“A Aforista” se revela aos poucos

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Imagem da atriz Rosana Starvis, que interpreta "A Aforista", no CCBB
Rosana Starvis, que interpreta "A Aforista", no CCBB - Foto: Maringas Maciel/ Divulgação

Em uma hora e dez minutos, seria possível ler centenas de aforismos e deles extrair algumas boas reflexões. A Aforista, peça em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), consegue algo maior e mais virtuoso: brinda o público com ensinamentos sobre a vida, a arte e os artistas, e por que eles nos são tão importantes. Num texto de não tão fácil deglutição, mas entremeado com pitadas cômicas que aliviam o peso da situação encenada, o espetáculo gira em torno do pensamento, algo que a humanidade ChatGPTiana vai perdendo a passos largos.

A aforista, a mulher interpretada por Rosana Starvis, está apressada para chegar a um enterro de um amigo. Ela caminha sem parar, corre até, mas permanece praticamente parada em sua marcação de cena. O incessante movimento se dá na forma como pensa, articula seus pensamentos e bota-os para fora, alguns em forma de aforismos, que são aqueles textos curtos que contêm alguma reflexão. “Só o amor e a arte tornam a existência suportável”, “Gente que dá muito valor ao que tem pouco valor é gente sem valor, penso”, “Ou a gente tem fé na gente mesmo, ou não temos nada” e “Tudo o que escrevi, vivi, mas não como escrevi” são alguns deles.

A artista está acompanhada de dois pianistas no palco, Sérgio Justen e Rodrigo Henrique, que tocam a trilha original criada pelo compositor Gilson Fukushima. Eles remetem aos outros dois personagens que só existem pela fala da aforista, o famoso John Marcos Martins e o colega do grupo, Polacoviski. Os três se conheceram como alunos de piano, e cada um seguiu um rumo diferente, sempre à sombra do famoso membro do trio.

Resta à aforista, tecer em ritmo acelerado a retrospectiva da vida dos três e se o destino trágico de um deles poderia ter sido evitado. Nesse percurso, A Aforista vai revelando aos poucos, com pensamentos dispersos, memórias doloridas e incertezas que pairam nas encruzilhadas das vidas. As perturbações que ela busca traduzir em aforismos mostram que a protagonista está tomada pela circunstância trágica do reencontro com seu passado, e que quase todos terão de enfrentar, cedo ou tarde – se se valerem do pensamento.

O texto e a direção é de Marcos Damasceno, que integra a Cia Stavis-Damasceno, de Curitiba. Ele se inspirou em um texto do alemão Thomas Bernhard. A peça, que depois de circular em São Paulo até 21 de maio, segue para uma temporada no CCBB Belo Horizonte. A Aforista ensina que das várias incertezas que cruzam em nossas jornadas, a dúvida pelas escolhas feitas no passado sempre surgirão para nos testar se o que se sucedeu em nossas vidas tinha mesmo de ser daquele jeito.

A Aforista. De Marcos Damasceno. No CCBB-SP, até 21 de maio, quintas e sextas-feiras, às 19 horas, sábados e domingos, às 17 horas. Ingressos a 30 reais.
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