A Fundação Cultural Palmares (FCP) iniciou neste mês de fevereiro a instalação de uma Comissão Permanente de Formação, Desenvolvimento e Gestão do Acervo para orientar o crescimento ordenado, racional e contínuo do seu acervo literário. A decisão visa a resgatar a politica de acervos da instituição, cuja biblioteca foi alvo de furioso ataque e árduo embate judicial com o ex-presidente bolsonarista da fundação, Sérgio Camargo. Este promoveu em 2021 um expurgo ideológico de obras do acervo da fundação que considerava “eivado de marxismo e perversão sexual”, repetindo ação do nazismo alemão em relação à “arte degenerada”, que fundamentou perseguição a artistas, curadores, museus e professores.
A lista de Camargo, que anunciou estrepitosamente em sua rede social, em 2021, com fotos, preconizava a supressão de 300 livros que o bolsonarista considerava pervertidos – entre eles, livros do Marquês de Sade (1740-1814), que passou a maior parte da vida sob perseguição política durante a Revolução Francesa, e diversos outros de sociologia de Karl Marx (como O Capital), do surrealista Benjamin Péret (Amor Sublime), do filósofo e historiador literário György Lukács. O militante de extrema direita chamava as obras de “marxistas, bandidólatras, de perversão e de bizzarias (sic)” e postou foto da porta de uma sala onde teria confinado os livros “perigosos”.
Camargo só não se desfez dos livros que segregou porque foi alvo de uma Ação Popular e impedido pela Justiça. O problema é que a decisão prossegue e a FCP ficou momentaneamente impedida de realizar qualquer tipo de movimentação dos itens que compõem o seu acervo, conforme extrato do teor principal da decisão judicial: “[…] determino que a ré se abstenha de realizar qualquer tipo de movimentação dos itens que compõem o seu acervo, independentemente da natureza, origem, temporalidade, autoria, formato ou suporte, exceto para fins de consulta local, até ulterior deliberação, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais)”.
“Não obstante sua missão institucional fundar-se na valorização da inestimável contribuição negra à formação da sociedade brasileira, esta instituição atravessou os últimos anos enfrentando críticas, controvérsias e debates a respeito de sua eficácia e reformulação”, diz o texto da Resolução da FCP. Para ampliar o debate de constituição e ampliação do acervo, a fundação abre à comunidade os critérios necessários para a formação e desenvolvimento do acervo bibliográfico, apontando métodos de trabalho apropriados que fundamentem as decisões do profissional bibliotecário e da Comissão (sob orientação de Henrique Bezerra de Araújo, especialista em Arquivologia e Museologia).
“O acervo histórico-literário assume papel crucial no registro e promoção da nossa matriz identitária negra no seio de toda a pluralidade cultural brasileira, de modo a combater estigmas e marginalizações histórico-sociais; bem como incentivar a produção cultural contemporânea e enaltecer políticas públicas de pertencimento. As contribuições para enriquecer o acervo compreendem: documentar tradições; preservar manifestações culturais afro-brasileiras, promover produções contemporâneas e investir em programas educacionais. Essas medidas seguem ao encontro do fortalecimento da inclusão social e do combate ao racismo estrutural”, afirma a publicação.