Divulgação
Divulgação

É difícil catalogar a obra de Luiz Antonio Simas. “Crônicas Exusíacas & Estilhaços Pelintras” (Civilização Brasileira, 2023, 207 p.), por exemplo, apesar de ser um livro de crônicas, como sabemos desde o título e a (bela) capa, está para além disso.

A coleção de textos é misto de memória, religião e sociologia no ritmo particular de um autor que escreve como quem dança. Ou, antes, samba. Ou melhor, ginga. Mestre em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), escritor e professor, Simas é exemplo raro de acadêmico das (e nas, convém destacar) ruas.

O texto de Simas tem elegância e sabor, e é alegre mesmo quando narra fatos tristes. Ele sintetiza lembranças e experiências pessoais em um conhecimento que é atravessado pelo estudo e pela pesquisa, mas sobretudo no contato com o outro. Futebol, samba e as macumbas – aqui e em seu livro não como expressão pejorativa, mas como plural possível, capaz de abarcar a diversidade e riqueza das sempre tão violentamente atacadas religiões de matriz africana no Brasil – são os principais temas de um cardápio que abarca ainda questões urbanas como o crescimento desenfreado e não planejado sobretudo das metrópoles, com sua violência contra populações menos favorecidas e o consequente desrespeito à memória e ao patrimônio histórico e artístico.

“Os textos que compõem este livro podem ser lidos em qualquer ordem. Nas páginas que seguem, eles vão embaralhados, como cartas aleatoriamente distribuídas por um vigarista que comanda a banca em um jogo de azar”, avisa o autor no texto de apresentação. Este resenhista seguiu a ordem das páginas, em uma leitura que é puro deleite – Simas escreve como quem conversa dividindo umas cervejas em botequins de sua predileção com o leitor e dá aulas como quem escreve.

A partir do Rio de Janeiro em que nasceu e vive, Simas discute problemas brasileiríssimos. “Não se ensina, nas escolas do Rio de Janeiro, a história da cidade, dos seus bairros e ruas, como matéria sistemática do aprendizado. Fala-se mais, para um menino carioca de um colégio do centro, do Palácio de Versalhes do que do Palácio Monroe. Uma menina de quinta série do ensino fundamental aprende sobre as ágoras gregas e sequer escuta falar sobre a Praça Onze, ágora carioca e um dos berços da peculiaridade da nossa experiência civilizacional. Querem que um garoto do morro da Providência aprenda que a Grécia foi o berço da filosofia ocidental (é ótimo que ele aprenda isso), mas esquecem de dizer ao moleque que a Pedra do Sal, pertinho de onde ele mora, moldou os batuques cariocas dos primeiros sambas. Sem o conhecimento, impera o descaso”, aponta em “Memória e Esquecimento”, evocando o legado de Paulo Freire (1921-1997), cuja pedagogia atentava para a inclusão do universo do educando no processo de ensino-aprendizagem.

Pelas “Crônicas Exusíacas” passeiam personagems como o escritor Alberto Mussa, a cantora Aracy de Almeida (1914-1988), a rainha Carlota Joaquina (1775-1830), o bicheiro Castor de Andrade (1926-1997), a cantora e compositora Dona Ivone Lara (1921-2018), o compositor Geraldo Pereira (1918-1955), “o rei do samba sincopado”, o “papagaio de pirata” Jaiminho Alça de Caixão (1929-2013) (que se notabilizou por ter ido a mais de 1.000 velórios e sepultamentos de gente famosa), o compositor Luiz Carlos da Vila (1949-2008), o ex-jogador de futebol Macaé (s/d) (e o vira-latas Biriba), a crítica de rádio Magdala da Gama Oliveira (1908-1978) – homenageada por Janet de Almeida (1919-1946) e Haroldo Barbosa (1915-1979) no samba “Pra que discutir com madame?”, sucesso de João Gilberto (1931-2019) –, o rei do futebol Pelé (1940-2022), o compositor Silas de Oliveira (1916-1972), a sambista e mãe de santo Tia Ciata (1854-1924) e o cantor e compositor Wilson Moreira (1936-2018), entre outros, aqui citados em ordem alfabética. Alfabética mesmo, não como a do jogo do bicho, outra entidade presente às crônicas de Simas.

“Íntimo das belezas e fragilidades das coisas do mundo, o nosso compadre é impossível de ser contido. Avesso à pretensão de totalidade, à obsessão cartesiana, à seguridade da certeza, aos contadores de vantagem e aos vencedores oficiais, ele nos brinda com a dúvida, dando o tom de que nada está acabado. Sendo o próprio acontecimento que instaura vida e linguagem em tudo, ele monta no ordinário para nos alegrar com o espanto e encanto dos comuns”, anota o pedagogo, escritor e professor Luiz Rufino na orelha, referindo-se ao “orixá do movimento, do poder do corpo, da alegria e das grandes transformações”, que dá unidade às crônicas do volume, mas bem se referindo ao próprio Luiz Antonio Simas e seu estilo inconfundível de professar conhecimento, sem nunca soar arrogante nem perder a simplicidade e o bom humor. A ginga, enfim. E adiante: “na encruzilhada, onde Exu reina e a vida passa, toda esquina é centro”. Espero que a da divertida prosa de Simas mereça o das atenções dos leitores.

PUBLICIDADE

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome