Mestre Fuleiro é chama

 

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Carioca do Andaraí, Antônio dos Santos (1912-1997) foi um dos fundadores do Império Serrano e se destacou como diretor de harmonia da escola de samba do Morro da Serrinha. Sob a alcunha de Mestre Fuleiro, encheu a avenida de música e vida e assinou com Dona Ivone Lara Tio Hélio o canto de passarinho (portanto, de liberdade versus escravização) “Tiê”.

O texto “Uma escola de samba”, na revista CartaCapital, despertou na museóloga Alessandra Marques a lembrança de uma antiga entrevista com o mestre, feita em 16 de julho de 1993 e publicada no âmbito de uma pesquisa acadêmica na área de museologia da Universidade do Rio de Janeiro, sobre o jongo da Serrinha. Alessandra procurou o autor do texto e iniciamos um diálogo que culminou na autorização dela e das parceiras Cláudia Regina Alves da RochaDaniela SampaioJanine M. Belo para que republicássemos a entrevista em FAROFAFÁ (e não só ela, mas também a própria pesquisa), posto que Mestre Fuleiro é imortal.

(Um salve agradecido de Pedro Alexandre Sanches às quatro novas parceiras!)

 

Alessandra Marques, Cláudia Regina Alves da RochaDaniela Sampaio e Janine M. Belo: Por que o jongo é desconhecido?

Mestre Fuleiro: Há algum tempo atrás os mais velhos não permitiam a entrada de jovens numa roda de jongo, pois achavam que o jongo deveria ser praticado somente por pessoas maduras. E o que aconteceu? Ora, os idosos começaram a morrer e o jongo também. O jongo veio perdendo seu sentido preciso, que é uma dança maravilhosa. O jongo é como a cantoria de viola, na qual um repentista responde o outro, quer dizer, um jongueiro responde o outro cantando e dançando na roda. Atualmente, tem pouco jongo aqui na Serrinha, mas tinha bastante. Eu aprendi jongo com a minha mãe (Vovó Teresa), que era jongueira. Ela me colocava na roda para dançar e também me ensinava em casa. No morro do Salgueiro, por exemplo, não existe mais caxambu, pois o Castoriano, que mantinha o jongo, faleceu. Na Serrinha ainda existe por causa do Darcy (Darcy Monteiro, o Darcy do Jongo), filho de D. Maria Rezadeira (Maria Joana Monteiro, a Vovó Maria Joana Rezadeira), uma falecida jongueira. Então, o jongo ficou parado porque não deixaram prosseguir.

AM, CRAR, DS e JMB: O senhor acha que ocorre um desinteresse por parte dos jovens em aprender o jongo?

MF: Ocorre. Hoje em dia, os jovens estão mais interessados em ouvir rock, ir para as discotecas e assim por diante.

 

AM, CRAR, DS e JMB: O que o senhor acha da mudança que o Darcy fez no jongo? É positiva ou negativa?

MF: Eu sinto que os meus antepassados ficam contrabalançados. Várias vezes, por exemplo, me censuram por eu tocar violão no caxambu e eu acho que isso não deveria existir. As pessoas precisam entender que no passado não havia instrumentos desse tipo porque os escravos não sabiam tocá-los. Quem dera que um preto velho fosse permitido pelo senhor de pegar um violão, uma viola, por isso só sabiam tocar tambores. O que eu acho essencial é a explicação dada pelo Darcy durante as apresentações: ele diz que introduziu instrumentos que no jongo tradicional não são utilizados. No tradicional há tambores, reco-reco feito no bambu tapuruçu, chocalho ganzá, mas violão nunca. Então, ele explica que esse jongo é de espetáculo.

AM, CRAR, DS e JMB: O senhor acha que essas modificações facilitam o conhecimento do jongo pelo grande público?

MF: Não. Sabe, eu dou razão a essa sofisticação. Só acho que é preciso ensinar as duas partes, o sofisticado e o cru. Mas em alguns lugares, até hoje, há jongueiros que não aceitam de modo algum essas modificações.

