Morreu em São Paulo neste domingo, 11, aos 94 anos, um dos personagens-chave da transformação da cultura jovem no Brasil a partir do final dos anos 1950. O nome dele era Antonio Aguillar (1929-2024), apresentador de rádio e TV, produtor, escritor e fotógrafo paulista. Aguillar foi o responsável por conduzir Roberto Carlos para o rock’n’roll e ajudou a disseminar a carreira do cantor capixaba, mas antes disso, e muito depois, atuou como produtor e padrinho das inúmeras bandas de rock que surgiam na virada dos anos 1960 para os anos 1970, muitas delas ainda sem norte e sem ideia do que buscavam na música.
Em 1961, quando pilotava o programa Ritmos para a Juventude, líder de audiência na época, Antonio Aguillar impulsionou as carreiras da maior parte dos grandes ídolos jovens populares daquela década, alguns ainda em gestação. “Roberto Carlos não cantava músicas para a juventude quando veio para minhas mãos; cantava apenas coisas do João Gilberto, e acabou sendo lançado no meu programa”, contou Aguillar em entrevista para o livro Roberto Carlos – Por Isso Essa Voz Tamanha (Todavia Livros, 2020). A canção que fez Roberto estourar em São Paulo foi a versão de “Splish Splash”. “Até então, ninguém queria o Roberto”, contou.
Mas sua ação como produtor e divulgador ajudou a forjar diversas carreiras, como os Jordans, Clevers, Youngsters, Incríveis, os grupos
que criaram a sonoridade que mudou a face de uma época (também recepcionou estrangeiros, como a cantora italiana Rita Pavone). assim como recepcionou e ajudou na divulgação dos ídolos da Jovem Guarda a São Paulo, atuação que o levou a ser conhecido pelo apelido de “Timoneiro do rock’n’rol”. Conheça parte da história do apresentador e agitador cultural como ele a narrou para meu livro:
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No dia 24 de abril de 1958, quando o avião de Bill Haley desceu no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com o deflagrador do rock’n’roll acompanhado de sua banda His Comets, um dos primeiros fotógrafos profissionais a se posicionarem para os flagrantes era o rio-pretense Antonio Aguillar, que tinha se tornado jornalista na raça e estava então trabalhando no tradicional diário O Estado de S.Paulo. Aguillar sabia que havia um poderoso incêndio ali a se registrar: pouco tempo antes, tinha presenciado uma inflamada sessão de “Ao Balanço das Horas” (Rock Around the Clock) no Cine Art Palácio, na qual os jovens atiravam cadeiras para cima, dançavam e jogavam-se uns contra os outros, e tinha se convencido que aquela onda jovem era irrefreável e iria dominar o mundo. “Briguei com meio mundo por causa dessa opinião, porque era todo mundo contra o rock’n’roll, não era muito bem visto pela sociedade. Era um tempo em que as famílias não deixavam as filhas saírem, os jovens tinham sua alegria represada, não tinham como se manifestar”, contou o fotógrafo.
O rock’n’roll estava começando a conquista do mundo. Precisava de novos convertidos. Pouco depois, Aguillar, movido por essa compreensão, acabou largando o jornalismo impresso para escrever para o rádio boletins que eram lidos por um jovem jornalista, Joelmir Betting. Logo em seguida, assumiu um programa de jovens na Rádio 9 de Julho e, em seguida, virou âncora de quadros no Programa do Pato. No Clube dos Garotos, ele passou a dominar a ciência do programa de auditório. Foi quando assumiu um programa chamado Ritmos para a Juventude, que cimentaria definitivamente sua reputação de visionário. Sua providência inicial foi promover um dos primeiros e únicos grupos de rock’n’roll da época, The Jordans, que se tinha juntado em 1958 e para o qual ele ajudaria a lançar o primeiro disco, “A Vida Sorri Assim” (1962). Não eram muitos os programas, àquela altura, que davam palco para essa galera. Celly e Tony Campello tinham pilotado durante algum tempo o Crush Hi-Fi, na TV Record, no qual tocavam não apenas The Jordans, como The Rebels, Antonio Claudio, George Freedman e outros pioneiros.
Em São Paulo, quem dava as cartas naquela época no ramo da juventude era Antonio Aguillar. Ele já tinha as credenciais de ter lançado diversas bandas, como The Flyers e The Jordans (banda que já acompanhava o primeiro ídolo nacional do gênero, Carlos Gonzaga), então havia uma romaria para conquistar a visibilidade que ele garantia aqui em São Paulo para os artistas e grupos do jovem rock nacional. Aguillar estava em sua casa um dia quando recebeu uma ligação. Era Abelardo Barbosa, o Chacrinha. O colega pernambucano estava em São Paulo e queria vê-lo, pediu que fosse ao seu hotel, o Normandie. Aguillar foi até a Avenida Ipiranga e subiu ao quarto do Chacrinha. “Antonio, eu estou lançando um cara no Rio e quero que você me ajude a promovê-lo aqui em São Paulo. É um rapaz que vai virar um fenômeno, um ídolo da juventude, eu te garanto. Você topa?”. Aguillar disse: “Olha, não sei se vai dar certo, não é tão simples, Chacrinha, mas um pedido seu é uma ordem”.
Uma semana depois, Aguillar foi encontrar o rapaz que Chacrinha recomendava no Hotel Lord, e procurou ser franco com o garoto: “Eu não faço milagre, Roberto”, disse Aguillar a Roberto Carlos, o apadrinhado de Chacrinha. “Se você souber conduzir sua carreira, fará sucesso. O que posso fazer é expor você”. Roberto lhe disse que a CBS estava investindo nele e tinha contratado, para divulgá-lo em São Paulo, a promotora Edy Silva. O jovem capixaba estava então com um único compacto para divulgar, “Malena” e, ao ouvir, Aguillar aceitou a contragosto. “Você tem que cantar rock, Roberto. Senão você não sai do lugar!”, aconselhou ao garoto. Roberto não ficou chateado. Coçou a cabeça e respondeu a Aguillar: “Vou falar com o Erasmo, ele sabe de rock”.
Não conhecia.