Divulgado em meados de dezembro, um novo estudo do Datafolha e da Fundação Itaú sobre os hábitos culturais dos brasileiros passou meio batido na maçaroca de notícias e apelos do final de ano, mas é um diagnóstico que merece um olhar mais aprofundado sobre algumas de suas conclusões. Na conclusão geral, enfatizada pelos pesquisadores, é possível afirmar que os brasileiros passaram a fazer mais atividades culturais em 2023 (em comparação com 2022). O consumo de cultura on-line, em tendência confirmada, foi o que mais cresceu, mas atividades como apresentações artísticas, exposições e visitas a museus e centros culturais surpreenderam e também tiveram público maior.
De acordo com o levantamento, 96% dos entrevistados declararam ter realizado atividades culturais em 2023, entre online e presenciais (o índice anterior foi de 89%, conforme declaração dos entrevistados). A pesquisa ouviu 2.405 pessoas de 16 a 65 anos em todas as regiões do país, em entrevistas presenciais e telefônicas, entre os dias 1º e 28 de setembro. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos. O índice de confiança da pesquisa é de 95%. Cada ponto percentual representa 1,4 milhão de indivíduos.
Ouvir música e assistir a filmes e séries em plataformas de streaming são as atividades culturais mais realizadas pelos brasileiros. O consumo de filmes e séries on-line avançou de 70%, em 2022, para 74% dos entrevistados em 2023. Apesar do hábito e desse mercado consolidados, não há ainda uma regulação do setor por parte do governo brasileiro. 82% dos entrevistados declararam ter ouvido música em plataformas digitais em 2023 (ante 80% em 2022). O consumo de música online é de 92% nas classes A/B e de 70% na DE.
Na outra ponta da assiduidade na área musical, há uma revelação interessante sobre a música ao vivo que pode surpreender os executivos dos grandes festivais: apenas 6% dos brasileiros estiveram em algum festival de música presencial em 2023 (ante 14% em 2022, uma queda significativa, já que o número de festivais cresceu). O perfil desses festival-goers é o seguinte: têm, majoritariamente, entre 16 e 24 anos, são brancos e cursam ensino superior (a maioria) e pertencem à classe AB. Apenas 2% da classe DE foram a festivais, e 5% de negros. Pessoas com mais de 45 anos são somente 3% dos frequentadores de festivais de música.
O consumo de podcasts foi outro destaque do levantamento. Considerado por alguns uma atualização da velha paixão pelo rádio, os podcasts estabeleceram-se: 48% dos entrevistados disseram ter realizado este tipo de atividade em 2023 (em 2022, o índice era de 42%). Nas regiões metropolitanas em geral, mapeadas pela pesquisa, o índice é de 50% e, no interior do país, os podcasts alcançaram 46% dos indivíduos.
A maior parte dos ouvintes deste tipo de plataforma se concentra na faixa de 16 a 24 anos, estrato em que 64% dizem ter acessado programas do gênero. A audiência também é concentrada na classe AB, segmento em que 72% ouvir podcasts. Os que menos escutam podcasts são os indivíduos de 45 a 65 anos, estrato em que apenas 33% dizem consumir estes conteúdos, e indivíduos da classe DE, segmento onde o alcance é de 26%, o que configura uma expressiva resistência etária ao “novidadismo” digital.
A leitura de livros online e e-books também aumentou, segundo o levantamento. A leitura desses produtos em telas saltou de 30%, em 2022, para 42% da amostra na pesquisa de 2023. O hábito foi puxado pelo Sudeste, onde 48% declararam ter realizado a atividade, e pelas regiões metropolitanas (46%). Na região metropolitana de São Paulo, o índice chega a 51%. Já no interior do país, o hábito é menor.
Os livros online e e-books são mais acessados por mulheres (44%) do que por homens (39%). Os jovens puxam o consumo: 63% das pessoas de 16 a 24 anos declararam que tiveram contato com este tipo de produto, contra 28% entre o público de 45 a 65 anos. A atividade foi mais intensa no grupo AB do que no DE.
Embora o online tenha se consolidado na liderança, outras atividades da cultura também avançaram em 2023. O principal salto se deu nas atividades de música, dança e teatro, que passaram a ser realizadas por 45% dos entrevistados, índice 27 pontos percentuais maior que os 18% verificados em 2022. Também houve crescimento do público de cinema (33% viram algum filme nas salas de exibição, ante 26% em 2022), de exposições e museus (26% em 2023, contra 8% em 2022), centros culturais (19% ante 11%), teatro infantil (24% frente a 18%), bibliotecas (14% ante 11%) e de seminários (17% em 2023, ante 13% em 2022). Oficinas de criação para crianças também viram o público aumentar (de 7% para 10%), mesmo fenômeno verificado no caso de saraus de poesia, literários ou musicais, nos quais o público expandiu de 6% para 12%, entre 2022 e 2023.
Enquanto a maioria das atividades culturais registrou maior aderência de público, o acesso a cursos online, que aumentou durante a pandemia, entrou em declínio. Em 2021, 41% fizeram cursos de cultura nas plataformas online. Em 2022, o índice caiu para 28% e, em 2023, a atividade foi mencionada por apenas 14% dos entrevistados. A estabilidade ficou com os jogos online: 40% da amostra ouvida pelo Datafolha diz que praticou jogos online em 2023. O índice era de 39% em 2022. A audiência dos webinares também estacionou na casa de 24% (mesmo patamar, dentro margem de erro, de 25%, verificado em 2022).
Jader Rosa, superintendente do Itaú Cultural, considerou que a pesquisa explicita um momento de retomada da economia da cultura, “com a consolidação da volta do público e a reativação dos equipamentos”. Já Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú, salientou que a pesquisa é parte de um esforço sistemático de oferecer dados e evidência para a compreensão da cultura como força de desenvolvimento, um segmento crucial para a economia e o bem-estar dos brasileiros.