Últimas apresentações de “O ninho, um recado da raiz” acontecem de hoje a domingo

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Cena de "O ninho, um recado da raiz" - foto: Ronaldo Gutierrez/ divulgação
Cena de "O ninho, um recado da raiz" - foto: Ronaldo Gutierrez/ divulgação

Contagem regressiva para o fim da curta temporada do espetáculo teatral “O ninho, um recado da raiz”, do diretor Newton Moreno. A montagem do texto de 2009 tem como palco o Instituto Itaú Cultural (Av. Paulista, 149, próximo à estação Brigadeiro do metrô, São Paulo/SP) até domingo (23).

A novela cênica tem base em fatos reais, com pesquisas sobre a existência (e o aumento) de células neonazistas no Brasil. “O ninho, um recado da raiz” conta a saga familiar de um jovem obstinado e incansável que parte em busca de descobrir suas raízes, descobrindo uma dolorosa verdade sobre sua família, de acordo com a sinopse. A saga é ambientada em um canavial nordestino e reflete a intolerância e o ódio que querem dar o tom de nossos tristes tempos.

A trilha sonora da peça – executada ao vivo por três músicos no palco – é assinada pelo maranhense Zeca Baleiro, que divide a direção musical do espetáculo com o músico André Bedurê.

FAROFAFÁ conversou com exclusividade com o diretor Newton Moreno.

O diretor Newton Moreno - foto: Will Sampaio/ divulgação
O diretor Newton Moreno – foto: Will Sampaio/ divulgação

QUATRO PERGUNTAS PARA NEWTON MORENO

ZEMA RIBEIRO: Passados mais de dois anos da superação, ao menos do ponto de vista eleitoral, do neofascismo no Brasil, a gente sabe que, infelizmente, o ódio e a intolerância ainda dão algumas cartas no jogo. Foi isto o que te motivou a escrever “O ninho”?
NEWTON MORENO: “O ninho” é um texto de 2009. É um texto que foi construído com o Grupo Os Fofos em Cena, na época que a gente estava estudando o universo da cana, o Nordeste do Brasil, o patriarcado e aquelas coisas todas. E aí surgiu esse texto, que, claro, se alimenta de registros históricos da presença de nazistas em Pernambuco. A gente ficcionalizou, mas tem esse lastro. Na época a gente não montou, ele nunca foi montado, até agora. E há dois anos, mais ou menos, eu acabei retomando essa ideia, assustado com um movimento muito intenso de uma onda de extrema direita, pesada, enfim, muito discurso de ódio de um lado e de outro, até gabinete, enfim, ódio virou uma palavra muito comum nas nossas bocas e infelizmente nas nossas ações, mas essa sombra, essa vizinhança, de um pensamento, não sei se neonazista ou neofascista, nem sei mais qual é a palavra que dá conta disso, me fez pensar que valeria a pena agora sim fazer “O ninho” pra valer. Então ele vem sim, estimulado, provocado por essa convivência com essa ideia de ódio, de extermínio de diferença que cerca esse pensamento. Os estudos da Adriana Dias foram super importantes, que é uma antropóloga já falecida, que estuda o neonazismo no Brasil, e aí o texto foi revisto, ele foi reescrito, eu reescrevi, pensando essas questões com mais clareza.

ZR: Publicado em 2005, o livro “Indesejáveis e Perigosos: o antissemitismo e a questão alemã em Pernambuco durante o Estado Novo (1937-1945)”, da jornalista e cientista política pernambucana Susan Lewis, estimulou a criação do espetáculo. A que você atribui o crescimento de células neonazistas no Brasil e como enxerga este fenômeno?
NM: O trabalho da Susan Lewis foi importante justamente por isso. O livro dela é maior, ela aborda mais coisas, mais questões: essa relação entre judeus e nazistas no Estado Novo na primeira metade do século passado em Pernambuco, no Brasil, então ela fala também de outras questões. Existiam alemães que eram nazistas mesmo, propagandistas, tinha espiões, tinham várias categorias, tinha outros que eram simpatizantes da coisa, mas que não eram do partido, mas assim, no livro dela e nos arquivos do estado de Pernambuco, o Arquivo Público do Estado de Pernambuco, muita documentação sobre esse trânsito, passaporte, cartas, fotos de encontros de nazistas em Paulista, que é essa cidade próxima ao Recife. Enfim, tem algo aí, tem uma construção de uma convivência com essa ideia e essa vizinhança, tudo ainda, que parece tão longe, mas que reverbera. Essa guerra reverbera em todo o mundo. Está bem mais próximo do que a gente imaginava. Foi o que fez a gente levantar “O ninho”.

ZR: Como surgiu o convite para que Zeca Baleiro assinasse a trilha sonora do espetáculo? Há alguma pretensão de lançar esta trilha em serviços de streaming?
NM: O Zeca eu conheci n“O Bem Amado Musicado”, uma versão que a gente fez há dois anos. Na verdade, uma versão não, o texto na íntegra, mas com música. E eu ajudei nas letras. E achei ele um parceiro incrível. E aí eu convoquei, um pouco pela sua matriz nordestina, porque a história se passa toda no Nordeste, então tem muita gente da equipe que é nordestino. E claro, pelo talento dele. E ele é um cara de teatro, é um cara que começou no teatro, fez muita trilha para teatro, escreveu um [espetáculo] infantil, se não me engano, que foi para o SESI, enfim, é uma pessoa muito interessada pelo teatro, e a gente foi costurando, muito texto virou letra das músicas que pintaram e a música acabou virando um personagem mais uma vez, inclusive na medida em que a gente queria embalar um pouco o público com o sublime da música, talvez, né?, pra contar uma história tão violenta, sabe? A trilha a gente está pensando em gravar, sim. Eu só acho que é streaming, porque agora tudo vai pra internet, né? Pras nuvens, pra Deezer, Spotify, não sei como é que funciona, mas a gente quer gravar sim. A trilha, na verdade, a base da trilha é toda do Zeca, ele tem colaborações minhas nas letras, em uma música, do André Bedurê, que é o diretor musical da peça, e em outra música, da Rebeca Jamir.

ZR: A peça chega este fim de semana às últimas apresentações desta curta temporada. Como tem sido a receptividade do público?
NM: Olha, o público está mais sensível ao tema agora, acredito que por conta das atrocidades de Trump, a vizinhança do Milley aqui, enfim, com algumas figuras que têm algumas manifestações que estão acontecendo na Europa, de partidos nazistas e tal, então acho que as pessoas estão mais assustadas e a agenda do dia, o noticiário, têm dado muito espaço para as atitudes que ressoam, desde o gesto do Elon Musk na posse do Trump até as expulsões dos latinos dos Estados Unidos e até mesmo na nossa espera sobre o que vai acontecer com a família Bolsonaro aqui no Brasil, então não sei, acho que as pessoas estão muito mais sensíveis e atentas a por que a gente decidiu fazer isso e por que a gente está querendo promover uma reflexão sobre a manutenção dessa cultura do ódio no nosso mundo.

Serviço: Espetáculo “O ninho, um recado da raiz”, de Newton Moreno. De hoje (20) a sábado (22), às 20h; e domingo (23), às 19h. No Instituto Itaú Cultural. Capacidade: 224 lugares, Duração: 90 minutos. Classificação Indicativa: não recomendado para menores de 14 anos.

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