Da esquerda para a direita: Turíbio Santos (violão), Raphael Rabello (violão sete cordas), João Pedro Borges (violão) e Jonas (cavaquinho, do Conjunto Época de Ouro) em turnê pela América do Sul na década de 1980. Foto: Sandra Santos. Reprodução
Da esquerda para a direita: Turíbio Santos (violão), Raphael Rabello (violão sete cordas), João Pedro Borges (violão) e Jonas (cavaquinho, do Conjunto Época de Ouro) em turnê pela América do Sul na década de 1980. Foto: Sandra Santos. Reprodução

“A Obra Para Violão de Paulinho da Viola” foi distribuído como brinde a clientes de uma mineradora em 1985 e não havia sido lançado comercialmente até então. Maranhense anuncia novos discos em entrevista exclusiva

Brasil Instrumental. Capa. Reprodução
Brasil Instrumental. Capa. Reprodução

Em 1985 o violonista João Pedro Borges lançou o elepê “Brasil Instrumental”, vinil hoje disputado a tapas e vendido a peso de ouro em sebos brasileiros. “Lançou” é modo de falar: o disco era parte de um brinde de fim de ano distribuído aos clientes de uma mineradora e, não tendo sido distribuído comercialmente, tornou-se raridade, item de colecionador.

“A Obra Para Violão de Paulinho da Viola” tem 10 faixas instrumentais, de autoria do portelense, como indica o título, executadas pelo maranhense, em companhia do autor (ao cavaquinho e violão) e do pai dele, o violonista César Faria (1919-2007), integrante do mítico Conjunto Época de Ouro.

Gravado no estúdio Porão, no Rio de Janeiro, o disco teve direção musical de João Pedro Borges e Paulo Moura (1932-2010, eles já haviam trabalhado juntos em “Mistura e manda”, disco do clarinetista de 1983) e produção executiva de Mário de Aratanha.

Com execuções primorosas e delicadas, o disco evidencia um lado menos conhecido de Paulinho da Viola, exímio compositor de temas instrumentais, com especial destaque para o choro, gênero que, em sua opinião, dispensa letra, a beleza da melodia já seria suficiente.

“O que João Pedro se propõe com este disco é justamente trazer à tona esta incrivelmente soberba face oculta de Paulinho da Viola”, anota o crítico João Máximo em texto no encarte do elepê, antes atentando para o fato de que no autor “o sambista sempre se mostrou mais que o chorão. E acabou prevalecendo. Mais que isso, um acabou ofuscando o outro”. Ainda de acordo com o biógrafo de Noel Rosa (1910-1937), o maranhense “deu forma definitiva em termos violonísticos àquilo que parecia destinado ao ineditismo”.

“A muitos pode surpreender a qualidade das peças instrumentais de Paulinho da Viola, aqui executadas, com grande empatia, por João Pedro. São peças difíceis, elaboradas, tecnicamente irrepreensíveis. Elegantes como o próprio Paulinho, presas a profundas raízes e ainda assim com cheiro de coisa nova. Este trabalho é também um retrato atual do violão brasileiro. Ao mesmo tempo síntese e mágica. Síntese do tradicional e do moderno, João Pernambuco [1883-1947] e Dilermando Reis [1916-1977], Villa-Lobos [1887-1959] e Garoto [Aníbal Augusto Sardinha, 1915-1955], mas acima de tudo Paulinho da Viola. A mágica fica por conta de João Pedro”, arremata certeiro.

O outro bolachão do kit-brinde reúne Jaques Morelenbaum (violoncelo), Paulo Moura (saxofone), Raphael Rabello (1962-1995, violão sete cordas) e Zé da Velha (trombone), num repertório que vai de Chiquinha Gonzaga (1847-1935, “Corta Jaca”) a Toninho Horta e Ronaldo Bastos (“Bons Amigos”), passando por Severino Araújo (1917-2012, “Espinha de Bacalhau”) e Pixinguinha (1897-1973, “Lamento”), entre outros.

Quase 40 anos após o lançamento, a Kuarup Discos disponibilizou recentemente “A Obra Para Violão de Paulinho da Viola” nas plataformas de streaming.

O violonista João Pedro Borges conversou com exclusividade com FAROFAFÁ. Ele anuncia novos discos pela Kuarup, com lançamentos ainda no primeiro semestre.

O violonista João Pedro Borges. Foto: Rivânio Almeida Santos/ Chorografia do Maranhão. Reprodução
O violonista João Pedro Borges. Foto: Rivânio Almeida Santos/ Chorografia do Maranhão. Reprodução

ENTREVISTA: JOÃO PEDRO BORGES

ZEMA RIBEIRO: Outrora restrito a clientes de uma mineradora, o disco está agora disponível para audição de interessados em geral, nas plataformas digitais. Qual a importância deste lançamento?
JOÃO PEDRO BORGES: Esse disco, com a importância de que ele se revestiu ao longo de todo esse tempo, nunca tinha sido lançado comercialmente. O próprio Paulinho, de certa maneira, se ressentia disso. Todas as vezes que nós nos encontrávamos, invariavelmente, sempre surgia a questão, “e o disco? Como é que a gente faz?”, e tal, naturalmente reclamando, até certo ponto, de uma divulgação maior da obra dele para violão, especificamente. A importância desse lançamento é aquela coisa, antes tarde do que nunca, para demonstrar exatamente a ligação que o Paulinho tem, além do samba, da sua carreira tradicional, como um compositor de altíssima qualidade, de choros de modo geral, e com essa obra específica para violão.

ZR: A obra instrumental de Paulinho da Viola se configura, por si só, em uma escola do violão brasileiro. À época, como surgiu a ideia do disco e o que significou, para você, contar com as presenças do próprio compositor e do violonista César Faria como músicos do disco?
JPB: Na época que surgiu a ideia do disco foi exatamente a consequência de eu ter conhecido Paulinho em 1976, estive na casa dele, e para mim foi uma grande surpresa quando, além de  descobrir que ele tinha várias composições para violão solo, a grande qualidade dessas composições e a perfeita integração que elas tinham com toda trajetória do violão brasileiro, na linha dos compositores João Pernambuco, Dilermando Reis, Garoto… então o nome de Paulinho entra não apenas como um aficionado que compôs algumas obras. Porque essas obras resumem também um pouco da vida dele com o choro e se revestem de uma grande importância para o repertório do violão brasileiro, em continuidade a toda essa maravilhosa obra que já existia antes e que hoje em dia ainda continua produzindo obras de imenso valor.

ZR: Em seu disco “Choros de Paulinho da Viola”, lançado 20 anos depois, a violonista Márcia Taborda gravou a íntegra daquele repertório em meio às 13 faixas do álbum. Isso endossa a importância daquele repertório escolhido por você?
JPB: A gravação da Márcia Taborda, muito bem realizada, diga-se de passagem, deu mais ênfase a essa presença do Paulinho da Viola no contexto do violão brasileiro, mesmo do chamado violão erudito, a gente atualmente não faz tanto essa separação, em termos estéticos, por assim dizer, mas quanto mais se divulga a obra, melhor, dá mais ênfase a um trabalho tão necessário de ser conhecido e usufruído, como esse do Paulinho da Viola. A Márcia Taborda fez um excelente trabalho, nós colaboramos com o que pudemos, o próprio Paulinho na época me consultou e demos a maior força, tanto eu como Turíbio. Porque na realidade, quem primeiro gravou uma obra de Paulinho da Viola, além dele próprio, nos discos, foi Turíbio, Turíbio Santos, com esse estigma de grande lançador de nomes [risos], lançou [o violonista cubano] Leo Brouwer na França, uma imensidade de compositores brasileiros que escreveram por causa dele para o violão, e não podia faltar a presença do Paulinho da Viola. Aliás, foi através do Turíbio que eu conheci o Paulinho.

ZR: O que é possível lembrar do processo de produção e gravação do álbum?
JPB: Realmente foi um processo. Nós fomos vencendo cada etapa: a etapa de revisar as obras muito bem escritas pelo próprio Paulinho. Pouca gente sabe que Paulinho estudou música, foi aluno da [compositora e pianista] Ester Scliar [1926-1978], na ProArte do Rio de Janeiro, e o incentivou, inclusive, a produzir obras instrumentais. Ele lê bem música, pelo menos lia, e tinha um conhecimento muito vasto de harmonia. Às vezes numa passagem qualquer ele falava o nome da cadência, “olha, isso aqui é uma cadência evitada, cadência perfeita”, ele tinha um pleno conhecimento dessas coisas, de forma que não foi difícil a parte da revisão das músicas. Esse disco foi gravado no estúdio do Egberto Gismonti, que esteve até presente numa ocasião dessas e teceu elogios grandiosos a Paulinho. O Egberto Gismonti gosta muito da obra do Paulinho da Viola e vice-versa, Paulinho também é um grande admirador. De sorte que eu não poderia desejar um ambiente melhor, mais favorável, mais acolhedor, contando com a presença do próprio Paulinho em algumas faixas e do pai dele, César Faria, nós éramos muito amigos, eu frequentava muito os saraus que contavam com a presença do Época de Ouro, o César era uma figura maravilhosa, acolhedora, paternal. Eu agradeço a providência por ter sido, no mínimo, uma testemunha privilegiada desses encontros.

ZR: Como foram as negociações com a Kuarup para este relançamento em formato digital?
JPB: As negociações fazem parte de um contato que eu tive com o dono da Kuarup que justamente me propôs o relançamento. Ele sabia de meu relacionamento com a Kuarup, sabia que eu tinha alguns discos gravados pela Kuarup, incluindo esse do Paulinho e um outro também, com um repertório mais clássico, de românticos e espanhóis, então um belo dia ele me ligou e me propôs, que ele estava interessado em relançar não só a obra do Paulinho, mas também os outros discos, o que inclui o relançamento do disco que eu gravei na França, “Clássicos Latino-Americanos”, ele mostrou um grande interesse. Esse relançamento da obra do Paulinho faz parte de todo um planejamento de relançar também outros discos, mais dois discos, pelo menos, e para minha surpresa, ainda me fez a proposta de fazer um novo disco, de música clássica, à minha escolha, eu escolho o compositor e como eu quero fazer, e eu contrapropus também a gravação de uma obra inédita, que é a minha parceria com o grande poeta paraibano-maranhense José Chagas [1924-2014], que tinha me fornecido uma série de poesias, inéditas, inclusive, e ao longo do tempo e da nossa amizade, entre muitos jantares e encontros, eu fui escrevendo, fui musicando algumas das suas poesias e ele foi aprovando, que o José Chagas era músico, tocava saxofone. Então, esse lançamento faz parte de um planejamento maior. Esse foi só o primeiro e vão seguir-se outros previstos para esse primeiro semestre de 2023.

ZR: No brinde distribuído aos clientes da mineradora havia outro disco, que reunia Raphael Rabello, Zé da Velha, Paulo Moura e Jaques Morelenbaum. Este encontro também deve ser relançado em breve?
JPB: Esse disco, “Brasil Instrumental”, com a obra do Paulinho da Viola, teve duas edições, por assim dizer. Porque além da edição na qual consta o meu trabalho, do Paulinho e do César, tinha mesmo também esse disco de Raphael Rabello, Zé da Velha, Paulo Moura e Jaques Morelenbaum. Esse disco foi lançado anteriormente pela Kuarup, acho que em cd. Não tenho nenhum conhecimento do relançamento agora, porque além dessa edição do disco duplo, teve a edição em separado do meu disco com o Paulinho da Viola. Claro que com o disco do Zé da Velha, Raphael Rabello, Paulo Moura e Jaques Morelenbaum eu não poderia estar em melhor companhia, mais desejável companhia do que essa. Mas de todo modo os dois discos tiveram destinos separados. Tanto que o do Raphael Rabello, Zé da Velha, Paulo Moura e Morelenbaum já tinha sido antes lançado, acho que em cd, pela Kuarup.

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Ouça “A Obra Para Violão de Paulinho da Viola”:

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