Afinal, Beyoncé plagiou a rapper brasileira Flora Matos? Essa é a pergunta do momento nos meios musicais, pelo menos aqui no Brasil.
Artistas brasileiros geniais são constantemente imitados, plagiados, copiados, sampleados, inteligenciartificializados. O maior de todos: Jorge Ben Jor. De Rod Stewart a Black Eyed Peas, todo mundo já tirou sua casquinha.
Exemplifiquemos.
Em 1978, o escocês Rod Stewart lançou “Da Ya Think I’m Sexy”, hit creditado ao próprio Rod e a seu parceiro (e baterista) Carmine Appice.
Seis anos antes, Ben Jor, então chamado Jorge Ben, havia composto e gravado um sucesso amplo, mas de abrangência apenas nacional, denominado “Taj Mahal” (lembremos que em 1972-1978 não existiam internet, redes sociais, plataformas de streaming, metaverso, inteligência artificial etc.).
Bem mais tarde, na era áurea do sample e no alvorecer da internet, o DJ inglês de música eletrônica Fatboy Slim começou a se apoderar da obra de Jorge quando, em 1996, inseriu a abertura de “Errare Humanum Est” (1974) em “Big Beat Souffle“. Ele repetiu a dose em 2004, interpolando outra versão de “Taj Mahal” no hit de pista “Wonderful Night“.
Em 1998, o grupo estadunidense de rap Black Eyed Peas apresentou o CD Behind the Front, com samples de músicas de Jorge Ben em três faixas. A mais evidente é a faixa de encerramento, “Positivity”, que contém a introdução completa de “Cinco Minutos”, do antológico álbum A Tábua de Esmeralda (1974), mas cuja autoria foi atribuída a Alan Pineda, William Adams (conhecido como will.i.am), Jaime Gomez, Michael Fratantuno e Kevin Feney.
Behind the Front traz também trechos de “Comanche” (1971), na faixa de abertura “Fallin’ Up“, e de “O Homem da Gravata Florida” (1974), manjadíssima dentro de “A8”. Os BEP reverberavam a paixão explícita dos paulistanos Racionais MC’s por Jorge Ben, mas varrendo o “parceiro” inspirador para debaixo do tapete. (Até hoje ninguém acredita que o Black Sabbath plagiou Vanusa, ou que o Kiss copiou o visual andrógino dos Secos & Molhados, mas isso é – mais ou menos – outra história.)
Entre Rod Stewart e os Black Eyed Peas, em fase pré-sample e pré-internet, houve o inacreditável grupo eurodisco jamaicano-caribenho-alemão-inglês Boney M., que em 1985 converteu o refrão de “Xica da Silva” numa impagável e eurotropical “Chica da Silva” (ou Tica da Selva, para nossos ouvidos). A criação, nesse caso, foi assinada por Frank Farian (o produtor alemão por trás do Boney M.), Catharine Courage e Robert Rayen.
Enquanto isso tudo acontece e não para de acontecer, aqui no presente a molecada inculta nutrida a lixo dos EUA segue pagando o mico de ridicularizar o poder viral da música brasileira.
O caso atual, de tempos bem mais complexos que os dos velhos samples e das velhas rapinagens, é o do hit disco-country “Bodyguard”, que a texana Beyoncé teria (ou não) surrupiado do também sucesso (bem mais modesto e localizado, mas coverizado até pelo talentoso astro pernambucano do piseiro João Gomes) “Piloto” (2018), da controversa rapper brasiliense Flora Matos.
O escândalo passa batido na matriz e no multi-império de Beyoncé. No Brasil, divide a claque das redes sociais entre o muxoxo desdenhoso e o deboche “tá tranquilo, tá favorável” (como é o caso desta divertida “mashup”) (e deixando de lado a obviedade de que falar até papagaio fala).
Podemos seguir brincando disso indefinidamente. Alem de riquíssima, a fonte da música brasileira é inesgotável. Na prática, a totalidade dos copyrights está em poder de empresas multinacionais estadunidenses, europeias e japonesas, e nunca do Brasil. Somos tratados como lixo porque nos entendemos como lixo.