Do “Vento Leste” ao “Tambor do Mar”: a afro-brasilidade de PC Castilho

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PC Castilho - foto: divulgação
PC Castilho - foto: divulgação

Parceria com Nei Lopes, Tambor do Mar intitula o novo álbum do plural PC Castilho. Sucessor de Vento Leste, de 2008, neste novo trabalho, o artista confessa buscar, mais e mais, se “juntar à negrada”.

O trabalho revela a forte reverência ancestral, temática e ritmicamente. Ele também revela que ter ido à África foi muito importante e fortaleceu seu trabalho, sem esquecer que, antes de tudo, houve a Bahia.

"Tambor do Mar" - capa/ reprodução
“Tambor do Mar” – capa/ reprodução

Grandes músicos comparecem à ficha técnica de Tambor do Mar: Nilze Carvalho, Ana Costa, Cláudio Jorge e Nego Álvaro (vozes), Leandro Braga e Gabriel Geszti (pianos), Hudson Santos (violão e guitarra), Júlio Florindo e Adalberto Miranda (baixos acústicos), Diego Zangado e Antônio Neves (baterias), Bóka Reis (percussão), Maria Clara Valle e Flávia Chagas (violoncelos); Ana Costa, Nilze Carvalho, Maíra Martins, Maria Clara Valle e Flávia Chagas (coro) e Marcelo Caldi (sanfona).

O cantor, compositor, flautista, percussionista, arranjador e produtor conversou com exclusividade com FAROFAFÁ.

PC Castilho - foto: divulgação
PC Castilho – foto: divulgação

ENTREVISTA: PC CASTILHO

ZEMA RIBEIRO: A faixa-título de teu novo álbum é uma parceria com Nei Lopes e reúne diversos convidados especiais para cantá-la com você. Síntese possível do álbum é a afirmação da negritude e o necessário enfrentamento ao racismo e qualquer forma de preconceito e discriminação. Quero começar por te ouvir sobre este aspecto de teu trabalho.
PC CASTILHO: Sim, firmei o ponto com essa música. Além de ser uma honra a parceria com o Nei, que é nosso farol na música, na literatura e nas questões afro-brasileiras, optei por somar outras vozes negras nessa faixa. E ganhou força nosso canto juntos. Tempos atrás ouvi em um debate que fizeram muito para nos separar. E acho que nesse trabalho, mais que em outros que já fiz, tenho buscado mais e mais me juntar à negrada. Começou aí nessa música, que foi a primeira a ser lançada como single. De lá pra cá sigo tentando, inclusive nos shows de lançamento, estar ao lado da negrada. Nossa música é muito a nossa alegria de viver e é também nossa trincheira.

ZR: Falando ainda da faixa-título, “o mar sabe o que estamos lhe dizendo” é tradução do iorubá de “Omi-ô, Iemanjá obi olôcum!”, um mantra de seu parceiro. Impossível não traçar um paralelo e pensar que o planeta sabe o que estamos lhe fazendo. Qual o papel da música e da arte em geral em um tempo em que a atenção é dividida entre guerras e tragédias ambientais e mesmo a arte verdadeira é sequestrada pelos algoritmos e pela inteligência artificial?
PC: Tempos difíceis, é claro. Mas já anunciados e denunciados há tempos por homens e mulheres artistas, cientistas, ambientalistas, indígenas etc. Acredito no papel transformador que a arte tem. Acredito que através da arte se sensibiliza, se conscientiza. E como já falei, é nossa trincheira. Com a arte também nos levantamos e vamos à luta por um mundo melhor para todos.

ZR: “Tambor do Mar” ganhou videoclipe, que evoca a imensidão do mar e também é protagonizado por pessoas negras. Quero te ouvir sobre esta produção audiovisual.
PC: Mais uma vez é a força dessa canção nos movendo. Lancei como single em 2020 mas sempre quis um clipe dela. Fui ao Daniel Lobo, cineasta que sou fã. Ele adorou a canção e topou fazer o roteiro e direção. Nesse clipe juntamos o que a música traz da imensidão do mar e nossa ancestral reverência a ele. E tem também um elemento muito importante que o Daniel trouxe que foi a nossa ocupação de um espaço urbano que é nosso também. E nossa ocupação ali aparece com vários aspectos fortes que passam pela religiosidade, pela dança, pelo afeto, pela liberdade.

ZR: Não somente a faixa-título, mas todas as 10 faixas exalam essa ancestralidade africana. Você esteve na África. Vamos falar sobre essa experiência e o reflexo dela no trabalho.
PC: Fui ao Senegal em 2011, na banda que acompanhou Nilze Carvalho no Festival de Artes Negras. Foi tudo muito rápido, mas muito intenso. Depois fui a Angola com o Coletivo Odu. Fomos a convite do escritor Ondjak. Também foi uma experiência emocionante. Tivemos contato com músicos e estudantes de música lá. Passamos uma tarde musical na casa de Ruy Mingas [cantor e compositor angolano (1939-2024)], a convite da filha dele, Ângela Mingas, que cantou com a gente lá. As duas viagens foram muito importantes para mim e fortaleceram meu trabalho, sim. Mas, antes disso, teve a Bahia. Conhecer Salvador também foi alimento forte em minha vida, em meu trabalho.