AM, CRAR, DS e JMB: Essas modificações devem ocorrer para o jongo não morrer?

MF: Sim, eu concordo com isso. Porém, continuo a dizer que é preciso que ensinem tanto o jongo tradicional, quanto o jongo espetáculo.

AM, CRAR, DS e JMB: Existem grupos que dançam jongo na África? E há contato desses com os grupos brasileiros?

MF: Eu não sei, pois ainda não tive a felicidade de visitar Angola. Deve existir, porque o jongo é de origem angolana, os escravos trouxeram para o Brasil.

AM, CRAR, DS e JMB: Então o senhor acha que o jongo não surgiu no Brasil?

MF: Não. O jongo veio com os escravos. Por isso há partes de lamento na dança, cantando o sofrimento causado pelos rebenques dos senhores. Muitas vezes, ao saírem da roça, voltavam para a senzala cantando, quer dizer, o caxambu também era uma forma de desabafo.

AM, CRAR, DS e JMB: Existe alguma diferença entre jongo e caxambu?

MF: A dança é a mesma coisa. O que difere, por exemplo, são os instrumentos. No caxambu tem alguns instrumentos que não são usados no jongo. E algumas outras coisas que não vou dizer porque não quero errar, eu quero responder com precisão. As festas de caxambu e o jongo nunca começam sem antes fazer uma oração para as almas dos santos, de Santa Benedita. Só depois disso se abre o terreiro, caso contrário a festa não fica boa.

AM, CRAR, DS e JMB: Nós chegamos a ler que caxambu é o nome de um instrumento.

MF: É, existe o caxambu. O caxambu é um tambor pequeno. Existe também o tambu, o maior, que bate, e o candongueiro, o menor, que faz “quidim-qui-dim”.

AM, CRAR, DS e JMB: Existe, por parte das entidades culturais, apoio e/ou tentativa de divulgação e manutenção do jongo?

MF: Existem pessoas que nem vocês fazendo pesquisas. E eu quero crer que essas pesquisas sejam capazes de levantar novamente o jongo. Se, amanhã ou depois, eu tiver condições darei festas, e não é nem uma nem duas não, de jongo. Conforme o jongo, está terminado outra dança muito antiga e bonita, o calango. Você chega numa festa junina e nota que não é mais igual antigamente. Daqui a alguns anos, os mais jovens não saberão o que é uma festa junina. A festa junina de hoje só tem sinhozinho e sinhazinha, não é isso! Você vê uma caipira, Deus do céu! Isso não é caipira, quanto custa uma caipira?

AM, CRAR, DS e JMB: Está virando comércio.

MF: Está virando não! Está virando é pouca expressão! (Risos) Já virou, é muito comércio.

AM, CRAR, DS e JMB: Não tocam mais música caipira.

MF: Não, não. Colocam um acorde, não sei quantos baixos, guitarra, bateria, tem tudo, menos caipira. Eu fico espiando na TV, também não perco o meu tempo para ir nessas festas, as turmas competindo, o comércio mostrando o preço das roupas. Fico pensando, meu Deus! Antigamente, a gente pegava umas roupas velhas, fazia uns remendos, arregaçava aqui e ali e saía com um chapéu de palha da quitanda, era bonito demais. Se a gente estivesse continuando com o jongo, se todos continuassem, ele estaria nessa linha das festas juninas.

 

AM, CRAR, DS e JMB: Quer dizer, não acontece isso por causa da falta de competitividade dentro do jongo?

MF: É. Se tivesse uma competição, o jongo estaria nessa iminência da festa junina. Não havia jongo em todo o bairro, era assim: ia à casa do fulano que tem um caxambu, no aniversário do fulano, ou aniversário do santo protetor. Já as festas de São João e de Santo Antônio aconteceram em vários bairros, então elas continuaram e, além disso, entra muito dinheiro para a casa dos artistas, para os velhinhos. A gente fica apreciando, coisa boa, mas é só para a entrada de dinheiro porque aquilo poderia ser melhor.

