O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sergio Camargo, anunciou nesta quarta-feira que “revelará para a sociedade” uma lista de 300 livros que considera imorais que fazem parte do acervo da instituição. Um lote que ele considera “eivado de marxismo e perversão sexual”. Camargo emula assim um dos procedimentos célebres do nazismo quando criou sua catalogação do que seria “arte degenerada”, que fundamentou perseguição a artistas, curadores, museus e professores.

A lista de Camargo, que teve uma prévia fotográfica em sua página numa rede social (logo retirada, mas devidamente fotografada pelo Farofafá), contém na maioria clássicos consagrados no mundo todo. Entre eles, livros do Marquês de Sade (1740-1814), que passou a maior parte da vida sob perseguição política durante a Revolução Francesa, e diversos outros de sociologia de Karl Marx (como O Capital), do surrealista Benjamin Péret (Amor Sublime), do filósofo e historiador literário György Lukács.

Camargo não disse o que fará com os livros, mas certamente, pela inspiração de seu fanatismo de extrema-direita, tende a fazer o mesmo que fazia a burocracia estatal do romance Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. Ele diz que o acervo comprova o legado cultural de inúmeras gestões de esquerda na Fundação Palmares. Na verdade, comprova que houve intelectuais republicanos ali antes de sua lamentável passagem.

Curiosamente, Sérgio Camargo intensifica sua guerra cultural, mas não comentou a revogação da proteção ambiental dos quilombos brasileiros, ato que promoveu na surdina e foi revelado aqui ontem, terça.

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4 COMENTÁRIOS

  1. O “cancelamento” dos livros é uma maneira moderna de “queima-los” na fogueira. Mas isso não é novo. Nem desconforme ao que vemos em relação às unidades da Secretaria Especial de Cultura desde setembro de 2019, com a gestão Alvim. Existe coerência nessas ações:

    1. Foram retirados os cartazes dos filmes brasileiros dos corredores da Ancine, com alegação questionável. Também foram banidos do site. (2019)

    2. Foram cancelados pela Ancine os programas de apoio à internacionalização do cinema brasileiro (apoio à participação em mostras e festivais, a encontros de mercado etc), e não foram substituídos por nenhuma outra ação, mesmo não presencial (2019).

    3. Foram paralisados pela Ancine os lançamentos de novos editais de fomento por investimento e fundo perdido (2019 a 2021). Após muita pressão, foi lançado um programa apenas para os setor de exibição e outro de crédito emergencial (empréstimo), no segundo semestre de 2020.

    4. A Ancine foi acusada de paralisar o andamento da análise de projetos e contratação do FSA (2019 a 2021), o que rendeu uma ação de improbidade contra o então diretor presidente Alex Braga e sua turma. A Ancine se defendeu mostrando que vem contratando (na verdade, basicamente, números inflados pelo programa para exibidores e crédito emergencial, o que não se refere ao passivo).

    5. O Iphan fez nomeações questionadas pelo MPF. Paira a dúvida se o sistema de proteção aos sítios arqueológicos, paleologicos e ao patrimônio histórico nacional será alvo de “flexibilização” como foi no IBAMA e na Fundação Palmares, pois “atrapalhariam as obras de infraestrutura e a economia”.

    6. Foram relatadas perseguições no âmbito da Casa de Rui Barbosa e críticas as novas atividades empreendidas pela gestão, que não guardariam conexão histórica com as atribuições da instituição (2020)

    7. As empresas estatais secaram progressivamente as fontes de recursos destinadas a Lei Rouanet (2019-2021).

    8. Tanto a Ancine quanto a Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo adotaram regras de atrelar novos projetos à resolução do passivo de prestação de contas, o que significa reduzir o ritmo (2020 a 2021)

    9. A Ancine e o então ministro Osmar Terra foram acusados de intervir no edital da diversidade do FSA com a EBC para “cancelar” projetos LGBT para fins de se agradar o Presidente da República, que fez crítica a projetos em sua live semanal (2019).

