O cantor e compositor Vital Farias (23/1/1943-6/2/2025) foi o único dos quatro malungos que se reuniram no show Cantoria que eu não cheguei a ver ao vivo num palco – os outros são Elomar, Geraldo Azevedo e Xangai.
Os volumes 1 e 2 do álbum Cantoria (Kuarup, 1984 e 1985, respectivamente, gravados ao vivo no Teatro Castro Alves, em Salvador/BA) são, para mim, álbuns formadores – os quatro cantores, compositores e violonistas, reunidos, passeando por seu repertório, e aqui e acolá trazendo os de nomes como Gilberto Gil (“Viramundo”), Augusto Jatobá (“Matança”) e Hélio Contreiras (1930-2006, “Estampas Eucalol”). O terceiro volume é dedicado à obra solo de Elomar.
Descobri-los na infância foi um acontecimento, não era o tipo de música que se ouvia costumeiramente nas rádios, embora Vital Farias tenha tido alguns êxitos ao longo da carreira: na trilha sonora da novela Saramandaia (1976) sua “Caso você case” era interpretada por Marília Barbosa; em Capim do vale (1980), segundo disco de Elba Ramalho, sua “Veja (Margarida)” fechava o repertório; em Alegria (1982) era a vez de a paraibana gravar “Sete cantigas para voar”, e no álbum seguinte, Coração brasileiro (1983), “Ai que saudade d’ocê”, um de seus maiores hits, que seria regravado também por Geraldo Azevedo e Zeca Baleiro – para a trilha sonora da novela Império (2014). Foi gravado ainda por nomes como Ary Toledo (1937-2024), Badi Assad e Os Trapalhões.
Natural de Taperoá/PB, Vital Farias se mudou para a capital João Pessoa para prestar o serviço militar obrigatório. Dali foi para o Rio de Janeiro, onde formou-se em Música. Seu disco de estreia, o homônimo Vital Farias, foi lançado em 1978 e é por muito chamado de “Canção em dois tempos”, primeiro título de seu clássico “Era casa, era jardim”.
Lançou ainda Taperoá (1980) – que inclui “Pra você gostar de mim”, regravada por Rita Benneditto em seu homônimo disco de estreia (1997) –, Sagas brasileiras (1982) e Do jeito natural (1985). Assinou ainda a trilha sonora e chegou a participar de O homem que virou suco (1980), filme dirigido por João Batista de Andrade. O filme conta a história de Deraldo (José Dumont), poeta popular recém-chegado do Nordeste a São Paulo, que, confundido com um operário que matara o patrão, passa a ser perseguido e tenta, ao mesmo tempo em que busca trabalho na metrópole, encontrar o verdadeiro assassino.
Fora das telas e palcos, Vital Farias foi um personagem contraditório: escreveu a quilométrica “Saga da Amazônia”, uma das mais bonitas músicas brasileiras que já ouvi, e no entanto viria a se tornar apoiador de primeira hora do governo neofascista de Jair Bolsonaro (2019-2022), que teve Ricardo Salles como ministro do meio-ambiente: “era uma vez uma floresta na Linha do Equador”.
Em 2006 Vital Farias candidatou-se a senador da Paraíba pelo PSol; na eleição seguinte, disputou o mesmo cargo, desta vez pelo PCB; em 2014, no PSB, ficou na suplência para deputado federal, nunca tendo assumido a cadeira; chegou a disputar o mesmo cargo em 2022, já convertido ao bolsonarismo e suas teorias da conspiração, filiado ao Avante, sem sucesso.
Vital Farias estava internado desde ontem (5) no Hospital Metropolitano Dom José Maria Pires, em Santa Rita, na Grande João Pessoa/PB, onde deu entrada após um infarto agudo do miocárdio. O cantor e compositor passou por exames e procedimentos de emergência mas não resistiu a um choque cardiogênico, vindo a falecer. Deixa 10 filhos, seis netos e duas bisnetas.
O município de Taperoá/PB decretou luto oficial de três dias. O Brasil perde um grande nome de sua música.
Zema se me permite, parabéns pela postagem, meu nome é Américo Córdula, farei um depoimento longo, me perdoe aqui é para respostas, mas eu tive o privilegio de acompanhar a carreira do Vital Farias desde quando chegou no SUDESTE, sou paraibano como ele , mas de João Pessoa, e vinte anos mais novo. Peço licença para incluir algumas informações que pouca gente sabe e portanto não é publicado. Pela proximidade com a irmã de minha mãe, que morava no Rio, ela sugeriu que Vital viesse a São Paulo e procurasse meus pais, Lêda Córdula e Rubens Teixeira, ele chegou em nosso sobrado no Planalto Paulista numa tarde fria de domingo de 1974, eu tinha 12 anos, trazendo seu violão na caixa e com um casaco emprestado para enfrentar a garoa paulistana. Para nos enfeitiçar cantou Veja (Margarida), meu pai ator e produtor trabalhava na TV Tupi, com novelas e os programas de TV, levou ele para participar do Almoço com as Estrelas, de Ayrton e Lolita Rodrigues, também foi apresentado a Ary Toledo muito amigo de nossa família, que se apaixonou pelo Vital, a ponto de dar o violão Giannini novo para ele, além de apresentá-lo a sua gravadora Copacabana, onde gravou um compacto simples, uma lado Veja (Margarida) e o outro um frevo Tudo vai bem (que sua neta Camila Farias regravou), ele veio para ficar uma semana em casa e passou três meses, depois retornou ao Rio de Janeiro e sua companheira Rilda Valois insistiu para que ele aprimorasse o violão que tocava de ouvido e conseguiu que ele fizesse a graduação de composição e regência, se tornando um grande violonista, em seu primeiro disco Vital farias da Polydor, ousou em tocar o Estudo n.22 de Vila Lobos, em em seus shows fazia questão de colocar no repertório. Em 1975 fez parte da peça Lampião no Inferno dirigida por Luiz Mendonça no RJ, onde fez os arranjos junto com Katia de França e tocavam, depois vieram para uma temporada em São Paulo no Teatro Aplicado (agora Bibi Ferreira), no elenco da peça tinha o Walter Breda fazendo Lampião, Tânia Alves e Elba Ramalho atuando, antes de começar o espetáculo havia um pocket show das duas e a participação da banda, na volta para o Rio ele participa da peça Gota D’ agua com Bibi Ferreira no Teatro Thereza Raquel . O primeiro show do Vital em São Paulo foi dirigido pelo meu pai Rubens Teixeira, em 1979 na época em que o ministro da agricultura era Delfin Neto, meu pai resolveu fazer uma galhofa e sugeriu batizar o show de Não entendo nada de Agricultura, e o cartaz era um Abacaxi com os óculos do Delfin, fato é que o show foi no Teatro Cenarte, que ficava na Rua 13 de Maio no Bixiga, espaço undergound administrado pelo casal Otto e Nora Prado, a banda de três músicos tinha na bateria o querido Gigante Brasil. No ano seguinte 1980 Vital grava Taperoá, na sequencia vai para o Acre conhece Chico Mendes e compõe Saga da Amazônia, que na minha opinião deveria ser nosso hino, grava Sagas Brasileiras, em 1982, incluindo Saga de Sevirinin e Saga do Boi Mamão, música épicas, com arranjos elaborados, utilizando orquestras, Chico Cesar viria fazer algo parecido em parceria com Carlos Rennó, a quilométrica e necessária Reis do Agronegócio. Nesse período, Vital já se aproximava de Elomar e cantava suas músicas, assim como Xangai, daí a Kuarup resolve juntá-los, mais o Geraldo Azevedo e fazem o brilhante Cantoria que estreou no Teatro Castro Alves em 1984. Vital como voce bem observou é contraditório, criou com muita poesia músicas de protestos , críticas e profundas, mas acabou descambando como seu colega Elomar e se tornaram reacionários. Certa vez em 2007 fui a Joao Pessoa e o visitei, ele tinha um estudio em casa e na porta tinha um adesivo que ele fez com a estrela do PT em um fundo vermelho, sobescrito PT Partido dos Traidores, foi na época do Mensalão, estava amargurado e o colega que estava comigo queria ir embora, eu falei, guenta que ele vai cantar e você vai adorar, dito e feito, cantou agrarianas uma ópera acompanhada pelos filhos, os mesmos que estavam cantando no velório. Desde essa época me parece que deixou de lado suas causas, e começou a escrever horrores na redes sociais, detonava Dilma, celebrou a prisão de Lula, no ultimo show que assisti dele, a pedido de minha mãe, porque já não tinha interesse, em determinado momento saia do palco e voltava com a camisa da seleção brasileira enaltecendo o feito de Sérgio Moro, minha mãe pediu para ir ao camarim, não fui, e essa foi a ultima vez que vi Vital. Sem dúvida foi um grande poeta e artista, mas pessoalmente se perdeu como tantos outros nesses últimos tempos. De qualquer forma vivemos momentos alegres, divertidos e poéticos. Vá na luz cabra véi, porque aqui ficarão as boas lembranças.