ZR: Outros parceiros teus são Rodrigo Maranhão, Diego Zangado, Carmélio Dias e Luís Perequê e você assina somente três das 10 faixas sozinho. Sozinho ou em parceria, como funciona o teu processo de composição?
PC: Já compus de diversas formas. Nas composições com letra, a forma mais habitual é uma melodia que me chega primeiro. Às vezes uma parte, ou algumas partes. E aí vou trabalhando na canção sempre com o violão. Mas também já aconteceu dessa melodia chegar via flauta e depois eu vou trazendo pra voz, adaptando tonalidades e uma nota ou outra que na flauta vai, mas na voz eu não vou. E tem as instrumentais que também vêm de flauta, ou voz, ou assovio, mas sempre vou trabalhar na harmonia ao violão. Já nas parcerias também têm umas variações. Já enviei a música para ser letrada mas também já musiquei letras, poemas. Nas instrumentais em parceria já enviei uma primeira parte pro parceiro dar continuidade. E também já recebi uma parte e segui pra segunda. Já compus para espetáculo de dança para crianças e algumas a partir do movimento proposto. Na real, temos vários caminhos que podem alimentar nosso processo criativo.

ZR: Tenho uma querida amiga chamada Moara, que ficou super-contente quando eu mostrei-lhe a música que leva seu nome. “Moara” é liberdade em tupi. Quero te ouvir particularmente sobre esta composição.
PC: Fiz essa música para minha sobrinha-neta quando ela ainda estava na barriga da mãe. Hoje ela é uma linda criança que ama o mar e toca tambor livremente. E para minha felicidade, gosta e canta a música que fiz pra ela. Que todas as Moaras sejam felizes com nossa música.

ZR: Este teu novo álbum sai em uma parceria com o selo Pacific Sands Recordings, de Los Angeles. O que isto representa, para você?
PC: É uma parceria muito importante e positiva no meu trabalho. Confesso que tenho uma expectativa de que ela ajude nossa música a chegar mais longe, a mais pessoas, em outros mares.

ZR: Compositor, cantor, flautista, percussionista, violonista, arranjador, produtor e professor. Estas tantas facetas que te habitam convivem harmoniosamente e se ajudam?
PC: Sim, convivem e se ajudam muito. Gosto de todas essas facetas e sigo me organizando para que elas sejam sempre prazerosas. Conflitos entre elas também acontecem nas questões mais “burocráticas”. Mas no aspecto criativo, todas se complementam e se alimentam.

ZR: Teu álbum de estreia, o duplo Vento Leste, foi lançado em 2008. Você tem vasta trajetória na música, são mais de 35 anos de carreira, e particularmente no mercado fonográfico, tendo participado de grupos e gravado com outros artistas. A que se deve a demora entre um disco e outro?
PC: Por diversas causas. Uma delas é a dificuldade que temos de viabilizar trabalhos autorais. No meu caso tem também as diversas facetas que falamos anteriormente. Além de meu trabalho solo, também acompanho outros artistas, leciono, componho trilhas. Então, juntando todas as questões, fico feliz por seguirmos em frente.

ZR: Por falar em Vento Leste, expressão presente no clássico “Na Asa do Vento”, de João do Vale (1934-1996) e Luiz Vieira (1928-2020), na letra de “Festa na Praia” você cita o tambor de crioula, manifestação tipicamente maranhense. Outro dia eu entrevistei o Curumin e ele disse que parecia estar na África quando viu a dança pessoalmente aqui. Você conhece o Maranhão? Em termos de música, o que te chama a atenção, daqui?
PC: A rica diversidade da música brasileira me encanta muito. Em especial a tudo que está ligado a nossa ancestralidade. A música afro-brasileira, com sua rítmica, seus tambores, o canto, a dança. Já fui ao Maranhão, mas preciso voltar e ficar por mais tempo para vivenciar esses tambores todos.

ZR: Como está a agenda? Shows de lançamento, perspectivas de circulação com este novo trabalho? O que você pode contar?
PC: Já fizemos alguns shows desse lançamento aqui pelo Rio de Janeiro. A banda é grande e aí esbarramos naquelas dificuldades estruturais para viabilizar viagens. Mas estamos na expectativa também de que isso possa acontecer via editais culturais em que o projeto está inscrito. Por enquanto, seguimos com as apresentações aqui no Rio. A próxima confirmada é 29 de novembro no Centro de Referência da Música Carioca. E minha agenda também inclui apresentações com a cantora Nilze Carvalho, que está também lançando seu álbum novo, em que participei das gravações. Estarei com ela nos shows em outubro e novembro no Circuito Sesi e Sesc pelo interior aqui do Rio. 

ZR: Tambor do Mar vai ter edição física, em cd ou vinil?
PC: É um assunto em andamento com o selo. Por hora, nada de concreto sobre isso. Mas estou na torcida.

ZR: A gente sabe que um álbum, depois de lançado, passa por um processo desde a disponibilização nas plataformas de streaming, tocar no rádio, shows etc. Mas a gente sabe que além do que está em Tambor do Mar você tem uma gaveta cheia. O que pode adiantar de novos projetos?
PC: Verdade. Tenho um disco já desenhado em minha cabeça. Repertório já escolhido com inéditas. Algumas canções eu já estou experimentando nos shows do Tambor do Mar. Acho que posso adiantar que penso em uma instrumentação diferente para o próximo álbum. Com naipe de sopros e algumas cordas. E sempre com muita percussão e vozes. Vamos ver…

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Ouça Tambor do Mar:

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