    10. A Funarte parece sofrer uma redução de ações e teve farpas soltas nas sucessivas trocas de comando.

    11. Houve militarização em várias instituições da Cultura (Secretaria Especial de Cultura, Ancine, Funarte etc).

    12. A Ancine foi objeto de ataque e ocupação do centrão, especialmente nomeando pessoas ligadas ao PL e PSL (2019 a 2021).

    13. Uma pessoa ligada ao PSL assumiu a Ancine na condição de diretor presidente substituto sem a publicação de ato de designação para esta função. Além disso, da leitura do § 7º do art. 5° da Lei 9.986, um diretor substituto não poderia ser designado presidente ou presidente substituto (2021)

    14. Mesmo com vagas para efetivos registradas em fevereiro, outubro e novembro de 2019 na diretoria da Ancine, o governo não tratou a tempo das indicações e suas aprovações, fazendo um jogo de tira e bota. Isso foi conveniente para se ter apenas substitutos na gestão, precários, que são reconduzidos em rodízio contestado legalmente. Isso torna a diretoria, que deveria ser autônoma, a objeto de submissão aos interesses do governo (2019-2021).

    15. Um Secretário Especial de Cultura se fantasiou de Goebbles e fez um discurso parafraseando o burocrata nazista. Com direito a trilha sonora adequada (2020)

    16. A Secretaria de Direitos Autorais foi transformada em uma unidade de proto-policial contra sites que ofendam aos interesses Bolsonaristas.

    17. A FBN submergiu e sumiu.

    18. Vozes ligadas aos órgãos da Secretaria Especial de Cultura se manifestaram para tomar o Museu Nacional da UFRJ e transforma-lo num local de glória à Monarquia. Talvez tenham esquecido que o Palácio foi doado à família real pelo maior traficante de escravos do país na época.

    19. A Fundação Palmares resolveu abolir e cancelar personalidades como Gilberto Gil e outros acusados de serem comunistas.

    20. A Fundação Palmares resolveu flexibilizar as normas de proteção ambiental conexas aos quilombos. Não se sabe se ela tem outra política para quilombolas…

    21. Não houve movimento para de prorrogar a cota de tela nos cinemas, cujo prazo vence em setembro de 2021, após vinte anos da MP 2.228.

    22. Não houve movimento para se regular o Vídeo Por Demanda. Ao contrário, a Ancine mudou de posição e passou a se posicionar mais favorável à alteração da Lei do SEAC. Além disso, passou a boiada de se blindar o VOD de não pagar CONDECINE para o FSA.

    Os exemplos poderiam chegar a 100 ou mais, o que demonstra um programa de desconstrução para construir uma nova ordem, mesmo que para isso se atropele a constituição e as leis.

    Não difere da política da Funai e, especialmente, daquelas dos órgãos do Ministério do Meio Ambiente, como o IBAMA. Aliás, tradicionalmente o MMA e a Secretaria Especial de Cultura (antigo MinC) ocupam e dividem o mesmo prédio na Esplanada.

    O que está sendo feito é programado e proposital. Muito mais bem desenhado do que na época do Collor. Não é um desmonte. É a criação de um novo aparato de dirigismo, cooptação e submissão da classe artística, para que se vendam e produzam cultura aliada ao pensamento ideológico Bolsonarista.

    • Não sei se isso foi uma retrospectiva ou uma “reto expectativa”, mas o fato é que esse desgoverno vem atropelando.

      Eles passarão. Esse reino não vai durar mil anos. Cairá em 2022. E todos nós vamos lembrar dos artistas, atrizes, atores, cantores, cantoras, cineastas e demais fazedores e gestores culturais que namoram ou acasalaram com esse regime. E vamos lembrar também dos servidores públicos que exerceram seus cargos e funções nessa gestão.

      A fatura virá.

  2. É isso…
    Cada apoiador, artista, servidor, gestor ganha uma bela tatuagem no meio da testa. Todos estão vendo quem apoia o desmonte na cultura, a negligência com a compra de vacinas, a supremacia do discurso ideológico sobre o discurso técnico científico, etc.

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