A experiência do ‘AO VIVO [dentro da cabeça de alguém]’

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Imagem da atriz Renata Sorrah na peça "AO VIVO [dentro da cabeça de alguém]"
Renata Sorrah, em cartaz com a peça "AO VIVO [dentro da cabeça de alguém]", da Companhia Brasileira de Teatro - Foto: Nana Moraes/ Divulgação

Renata Sorrah entra no palco e, em silêncio, começa uma cena de mímicas. Alterna entre gestos singelos e outros mais vigorosos, quase abruptos. Está querendo dizer algo, mas resta ao público apenas supor a mensagem. Um gatilho de adivinhações é disparado, um convite para que a imaginação também faça parte do espetáculo. Este é o ponto de partida de AO VIVO [dentro da cabeça de alguém], peça criada pela Companhia Brasileira de Teatro que estreou no Teatro do Sesi, em São Paulo.

A cena inicial se repetirá outras vezes, narrada pela atriz e pelo resto do elenco, que se completa com Rodrigo Bolzan, Rafael Bacelar, Bárbara Arakaki e Bianca Manicongo (também conhecida como Bixarte). Se se pudesse resumir a intenção desta cena (e da montagem como um todo), arriscaria dizer que se trata de um ensaio sobre a arte de estar presente, uma reflexão sobre a temporalidade e a produção de sentido em tempos de incerteza. AO VIVO [dentro da cabeça de alguém] é uma bem intencionada vontade de responder a questões tão filosóficas quanto “quantos e quem são os ‘eus’ dentro de mim?”, “o que me fez chegar até aqui?”, “como sobrevivemos?”.

AO VIVO [dentro da cabeça de alguém] gira em torno da atriz Renata Sorrah, partindo da cena inicial que remete a outro espetáculo, A Gaivota, de Anton Tchecov, que ela participou nos anos 1970. Naqueles primeiros gestos, resgatando reminiscências da montagem anterior, a atriz mergulha em si mesma, revisita momentos marcantes de sua carreira e flerta com a fantástica experiência de conhecer como nossa mente opera. Esse é o mote da peça, escrita e dirigida por Marcio Abreu. Em sua pesquisa e criação, o dramaturgo trabalhou com os artistas Nadja Naira, Cássia Damasceno e José Maria. O resultado é surpreendente.

Um jogo de passado, presente e futuro é proposto, sem que qualquer linha cronológica seja interposta à encenação. As memórias de cada um são mesmo caóticas, vão e vem num infinito balé de lembranças dispersas, incoerentes entre si e que provavelmente só façam algum sentido para quem as viveu. E não se pode perder de vista que não é improvável que algumas das memórias não tenham passado de sonhos que nunca foram realidade, apesar de tão reais. Como fazer com que tudo isso se encaixe dentro de um espetáculo, como propõe AO VIVO [dentro da cabeça de alguém], é o que torna a montagem desafiadora.

Ensaio de "AO VIVO [dentro da cabeça de alguém]", peça da Companhia Brasileira de Teatro
Ensaio de “AO VIVO [dentro da cabeça de alguém]”, peça da Companhia Brasileira de Teatro – Foto Nana Moraes/ Divulgação

Tchecov (1860-1904) é uma fonte de inspiração, mas aparecerá de forma sutil na montagem. Os conflitos emocionais, as relações interpessoais complexas e as reflexões sobre a existência, tão presentes na obra do escritor russo, revestirão AO VIVO [dentro da cabeça de alguém] de uma camada adicional de complexidade. Os temas da solidão, desejo, sonho versus realidade são intercalados sem necessariamente um conflito, um desfecho ou um clímax. Marcio Abreu, que já assina outros trabalhos com a Companhia Brasileira de Teatro (O Espectador e Por que não vivemos?), segue à risca o ensinamento tchecoviano da “importância das coisas não importantes”.

O elenco talentoso, que performa confortavelmente na instalação cenográfica, assinada por Batman Zavareze, João Boni, José Maria, Nadja Naira e Marcio Abreu, e sob música original de Felipe Storino, ajuda a conceber uma história que não é individual, mas coletiva. A narrativa, fragmentada e fluida, evoca a lógica da mente humana, entrelaçada por sonhos, mas que capta diferentes percepções e experiências de cada integrante. A peça não ofertará respostas fáceis, mas permitirá que o espectador questione o valor da arte e de seu papel na construção de um futuro coletivo e, (esperamos) “terrivelmente”, humano.

AO VIVO [dentro da cabeça de alguém]. Com a Companhia Brasileira de Teatro. No Teatro Sesi, de quinta-feira a sábado (20 horas) e domingos (19h), até 1º de dezembro. Grátis, com reserva no site.
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