AM, CRAR, DS e JMB: Agora, levando para o samba, o senhor acha que essa comercialização também acontece?

MF: O samba difere porque ele está indo mais para a frente, o comércio é maior. Vezes por vezes, chega até a prejudicar as pessoas que têm pouco dinheiro para se gastar numa fantasia. Aqui no Império nós estamos bem aperreados para fazer o Carnaval, pois não é todo mundo que está com condição nem de tomar uma cerveja, imagina numa fantasia.

AM, CRAR, DS e JMB: O senhor acha que o Carnaval perdeu a sua tradição?

MF: Perdeu. Antigamente, era uma censura louca se uma moça deixasse as mamicas de fora, agora vem até nua por sinal! Eu acho que isso não é Carnaval, acho que o samba pode até ter uma coisa mais solta, mas não assim tão vulgar.

AM, CRAR, DS e JMB: Inclusive essas mulheres que vêm nuas e tantas outras pessoas estão ocupando o lugar daquelas que realmente gostam da festa. O que o senhor acha disso?

MF: Eu concordo com vocês. Nós, este ano, estamos fazendo uma situação para diminuir isso. O nosso carnavalesco acha que deve aparecer mais a arte no carro do que esses nus artísticos. E aquela monstruosidade de carro continua a vir, dado o que fizeram na passarela, pois da arquibancada você vê tudo pequeno lá embaixo. Então, os carros têm que ser grandes. Quem inventou essa coisa foi o Joãozinho Trinta e a Beija-Flor e os outros tiveram que acompanhar.

AM, CRAR, DS e JMB: O senhor acha que estão deixando de lado o samba no pé para dar espaço aos carros alegóricos?

MF: Olha, isto é certo. Mas para não sair com tantos carros teria que esticar a cronometragem, pois para cobrir os espaços vazios é preciso muita gente e as pessoas são mais lentas do que os carros.

AM, CRAR, DS e JMB: O que o senhor acha do samba atual?

MF: Antigamente o samba era bonito. Tinha o Cartola, o Bacalhau, o Silas, a Ivone Lara e muitos outros compositores bons. Eu mesmo tive enredo com o Silas de Oliveira (Ana Néri ou Homenagem à Medicina Brasileira, de 1952, na verdade assinado com Mano Décio da Viola Penteado). Mas hoje é tudo parecido. Agora, os novos compositores serão sempre, eu peço desculpas a eles, afilhados de Zuzuca. Desde que fizeram “Pega no Ganzê, Pega no Ganzá” (refere-se a Festa para um Rei Negro, samba-enredo do Salgueiro que venceu o Carnaval de 1971), todos correram para ali e nunca mais saíram. O samba era mais alegre, tinha uma história. Agora, com o disco, é tudo repetição porque é fácil de ser decorado pelo público, é uma coisa comercial.

AM, CRAR, DS e JMB: Por que o samba é mais conhecido que o jongo?

MF: Porque, conforme eu estava dizendo, é mais comercial. O progresso do samba é isso. É mais fácil você se especializar no samba do que dançar o jongo e pior ainda dançar o caxambu.

AM, CRAR, DS e JMB: O senhor já sofreu preconceito ao dançar jongo?

MF: Não. Eu nem sei o porquê dessa morosidade de expansão do jongo, pois ele é tão apreciado. Todo mundo que assiste a dança gosta e diz: “Oh! Mestre Fuleiro, como é? Me ensina!” Já ensaiei muitas mocinhas. Mas não acontece com o jongo o mesmo que com o samba porque me parece que ele não é comercial.

AM, CRAR, DS e JMB: Existe alguma discriminação em relação ao jongo?

MF: Conforme já disse, havia discriminação de idade. Agora, de cor, não. É como se diz na gíria, todo mundo era todo mundo. Mas, sendo criança, eles punham de lado. Eu sempre quis aprender e, para isso, a minha mãe brigou muito com os outros jongueiros para me deixarem dançar.

