FÓRMULA TRUCK

3
799

procurou desesperadamente por um caminhão de guinness, corsendonk, spitfire ou waterloo e não achou, claro.
aí foi descendo as expectativas: podia ser stella artois, eisenbahn ou até mesmo bohemia.
no way.
uma gota quente de suor desceu por sua testa.
passou em frente a uma peixaria e os funcionários quebravam gelo para refrigerar o peixe. lembrou da propaganda da outra cerveja, aquela onda congelante que deixa até a mão do sujeito com estalactite.
foi então que viu o caminhão amarelo cheio de círculos com setas na ponta. os caras tavam desembarcando uns engradados num restaurante self-service.
pensou: seja no show do iron maiden ou no saguão do credicard hall, os caras têm a manha de vender uma latinha dessa porcaria por R$ 5. ou seja: talvez seja um bom negócio.
desempregado há meses, não pensou que o amarelão do veículo podia ser avistado até de um avião sobrevoando cumbica, quanto mais do helicóptero da polícia.
pior: não pensou nem sequer na impossibilidade de dirigir aquilo, já que não sabia dirigir nem bicicleta.
enquanto o motorista tava distraído no caixa do restaurante, ele entrou no bichão, viu que a chave tava no contato, ligou e arrancou com um tranco seco, e o treco balançava mais do que lotação clandestina em salvador.
não ouviu nada da gritaria que se seguiu à arrancada do caminhão.
entrou na avenida interlagos e viu uma plaqueta no posto da esquina: “temos banheiros limpos”.
não conseguiu andar mais do que 500 metros, porque o trânsito tava horrível: de vez em quando, enganchava alguma coisa na roda do bichão – uma hora era um Palio, outra hora era um Gol, outra era um Fox. Um Ford Ka foi arrastado por uns 300 metros, empurrando um Fiat 147 fumacento para a calçada. Sentiu um estranho prazer ao esmagar uma Mercedes conversível, mas aí o caminhão estancou com um espirro seco. Lembrou da propaganda da cerveja que dá resfriado nas pessoas, e mesmo assim elas riem.
Da boléia do caminhão, dava para ver até o calibre das armas apontadas para ele lá embaixo no asfalto. Pensou: se tivesse mais alguns minutos, podia ter ligado do orelhão para o primo Edson, que vive de catar latinha de alumínio. A avenida Interlagos estava coalhada de latinha estourada.

PUBLICIDADE
AnteriorBETTYE
Próximoo que é que maria tem?
Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter desde 1986 e escritor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019), Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021) e O Último Pau de Arara (Grafatório, 2021)

3 COMENTÁRIOS

  1. Prezado, é formidável teu relado por sobre o ocorrido com o pobre gatuno desabilitado.

    Os leitores agradecemos. O blog: trata-se dum espaço muito bom de se visitar.

    (Ouvi muito falar de ti via mestre Tognolli, meu professor até há alguns poucos anos.)

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome