Do ponto de vista da importância histórica, é um show imperdível. Do ponto de vista simbólico, é um show imperdível. Do ponto de vista da força da palavra, é um show imperdível – em 55 anos de existência, seus poemas foram citados ou sampleados por Public Enemy, A Tribe Called Quest, Digable Planets, Prince, Notorious B.I.G., Biggie Smalls, NWA e inúmeros outros, e eles fizeram shows com astros do jazz, como Don Cherry. De qualquer jeito, não tem como: a apresentação do lendário coletivo norte-americano The Last Poets na Comedoria do Sesc Pompeia, nos dias 18 de março (sábado, 21 horas) e 19 de março (domingo, às 18h30) já é o mais importante show do ano de 2023 – a menos, no caso deste repórter, que Tom Waits resolva aparecer para rivalizar.
The Last Poets foi fundado no dia 19 de maio de 1968 (dois meses após o assassinato de Martin Luther King) por garotos do Harlem que faziam um recital de poesia em tributo ao aniversário de 43 anos de Malcolm X, assassinado três anos antes. Estão a caminho do Brasil os poetas inaugurais do coletivo, o principal deles Abiodun Oyewole, além de Dahveed Nelson, ambos fundadores, e o percussionista Baba Donn Babatunde (que entrou para a trupe em 1991), mais o poeta convidado Sharrif Simmons e o DJ El Rhan Da Soundking.
Abiodun Oyewole é o nome yoruba que o ativista escolheu como seu (nasceu Charles Davis em 1948 em Cincinnati, Ohio). Ele tinha 18 anos e estava na faculdade quando ouviu a notícia sobre a morte de Martin Luther King. Aquilo mudou sua determinação. “Era para eu ser mais um pretinho bacana”, afirmou. “Mas quando eles mataram o Dr. King, todos os prognósticos caíram por terra”. Em 1970, pelo selo Douglas Records, The Last Poets lançou um álbum com seu nome no título, poemas berrados por seus dois mestres de cerimônia e uma percussão afro ao fundo, que depois aterrisou no Apollo Theater e mudou a cultura norte-americana para sempre. Era a semente do hip-hop, que ganharia novos contornos a partir de 1973 com artistas como Afrika Bambaataa e Kool Herc.
Quando o disco de estreia dos Last Poets estava saindo e já ganhando reputação, exalando influência, nos primeiros anos (Marvin Gaye, por exemplo, foi um dos influenciados, além de Funkadelic, Quincy Jones e Curtis Mayfield), Abiodun não tinha como acompanhar porque estava num presídio da Carolina do Norte cumprindo uma pena de três anos e meio de cadeia. Tinha sido preso por assaltar uma reunião da Ku Klux Klan. “Eu hoje vejo as armas como algo desagradável”, ele contou ao jornal britânico The Guardian. “Mas, naquela época, eu tratava meu 38 como se fosse minha carteira”.
Durante sua prisão, por bom comportamento, a Justiça permitiu que Abiodun estudasse e voltasse à noite para cumprir a pena. Como parte do curso, ele fazia um programa em uma rádio local, lendo livros inteiros ao vivo. Quando voltava para a cela, os colegas de cadeia diziam: “Hey, ouvi você nos meus fones de ouvido, New York!”. Ele passou a ensinar poesia e literatura para garotas detentas no presídio de Rikers Island, e nessas aulas passou a formatar um projeto de manifestação do inconformismo contra o racismo e a submissão dos jovens negros.
Ao lado de Gil Scott-Heron (que não integrou o coletivo, mas foi seu contemporâneo), eles são considerados os originadores do hip-hop. Sua poesia carregada de conteúdo político, emancipatório, enérgica e dura, articulada sobre bases de jazz e percussão, resistiu aos anos e às investidas do establishment. Nos anos 1970, além do clássico disco de estréia, lançaram This Is Madness (1971) e Chastisment (1972). Em 2006, numa parceria com Kanye West e Common, produziram a faixa The Corner, que foi indicada ao Grammy.
A criticidade dos Last Poets nunca arrefeceu. “Tudo que Barack Obama fez foi limpar a bagunça deixada pela administração Bush. O orgulho foi restaurado, o dinheiro foi restaurado”, considera o poeta, hoje com 75 anos. “Nós seguimos sendo os maiores servos que esse País já viu”. Abiodun não usa telefone celular e se recusa a cantar o hino norte-americano. “É uma canção de guerra”, disse, certa vez.
The Last Poets são atração do novo festival do Sesc, o Zunido, que ocupará a segunda e terceira semanas de março, de quinta a domingo, na Comedoria do Sesc Pompeia. A venda de ingressos começa no dia 28 de fevereiro on-line, e no dia 1º de março nas bilheterias das unidades do Sesc SP.
Eis os astros:
– Kid Koala & Lealani (Canadá/ Estados Unidos);
– Maíra Freitas & Jazz das Minas (Brasil);
– Marcos Valle + Azymuth (Brasil);
– Pupillo Sonorado apresenta Novelas: Pupillo com Thomas Harres, Marcio Arantes, Antonio Neves, Limma e Guri (Brasil);
– Rodrigo Ogi / Dr. Drumah (Brasil);
- The Last Poets
Para mais informações, acesse:. sescsp.org.br/festivalzunido