AM, CRAR, DS e JMB: O jongo é uma dança restrita a um determinado grupo por causa da sua religiosidade?

MF: Não, filha. Atualmente, pode chegar qualquer pessoa e dançar. Por exemplo, o Darcy quer mais que chegue gente para o jongo não acabar. Não devia existir obstáculos para as pessoas dançar e cantar, devia ser uma espécie de escola, conforme existe no samba, no foxtrote, na valsa e assim por diante.

AM, CRAR, DS e JMB: O jongo está ameaçado de extinção?

MF: Está. Por exemplo, aqui na Serrinha. Eu sei que em alguns lugares do estado existe jongo, mas eu ainda não tive a felicidade de conhecer. Eu escutei dizer que em São Paulo, naquela parte de Santos, já teve jongo. Há muitos anos, eu ainda era rapaz, uma parte de Niterói tinha jongo, mas se acabou. E eu tinha tanta vontade de sair por esses jongos, mas não tive a oportunidade.

AM, CRAR, DS e JMB: O jongo é ancestral do samba?

MF: Sim, veio antes. O samba veio, pelo que eu sei, com a capoeiragem e o jongo veio com os escravos. O samba veio com a moçada da Bahia e, por isso, ficou, inicialmente, no Cais do Porto, Santo Cristo, Saúde e Gamboa, pois nestes locais havia núcleos baianos. Então, surgiu com as capoeiras que tinham pela Praça XV.

AM, CRAR, DS e JMB: A respeito da magia do jongo, existem histórias fantásticas?

MF: Isso acontece quando se abusa. Eu nunca fui castigado, fazia um de variados, agora já não faço mais porque estou com essa porção de idade, e nunca me senti mal, também nunca abusei.

AM, CRAR, DS e JMB: O que o senhor quer dizer com abusar?

MF: Uai! Querer se expandir além. Tem um limite. Abusar, por exemplo, querer fazer conquistas amorosas apesar de eu ser rapazinho. Essas coisas. Nesse caso, pode acontecer um monte de coisas, pois sempre tem gente de candomblé enfiada nessas situações. Quer dizer, se a gente abusar é capaz de aparecer um sapo na nossa perna (Risos). Mas eu nunca fiz coisa errada, o pessoal também não. O negócio ali era de sociedade de respeito, esperar para cantar. Mas tinha gente ruim, hum. Se alguém fizesse uma besteira, arrumavam um jeito de castigar e não é batendo, não! Sai da frente! Sai da frente que era capaz de surgir um camundongo na canela. Pois é, é isso aí!

 

 

Aqui, texto sobre a história do Império Serrano e a nova edição do livro Serra, Serrinha, Serrano – O Império do Samba, de Rachel Valença e Suetônio Valença.

Aqui, entrevista com a autora do livro Serra, Serrinha, Serrano – O Império do Samba, Rachel Suetônio.

Abaixo, o guia para uma playlist de músicas da Serrinha e do Império Serrano, incluindo Mestre Fuleiro:

1. Elza Soares, “Heróis da Liberdade” (1969), de Silas de Oliveira, Mano Décio da ViolaManoel Ferreira) – versão da carioca da favela da Moça Bonita (atual Vila Vintém), em Padre Miguel, para o samba-enredo que ficou em quarto lugar em 1969, mas se tornou para sempre campeão inequívoco da história do gênero.

2. Clementina de Jesus, “Dois Jongos: Picapau/ Carreiro Bebe?” (1976), de domínio público – fluminense interiorana de Valença, Clementina fez do jongo, reminiscência dos cantos de escravizados de todo lugar, uma de suas vias principais de expressão. Na capital, a quilombola Serrinha se tornou frente de resistência do gênero e da memória de seus significados.

