Pai espiritual de Glauco, Angeli, Laerte e Adão Iturrusgarai, Jaguar foi o cartunista brasileiro que desenhou uma utopia possível para os artistas que vieram depois dele: ele fez cartuns embebidos no lema punk “faça você mesmo”, uma promessa de individualidade, autogestão, independência e insolência sem igual. Morto hoje no Rio aos 93 anos, ele viveu sua revolução até o final, nunca abriu mão do conceito que irradiou a partir da trincheira chamada O Pasquim, de 1969 até quando deu pé.
Discípulo de outro minimalista do traço, o francês Georges Wolinski (assassinado durante o atentado ao Pasquim francês, o jornal satírico Charlie Hebdo), Jaguar foi grande numa época de gigantes como Millôr e Ziraldo, com quem emparelhou seus cartuns e o sarcasmo no enfrentamento do autoritarismo do regime civil-militar instalado no País em 1964. Mas ele era, principalmente, um anarquista de boteco, lugar que ele defendia como reduto possível para o verdadeiro intelectual, e um Quixote na frente de batalha munido apenas de seu desenho minimalista e deliberadamente sujo, borrado.
Há alguns anos, o cartunista Miguel Paiva lançou a virtual candidatura de Jaguar à Academia Brasileira de Letras. Seria o primeiro artista do cartum a ser admitido lá, mas a ideia não vingou – má fortuna da ABL, que teria dado um passo em direção à relevância se o tivesse escolhido. De qualquer modo, Jaguar alcançou a verdadeira imortalidade, já que viveu tudo que quis (à revelia dos excessos na arte do levantamento de copo) e também sua reputação ultrapassou todas as fronteiras.
Seu estilo plasmou-se no final da década de 1960, quando ele, Tarso de Castro e Sérgio Cabral urdiram em sua base de atuação no coração de Ipanema a criação de O Pasquim, períodico debochado e incatalogável (símbolo do jornalismo alternativo brasileiro), uma publicação que abordava da política ao comportamento, da ciência ao sexo, das drogas à MPB e ao teatro, com um certo pendor para a misoginia (uma característica inerente à época), mas também absolutamente libertário em relação à temática e com raro destemor face ao arbítrio.
As entrevistas de grande fôlego do Pasquim até hoje alimentam livros e biografias, pela liberdade com que os entrevistados eram abordados pela equipe do jornal. “A patota”, como eram denominados seus colaboradores, era uma constelação de estrelas que depois cristalizaria toda a ação jornalística que sobreveio com o fim da ditadura: Millôr Fernandes, Ziraldo, Jaguar, Chico Buarque, Ivan Lessa, Paulo Francis, Vinícius de Moraes, Glauber Rocha, Odete Lara, Carlos Prósperi, Sérgio Augusto, Henfil, Fortuna, Cacá Diegues, Miguel Paiva, Carlos Leonam, entre tantos outros
Fazendo uso de slogans autorreferentes, como “Pasquim, um jornal a favor do contra”, “Pasquim, compre antes que a polícia apreenda” e “Na terra de cego quem lê Pasquim é rei”, o periódico antecipou debates e tendências que até hoje regram o espaço público brasileiro. “Quase que me ensinou a andar”, declarou a cartunista Laerte. O logotipo do periódico era um desenho de Jaguar, o rato Sid, com cara de psicopata e espirito de malandro carioca. Era impressionante pensar que ainda caminhasse pela Terra, parecia que tínhamos bem aqui ao lado um daqueles mitos fundadores da Grécia ou da antiga Pérsia.

