O bandolinista Joel Nascimento acalentou durante muito tempo o sonho de ter seu repertório para piano solo registrado em disco. Após mais de uma década de conversas com a pianista Maria Teresa Madeira, o sonho se tornou realidade: chegou hoje (17) às plataformas de streaming, o álbum “Maria Teresa Madeira interpreta Joel Nascimento” (Biscoito Fino, 2023), que reúne em uma dúzia de faixas 15 peças do compositor, entre regravações e inéditas.
Considerado um dos mestres do choro, o repertório autoral do carioca Joel Nascimento, interpretado pela conterrânea Maria Teresa Madeira, surpreende pela diversidade, ampliando o leque pelo qual ele se tornou mais conhecido, embora não esconda as influências de Ernesto Nazareth (1863-1934), Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e Radamés Gnattali (1906-1988) – o bandolinista integrou a Camerata Carioca, grupo capitaneado pelo maestro gaúcho, responsável pela revitalização do choro no Brasil, entre as décadas de 1970 e 1980.
Fruto de diálogos entre compositor e intérprete, “Maria Teresa Madeira interpreta Joel Nascimento” tem produção musical de Joel Nascimento e Carlos Sion e é lançado às vésperas do aniversário de 86 anos do compositor.
De férias nos Estados Unidos, Maria Teresa Madeira falou com exclusividade ao FAROFAFÁ.
QUATRO PERGUNTAS PARA MARIA TERESA MADEIRA
ZEMA RIBEIRO: Como surgiu a ideia de um álbum inteiramente dedicado ao repertório de Joel Nascimento? Ele se notabilizou como bandolinista e você apresenta um álbum de piano solo. Houve alguma dificuldade com o repertório?
MARIA TERESA MADEIRA: Joel me procurou há alguns anos, talvez mais de 10 anos atrás, eu não lembro exatamente, dizendo que ele queria que eu gravasse essas peças para piano dele, que era um sonho, para ele, ter esse repertório gravado. E nós ficamos conversando durante muito tempo, até que o projeto viabilizou, através da Biscoito Fino. Então, eu toquei as músicas para ele, fui tirando dúvidas, mas na verdade foi ele mesmo quem fez as músicas para piano solo. Eu não fiz a transposição. Ele mesmo escreveu. Mas em alguns momentos nós conversamos sobre a escrita pianística, o efeito que ele gostaria de dar, que ele gostaria de provocar nessas músicas. Então, algumas coisas ele foi muito generoso, assim, para reescrever, trocar algumas coisas, mas na maioria das vezes, tudo se resolveu, foi tudo bem possível de tocar. Mas ele foi muito parceiro nesse processo, ele opinou, contou toda história, e eu tentei fazer o melhor que eu pude, porque eu não tinha referência delas tocadas no piano e algumas eu acho que nem foram gravadas. Ele já gravou muitas delas, com outras formações, e outras pessoas gravaram, mas a versão para piano é dele. O que eu fiz foi, junto com ele, tirar algumas dúvidas sobre escrita, interpretação, e saber um pouco a ideia dele sobre como ele gostaria que soassem essas músicas. Então foi um trabalho muito esperado, eu estou muito feliz com isso. Para comemorar o aniversário dele, que está chegando.
ZR: Joel Nascimento é um dos mestres do choro no Brasil, mas o repertório deste seu álbum vai além. Como foi o processo de seleção de repertório?
MTM: Joel, desde o primeiro momento, já veio com as obras escolhidas, que ele queria que fossem gravadas. Então, assim, ele estava muito seguro do que ele queria nesse projeto, acho que foi um sonho acalentado durante muitos anos, muitas décadas, e movido ao amor que ele tem pelo piano, pelo repertório pianístico, e pelo que ele poderia fazer, a contribuição dele. Essa escolha tem a assinatura do Joel.
ZR: O álbum traz peças conhecidas de Joel Nascimento, entre as quais “O pássaro”, “Congada do sino” e “Canção à Villa-Lobos”. Há peças inéditas no repertório? O que significa para você à responsabilidade destas primeiras gravações?
MTM: Bom, algumas dessas obras eu sei que ele escreveu para piano e não acredito que todas elas tenham sido tocadas por outro instrumento, mas também não tenho certeza se foi uma estreia, se foi um primeiro registro dessas obras.
ZR: Joel Nascimento completa 86 anos no próximo dia 13 de setembro. Este álbum acaba sendo um presente para ele e para os admiradores dele e os seus. Muitos artistas importantes e interessantes no Brasil são menos conhecidos e ouvidos do que deveriam e mereciam. No caso dele, você acha que há justiça? Como você se sente ao poder mostrar um pouco da obra do homenageado e que recado gostaria de deixar para interessados em música e curiosos em geral?
MTM: Eu acho que existe uma falha no reconhecimento da música instrumental brasileira. Não é bem uma falha, eu acho que apesar de todos os esforços, um músico como o Joel, com toda a cultura que ele tem, toda a experiência e todo o reconhecimento que ele tem no meio dos músicos, ainda não tem uma coisa completa. Eu acredito que vai haver uma surpresa, com esse disco dele, porque, primeiro, eu vejo as pessoas muito curiosas, com relação a esse trabalho, autoral para piano, dele; segundo, justamente por ele ser um músico, um instrumentista muito conhecido, eu acho que aqui vai privilegiar muito a criação dele. E na verdade eu acho que a música brasileira instrumental ainda precisa de mais reconhecimento. Tem muita coisa boa, Joel está aí na luta há tantas décadas, e isso eu acho que precisa ser revisto. Então, um registro como esse, me deixa sempre muito feliz, muito realizada, eu vou comemorar muito o aniversário dele e ele podendo ver esse trabalho de perto.
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Ouça “Maria Teresa Madeira interpreta Joel Nascimento”: