tetê Espíndola e Alzira E. são alguns dos intérpretes da obra de Geraldo Roca. Na sua opinião, por que é que a gente conhece mais o compositor Geraldo Roca que o cantor Geraldo Roca?
MC: Toda semana eu e o Geraldo Roca saíamos para jantar e era como se a gente tivesse indo para uma festa sideral, como diz uma canção dele chamada “Sobre a Cidade Média”. O Geraldo Roca era um compositor mesmo, ele era muito tímido, né? Ele era fronteira da timidez com a raiva. Ele ficava muito na casa dele estudando, lendo e compondo. E toda a canção dele é muito estudada, tem muitas referências, ele demorava muito para fazer uma canção. Toda canção tem um estudo por trás, ele cita livros… Mas isso é um pouco a sina do compositor, né? As pessoas cantam a canção dele e acabam sendo donas em frente à mídia. Muitos acham que o “Trem do Pantanal” é do Almir. Isso é uma pena, mas eu acho que essa é a minha ideia de fazer um espetáculo que vai circular com a obra do Geraldo Roca, é justamente essa a intenção, de colocar luz na obra dele. Eu tenho um pouco essa sina também, porque eu musiquei a obra do Manoel de Barros [1916-2014]. Eu musiquei a obra do Mário Quintana [1906-1994], e agora eu faço esse show dirigido pelo Luiz André, ou seja, mistura um pouco o teatro com as canções. Eu acho que eu tenho um pouco essa sina, como eu te falei. Mas o Geraldo Roca tinha muitas ideias, era um cara extremamente criativo, e ele tocou muito tempo com o Renato Teixeira também. O Renato, certa vez, disse que se ele tivesse que dar de presente para o Brasil um compositor, ele daria o Geraldo Roca. Antes de morrer, o Geraldo Roca estava pensando em um programa de televisão que talvez viesse a passar no Canal Brasil. Inclusive, ele havia me chamado para conversar sobre esse programa. Eu acompanhei muito a história, a profissão, os caminhos que ele estava querendo trilhar. A gente trocava muito, a gente era muito amigo. Mas não deu tempo, né?
ZR: A identidade visual do show bebe na fonte de Veneno Light, álbum que Roca lançou em 2006. Há alguma predileção por este disco ou a escolha teve algum outro motivo?
MC: Essa ideia da capa é uma ideia do diretor Luiz André Cherubini. Sobre esse disco, sim, é o meu favorito. As canções que eu mais gosto do Roca estão nesse disco. Esse disco também é interessante como gravação, porque ele gravou a maior parte desse disco na casa dele, porque ele tinha um estúdio — ele conseguiu realizar esse sonho de montar um estúdio no andar de baixo da casa dele, um estúdio muito grande. Então ele gravou o Veneno Light praticamente na casa dele. Quem faz a foto desse disco é o Cândido Fonseca, que é um cineasta importante do Mato Grosso do Sul, da mesma geração que o Geraldo Roca e também muito amigo dele. O Cândido fez, por exemplo, um filme muito importante para o Mato Grosso do Sul, que é um documentário sobre a Conceição dos Bugres [escultora brasileira de origem indígena reconhecida como uma das maiores artesãs do Centro-Oeste brasileiro], inclusive recentemente a obra dela estava exposta no MASP (Museu de Arte de São Paulo). Se você me perguntar qual a canção do Geraldo Roca que eu mais gosto, é “Sobre a Cidade Média”, que é desse disco. Eu acho que ele retratou o Campo Grande e o sentimento que todo sul-mato-grossense tem de viver naquela terra, uma mistura de sentimentos, uma vontade de ficar e uma vontade de partir, porque Campo Grande não é uma cidade tão pequena e nem tão grande, é uma cidade média.
ZR: Você já dedicou álbuns a poemas de Manoel de Barros e Mário Quintana. Ao estrear um show em homenagem a um compositor já há algum indicativo ou perspectiva de que isso possa se transformar em um álbum?
MC: Vamos gravar sim. Trabalho com três músicos muito maravilhosos no palco, no cello e na voz Denise Ferrari, no sopro, no teclado e na voz Thiago Sormani, na percussão, na bateria e na voz, Nath Calan. A gente trabalha já há muito tempo em outros espetáculos que eu criei também junto com o meu amigo Luiz André Cherubini e agora eles estão também nesse projeto e a gente já tem uma sintonia tão bacana, tão agradável trabalhar com eles… isso vai virar com certeza um trabalho a ser lançado nas plataformas de streaming.
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Serviço: show “Do Litoral Central do Brasil: Márcio de Camillo canta Geraldo Roca”. Dia 23 (sexta), às 20h, no Sesc Ipiranga (Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga, São Paulo/SP). Classificação indicativa: 12 anos. Duração média: 90 minutos. Ingressos entre R$ 15,00 e R$ 50,00.