Aqueles que poderiam ter feito alguma coisa não fizeram quando podiam e agora dizem: “Mas o que eu poderia ter feito?”.
Sim, agora provavelmente é tarde demais. Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa se espraia a partir dessa frase, dita pelo protagonista no meio do filme. É basicamente o epicentro filosófico deste pequeno filme azarão das férias de 2025. Contra a odienta ambição de neutralidade de um mundo cada vez mais egoísta e individualista, o caipira de Mauricio de Sousa se reinventa como uma consciência limpa, reunificadora, apaziguadora, simples.
Salpicado dos novos talentos das redes sociais (sucessos como Raul Chequer, do Choque de Cultura; Rafael Saraiva, o Cria do Leblon, e Luis Lobianco, do Porta dos Fundos, entre outros), Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa só se efetiva por dois grandes motivos: a inocência marota do ator Isaac Amendoim (Chico Bento), um talento inato e inesperado, e o duplo twist carpado que opera nas fundações maniqueístas dos desenhos do Mauricio de Sousa, nos quais o estereótipo quase sempre foi a pedra fundamental das histórias.
Cuidadoso com as minorias (a deficiência intelectual de Zé Lelé, que atravancava nos gibis, vira trunfo no filme), mas sem ser panfletário ou discursivo, o filme também evita a vilanização hollywoodiana (o menino-fazendeiro não é um Draco Malfoy, no final das contas) e trata do ambientalismo como uma decorrência natural da sobrevivência cotidiana, o que se revela um achado. Mesmo as motivações da vilania não são encontradas em esquemas mirabolantes, em maldades alucinantes, mas na simples e básica ideia nacional de superfaturamento, de orçamento secreto, do desperdício consentido.
O “cameo” de Mauricio de Sousa é perfeito, o “baile” de criaturas mitológicas é sensacional, a Débora Fallabela arrasa como sempre como a professora Marocas, cujo protagonismo reside em ser escada para a brigada infanto-juvenil. Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa mostra que o futuro possivelmente consiste em garantir que o essencial possa ser desfrutado, nem que seja por alguns momentos, a duração de um pôr do sol ao som de Almir Sater.
Mini-Jeca Tatu dos gibis, Chico Bento retratava a vida caipira como um arcaísmo quase condenatório. Não havia saída para a vida rural ancestral e extemporânea, sempre dividida entre a vara de pescar e o boi brabo atrás da cerca. O filme enxergou além: a vida rural comunitária é hoje uma das raras conexões que conseguimos manter com nossa humanidade ancestral. Chico Bento faz seu mundo se perguntar: mas o que é que é a felicidade, é essa possibilidade infinita de comunicação ou o equilíbrio do qual desfrutamos sem esforço, nos hábitos simples do dia a dia?
Evidente que há coisas que faríamos diferente no filme. A parte de animação exibe o avanço tecnológico do gênero no Brasil, mas não seria lindo se fosse algo retrô? Um retorno aos primeiros garranchos e esboços de Chico Bento na história de sua criação, pelo autor, com animação de ponta?