
Maria Marighella, presidenta da Fundação Nacional de Artes (Funarte), órgão vinculado ao Ministério da Cultura (MinC); um representante do MinC em São Paulo, Alessandro Azevedo; e Tião Soares, diretor de Promoção das Culturas Populares do ministério, visitaram na manhã desta segunda-feira, 24, o Teatro Ventoforte, em São Paulo, demolido por tratores da prefeitura municipal no último dia 13. Acompanhados do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP), dos deputados estaduais Carlos Giannazi e Ediane Maria (PSOL-SP) e da vereadora Luna Zarattini (PT-SP), os representantes da cultura federal vieram empenhar solidariedade ao setor de teatro paulista, atingido pelo arbítrio e autoritarismo da gestão municipal, mas também anunciar algumas medidas efetivas que estão sendo tomadas para enfrentar a questão.
Veio do deputado Boulos a informação mais concreta: o MinC está buscando recursos em suas despesas discricionárias para anunciar o aporte de valores num projeto de reconstrução do teatro demolido, quantia que será robustecida com a destinação de emendas de uma bancada de deputados federais e estaduais ligados à cultura. No Teatro Ventoforte, encravado dentro do Parque do Povo, no Itaim Bibi, também funcionava havia cerca de cinco anos a Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul, do respeitado Mestre Meinha, semidestruída pelos tratores da prefeitura. Segundo o representante do MinC, Alessandro Azevedo, a capoeira é tombada como Patrimônio Imaterial do País pelo Iphan desde 2008 (e também pelo Condephaat, estadual, desde 2011), e o instituto federal do patrimônio está buscando formas de responsabilizar criminalmente os responsáveis pela demolição da escola.
O deputado estadual Carlos Giannazi, autor de um pedido de liminar, concedido pela Justiça, para impedir que a prefeitura prossiga agindo para destruir objetos remanescentes do Teatro Ventoforte, afirmou que a ação que derrubou palcos e destruiu objetos cênicos “é obra do nazifascismo instalado na Prefeitura de São Paulo”, e que não se trata de um evento isolado. Reconstruir o teatro, nesse sentido, significaria “construir uma barreira contra o modelo de cidade que eles defendem, um modelo de escombros”.
Boulos afirmou que reconstruir o teatro é importante para não deixar que se apague a memória viva daquela experiência que juntou arte popular, artes cênicas, teatro de bonecos, capoeira e outras linguagens em um projeto único de teatro. “Olhem em volta. Nós estamos num dos metros quadrados mais caros de SP. Uma prefeitura que segue os interesses da especulação imobiliária. Que não quer teatros, não quer capoeiras, tornando uma cidade que já é difícil insustentável”, afirmou o deputado.
Maria Marighella fez o discurso mais volumoso da manhã, frente a quase uma centena de ex-professores, ex-alunos e ex-discípulos de Ilo Krugli, o fundador do Ventoforte. “A gente está diante de um cenário de brutalidade”, afirmou. Sua fala, entretanto, não se revelou tão comprometida com o futuro. Maria exaltou as experiências teatrais, que abarcam “dimensões da vida, (e são) promotoras de encontros, direitos, democracia”, afirmando que, por causa disso, “não se derrubam teatros”. Mas ponderou que o governo federal não tem como função precípua intervir, mas mediar. Maria Marighella afirmou que é preciso primeiro afirmar uma institucionalidade local para o Teatro Ventoforte para que depois o governo possa atuar.
Os atores e atrizes, produtores e produtoras presentes, cujas carreiras se iniciaram ali ou se desenvolveram em torno do projeto do Ventoforte, informaram que já resolveram criar juridicamente uma nova Associação Ventoforte, que deverá ser a responsável pela interlocução com os entes federativos envolvidos. Essa nova associação se depara com um problema imediato: destituir o antigo gestor do espaço, Claudeir Gonçalves, que julgam inepto e sem legitimidade para levar adiante essa proposta. “Claudeir Gonçalves não nos representa. E não fala em nome desse espaço”, disse Marcia Fernandes dos Santos, atriz, flautista e integrante do Ventoforte desde 1984.
Quase todos os presentes tinham uma história com o teatro. “Minha mãe me levava para o Ventoforte quando eu tinha 8, 10 anos de idade”, lembrou Guilherme Boulos. A atriz e dramaturga Sara Antunes também iniciou sua carreira ali, para onde foi conduzida pela mãe. “Ilo Krugli tem a mesma estatura no teatro que Zé Celso Martinez Correa, mas não a mesma mídia, pois Ilo vocaliza o teatro para e com crianças – histórica e socialmente desprezado”, afirmou Sara.
A jovem atriz Jozéffa Duarte, de 29 anos, narrou uma experiência ainda mais sanguínea: ela cresceu na favela que havia no Parque do Povo, e que foi destruída pelo poder público. “Eu venho de uma guerra que foi perdida. A minha casa era de frente para esse teatro. Morei aqui durante 7 anos. Pela segunda vez eu estou me deparando com a destruição desse lugar. É a história dessa cidade”.
Havia, entre os manifestantes, representantes de outras casas cênicas da cidade de São Paulo, e alguns disseram que enfrentam os mesmo problemas com o avanço da especulação. “Muitos teatros de SP estão ameaçados. Essa luta transcende o Ventoforte”, disse o ator Eduardo Bartolomeu, do Ventoforte.