3. Beth Carvalho, “Seleção de Jongos: Guiomar/ Caxambu de Sá Maria/ Sabão (Lava Roupa com Meu Nome)/ Vapor na Paraíba/ Boi Preto/ Mataro o Zé Maria/ Pisei na Pedra/ Papai na Ladeira” (1983), de Darcy Monteiro e Tião Zarope/ (“Guiomar”), Darcy Monteiro (“Caxambu de Sá Maria”, “Boi Preto” e “Pisei na Pedra”), Candeia e Alvarenga (“Sabão (Lava Roupa com Meu Nome)”, Mestre Fuleiro (“Vapor na Paraíba”) Vó Maria Joana (“Pisei na Pedra”) e Eva Emely Monteiro (“Papai na Ladeira”) – homenagem aos jongos da Serrinha por Beth, carioca da Gamboa, na zona portuária carioca.

4. Dona Ivone Lara, “Sambas de Terreiro (Prazer da Serrinha): Serra dos Meus Sonhos Dourados/ Orgia/ Alegria Minha Gente/ Eu Já Jurei/ Me Abandonaste/ Meu Destino É Sofrer/ Chorar Não Resolve/ Serra dos Meus Sonhos Dourados” (1982), de Carlinhos Bem-Te-Vi (“Serra dos Meus Sonhos Dourados”), Manula (“Orgia” e “Chorar Não Resolve”), Paco (“Alegria Minha Gente”), Antenor Bexiga (“Eu Já Jurei”), Mestre Fuleiro e Dona Ivone Lara (“Me Abandonaste”), Dona Ivone Lara (Meu Destino é Sofrer”) – sambas da Serrinha, na voz da principal compositora e intérprete feminina da comunidade.

5. Aniceto do Império, “Mulher na Presidência” (1984), de Aniceto Menezes – no ano da campanha pelas Diretas Já, o imperiano Aniceto sonhava com uma presidenta da República: “Se acaso acontecer uma mulher na presidência/ é sapiência, é sapiência”.

6. Mano Décio da Viola, “Exaltação a Tiradentes” (1974), de Mano Décio da Viola, Penteado e Estanislau Silva – versão de autor para o samba-enredo vencedor de 1949, do álbum Capítulo Maior da História do Samba, que reúne sambas de avenida e de terreiro.

7. Elis Regina, “Exaltação a Tiradentes” (1971) – a cantora gaúcha faz leitura emepebista, tristonha (e sob cuícas), da exaltação a Tiradentes, num contexto do início da década de 1970, quando a gravadora Philips colocava os principais nomes de seu elenco para reinterpretar sambas-enredos históricos em coletâneas pré-carnavalescas.

8. Mano Décio da Viola, “Mano Décio Ponteia a Viola” (1974), de Mano Décio da Viola e Waldemiro do Candomblé – Mano Décio chama mana Clementina de Jesus e uma galeria de serranos para pontear um partido alto de terreiro na viola e no pandeiro.

9. Bezerra da Silva, “A Carta” (1998), de Silas de Oliveira e Marcelino Ramos – Depois de elogiar Getulio Vargas no samba imperiano de 1951, Silas de Oliveira voltou à carga e musicou a carta de suicídio do líder gaúcho/brasileiro no aniversário de dois anos de sua morte. Moreira da Silva gravou a versão original, que o pernambucano Bezerra da Silva ousou resgatar em 1998, em plena era Fernando Henrique Cardoso, quando nem o mundo mineral falava de colocar o retrato do “velho” de novo no mesmo lugar, e ainda termina a faixa mandando um “salve a memória de um grande presidente”. Transformados em versos, os dizeres de Getulio em “era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna, mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém” ficaram parecidos com… um samba do Império Serrano.

10. Jorginho do Império, “Rio dos Vice-Reis” (1994), de Aidno SáDavid do Pandeiro e Mano Décio da Viola – o filho cantor de Mano Décio interpreta em 1994 o samba-enredo que deu o quinto vice-campeonato ao Império, em 1962.

11. Elza Soares, “Aquarela Brasileira” (1973), de Silas de Oliveira – às portas do golpe de 1º de abril de 1964, o samba-enredo de exaltação ao Brasil e às brasilidades chegou apenas à quarta colocação, mas se manteve vivo de 1973 em diante, a partir desta histórica leitura de Elza.

12. Martinho da Vila, “Aquarela Brasileira” (1975) – dois anos depois, o fluminense interiorano de Duas Barras também ofereceu sua versão, disseminada até hoje como um signo soberano sobre o amor ao Brasil.

13. Roberto Ribeiro, “Os Cinco Bailes da História do Rio” (1975), de Silas de Oliveira, Dona Ivone Lara e Bacalhau – a versão do imperiano Roberto Ribeiro (fluminense de Campos de Goytacazes) para a primeira vez na história do Carnaval carioca em que uma mulher pisou na avenida como compositora de samba-enredo. Dona Ivone gravaria apenas em 1981 o samba que conquistou o vice-campeonato de 1965.

14. G.R.E.S. Império Serrano, “Alô, Alô, Taí Carmen Miranda” (1972), de ManecoWilson Diabo e Heitor Achiles – o samba vencedor de 1972, em versão de escola.

15. Roberto Ribeiro, “”Alô, Alô, Taí Carmen Miranda” (1994) – versão do imperiano Roberto (fluminense de Campos de Goytacazes) para o “cai, cai, cai, cai/ quem mandou escorregar?”.

16. Mano Décio da Viola, “Dona Santa, Rainha do Maracatu” (1974), de CarlinhosMalaquias e Wilson Diabo – apesar de escanteado na avenida de 1969 em diante, Mano Décio não deixou de interpretar o samba-enredo de 1974 no primeiro álbum solo que pôde gravar na vida.

17. Clara Nunes, “Alvorecer” (1974), de Dona Ivone Lara e Delcio Carvalho – a mineira Clara foi a primeira artista de expressão nacional a gravar um samba da imperiana Ivone fora do âmbito do Carnaval, e o fez extravasando lirismo por todos os poros.

18. Marisa Monte, “Lenda das Sereias Rainhas do Mar” (1989), de Vicente MattosDinoel e Arlindo Veloso – em sua estréia fonográfica, em 1989, Marisa honrou a Serrinha ao retomar o samba-enredo de candomblé de 1976, que conquistou uma modesta sétima colocação.

19. G.R.E.S. Império Serrano, “Lenda das Sereias Rainhas do Mar” (1976) – a gravação original, com versos que Marisa Monte suprimiu em sua versão.

20. Alcione, “Tiê” (1976), de Dona Ivone Lara, Mestre FuleiroTio Hélio – depois de Clara, a maranhense Alcione iluminou o tema de passarinho “Tiê”, que o Grupo Favela havia gravado em 1974. Os caminhos de Ivone Lara na MPB começavam a se abrir.

21. Maria Bethânia e Gal Costa, “Sonho Meu” (1978), de Dona Ivone Lara e Delcio Carvalho – seguindo a pista atirada por Clara Nunes e por Alcione, a baiana Bethânia re-apresentou Ivone Lara num álbum de 1978, cantando este samba com a conterrânea Gal, e só então a ex-enfermeira vice-campeã na avenida pôde consolidar uma carreira solo com discos gravados.

22. Clementina de Jesus Dona Ivone Lara, “Sonho Meu” (1979), de Dona Ivone Lara e Delcio Carvalho – as duas damas tardias se encontram e dão significado quádruplo ao dueto apresentado ao Brasil por Bethânia e Gal.

23. Maria BethâniaCaetano Veloso Gilberto Gil, “Alguém Me Avisou” (1980), de Ivone Lara – Bethânia reforça a dose e apresenta outro futuro clássico serrano, agora com os conterrâneos Caetano e Gil.

24. Quinzinho, “Bumbum Paticumbum Prugurundum” (1982), de Beto sem Braço e Aluísio Machado – há 35 anos, o samba original que deu a última vitória do Império no grupo principal até aqui.

25. Aniceto do Império Clementina de Jesus, “Dona Maria Luíza” (1984), de Aniceto – encontro de titãs do jongo, poucos anos antes da morte dela (em 1987) e dele (em 1993).

