O ministério do Turismo enviou, no dia 14 de outubro, em resposta a pedidos de informações da Câmara dos Deputados, explicações sobre indícios de irregularidades e atos de negligência na condução da política cultural do País. É subordinada ao ministério a Secretaria Especial de Cultura, organismo que hoje substitui o que sobrou do antigo Ministério da Cultura.
As respostas foram encaminhadas por intermédio da deputada Soraya Santos, expoente do chamado Centrão, primeira-secretária da Câmara e a quem, por algum tipo de coincidência, também é atribuída influência na nomeação de diversos servidores (alheios ao setor) para a área audiovisual do atual governo, especialmente na Ancine.
Os deputados Marcelo Calero e Alexandre Padilha foram os autores dos requerimentos cobrando do governo explicação sobre as principais declarações ou ações na área cultural nos últimos meses:
- O desejo do atual governo de extinguir a Fundação Casa de Rui Barbosa;
- O desejo do atual governo de extinguir a Cinemateca Brasileira;
- A declaração de Mario Frias, secretário de Cultura, de que promoveria censura de costumes na seleção de projetos culturais para incentivo porque o “patrão quer uma linha estética, e essa linha estética será privilegiada” (referindo-se a ação do presidente Jair Bolsonaro contra a cultura LGBT);
- A declaração de Mario Frias de que iria perseguir os “barões da Lei Rouanet”;
Evidentemente, o ministério do Turismo tergiversou em todas as respostas. Sem mencionar a profusão de erros de português, os esclarecimentos são risíveis também no conteúdo (essa reportagem vai poupar o leitor das questões sobre o incentivo, demagógicas e sem lastro na realidade). Examinemos as respostas:
- O governo afirma que “não houve progresso” na tramitação de uma proposta de Medida Provisória que transformaria a Fundação Casa de Rui Barbosa em Museu Casa de Rui Barbosa, sob a tutela do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). O que é estranho, porque esse não é exatamente um governo que tem por hábito debater coisa alguma, quanto mais Medida Provisória; segundo, porque a Fundação não tem escopo de museu, possui outra natureza, e os recursos do Ibram mal dão conta dos museus federais existentes;
- O governo afirma que “primeiramente não há processo de extinção da Cinemateca Brasileira em curso, e que realmente o que está em curso é o processo de realização de novo chamamento público para selecionar instituição qualificada, ou a ser qualificada, como Organização Social” para gerir a Cinemateca. O que é estranho, porque a Cinemateca completou 300 dias fechada, o governo permitiu a demissão de todos os profissionais da área técnica. Por causa da situação na instituição, houve um ato de diversas entidades na sede da Cinemateca e até o cineasta Martin Scorsese se manifestou hoje a respeito do descaso com que o governo brasileiro a trata; além disso, não foi publicado edital algum de chamamento público relativo à Cinemateca;
- Essa resposta merece ser reproduzida integralmente, com todas as maiúsculas do ofício:”O Patrão de qualquer Governo eleito democraticamente é único, o Povo. Na entrevista mencionada pelo Senhor Deputado, fora afirmado pelo Secretário Especial que o Povo clama por obras que realmente demonstrem os valores da família, ressaltem o Brasileiro e Seus feitos”. Na entrevista em questão, Frias dizia que, em tudo que faz, “pode ter certeza que estou em comunhão com meu presidente”;
- Outra argumentação que merece ser reproduzida integralmente: “Novamente, há uma clara distorção na fala (sic) do Secretário Especial de Cultura, fora afirmado pelo Senhor Secretário que existem Barões das Leis de Incentivo, nunca tendo sido afirmado existirem listas ou dados que os catalogassem”. Para Mario Frias, que parece ter preenchido pessoalmente o questionário enviado à Câmara, os recursos das leis de incentivo estão concentrados “nas mãos de poucos players do mercado”. É estranho, porque os dados de utilização da Lei Rouanet são abertos e não há segredo algum sobre nenhum “player”, são todos acessíveis a qualquer cidadão brasileiro, assim como suas prestações de contas; se há acusação de favorecimento, cumpre ao Estado apontar e tomar providências, não fazer demagogia barata.
O ministro do Turismo, que assina o documento enviado ao Congresso, já foi convidado para debater a paralisia da Agência Nacional de Cinema e não compareceu, mas esteve recentemente num rumoroso Trem da Alegria do governo que invadiu Fernando de Noronha e depois pediu reembolso das despesas da farra. O escárnio com que tratam a cultura (o pedido de informações também exigia explicação acerca do preenchimento de cargos por gente sem a qualificação exigida) pode não ser examinado com a lupa da autoridade pública agora, mas a responsabilidade é perene; vai chegar a hora de responder de verdade às indagações.