26. Aniceto do Império Dona Ivone Lara, “Quem É Teu Pai?” (1984), de Aniceto – encontro de titãs da Serrinha em jongo, capoeira, candomblé e terreiro; em 2017 ela ainda representa aquela cultura, aos 95 anos de idade.

27. João Bosco, “Cabeça de Nego” (1986) – devoto do Império e da Serrinha, o compositor mineiro mergulha na raiz e reverencia o jongo e as figuras referenciais de Aniceto, Silas de Oliveira, João da Baiana, Candeia, Clementina, DongaPixinguinhaPaulinho da Viola

28. Jovelina Pérola Negra, “Camarão com Xuxu” (1986), de Nei Lopes – nascida em Botafogo, estabelecida na Baixada Fluminense e pastora do Império Serrano, Jovelina morreu cedo (em 1998), mas deixou obra maiúscula no campo do samba de pagode, como atesta este clássico do carioca do Irajá Nei Lopes.

29. Jovelina Pérola Negra, “Pagode no Serrado” (1986) – de Marquinho Pagodeiro e Zeca Sereno – numa divertida narrativa serrana, Jovelina vai à feira procurar Clementina, Dona Ivone (“ô, lará, cadê Clementina de Jesus/ ai, Jesus, cadê Dona Ivone?”), Aniceto, o portelense Monarco, a mangueirense Dona Neuma, o salgueirense Almir Guineto

30. Arlindo Cruz, “Meu Lugar” (2007), de Arlindo Cruz e Mauro Diniz – compositor de sambas-enredo do Império Serrano desde 1989, Arlindo celebra Madureira, Oswaldo Cruz, Cascadura, Vaz Lobo e Irajá no samba dolente que em 2012 a Rede Globo modificou para adaptar à geolocalização da novela Avenida Brasil. Arlindo não chega a mencionar o Morro da Serrinha, mas cita as duas escolas de tradição da região: Portela e Império.

31. Leci Brandão, “Madureira, Lugar da Raça” (1990), de Arlindo CruzFranco Sereno – bem antes, a mangueirense Leci celebrou mais explicitamente aquele celeiro do samba, em samba de Arlindo: “Em Madureira é o Império que a Serrinha tem/ é Madureira a jaqueira que a Portela tem/ (…) a negra raça guerreira encontrou seu lugar”.

32. Daúde, “Dora” (2003), de Aniceto Menezes – a baiana Daúde rende ode ao divertido trava-língua rimado em “ora” do mestre Aniceto do Império, registrado por ele no álbum coletivo dirigido por Adelzon Alves Quem Samba Fica… (1971).

33. Velha Guarda Show do Império Serrano, “Império Tocou Reunir/ Não Me Perguntes” (2006), de Silas de Oliveira e Dona Ivone Lara (“Império Tocou Reunir”) e Mestre Fuleiro e Dona Ivone Lara (“Não Me Perguntes”) – duas pedras de toque do Império na reunião discográfica da Velha Guarda da Escola.

34. Wilson das Neves, “Velha Guarda do Império” (2010), de Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro – ex-ritmista imperiano e músico de Chico Buarque, seu Wilson reverencia “a escola imperial, paixão da minha vida”.

35. Jongo da Serrinha, “Axe de Ianga (Pai Maior)” (2015), de Dona Ivone Lara – a comunidade local se organiza e produz o disco homônimo lapidar de regresso às origens de tudo.

36. G.R.E.S. Império Serrano, “O Meu Quintal É Maior do Que o Mundo” (2017), de Lucas DonatoTico do GatoAndinho SamaraVictor RangelJefferson OliveiraRonaldo NunesAndré do Posto 7Vagner SilvaVinicius FerreiraRafael Gigante e Totonho – enfim, aos 70 anos de idade, a primeira vitória do Império no segundo grupo desde 2009.

37. João Bosco, “Heróis da Liberdade” (1995) – a eternidade de Silas e Décio, na leitura delicada de João.


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