O cantor britânico Billy Idol durante show no Rock in Rio na noite desta sexta-feira, 9

Muitos dos artistas do Rock in Rio estão em cena por apelos únicos e exclusivos da nostalgia. Isso tem se repetido desde a primeira edição, em 1985, quando James Taylor, então semi-aposentado e mergulhado em uma espiral de depressão, aceitou o convite para vir ao Brasil e sua carreira renasceu, ele voltou a fazer discos e shows e seu legado foi resgatado. Houve diversos outros casos ao longo da História, de George Benson a Guns n’ Roses.

Mas, embora siga apostando no afeto da memória dos fãs, na lealdade ao impacto artístico histórico, o Rock in Rio mudou. Cresceu barbaramente, espalhou-se pelo mundo, distanciando-se de seus “cocoons” do chamado classic rock, além de refletir barbaramente o apartheid social hoje.

Agora, em vez de oferecer um palco para o eventual milagre da ressurreição, o Rock in Rio parece jogar tudo e todos numa arena de espantosa voracidade e memória episódica. O festival inseriu-se na mesma estratégia de consumo ditado pelo algoritmo, o streaming automático, o consumo veloz e apressado, o tiro para todo lado. Talvez, por conta disso, em meio às novidades da estação, o experiente artista em busca de si mesmo não receba mais a velha camaradagem nem o mesmo capricho técnico de outros tempos. Isso aconteceu com alguns astros deste ano, com a incidência de problemas de som em shows de astros vintage como Iron Maiden, Guns n’ Roses, Avril Lavigne (que é a própria encarnação do termo nostalgia, pela fantasia adolescente que se vê obrigada a empunhar tão precocemente).

Mas talvez ninguém tenha sido tão afetado pelos problemas quanto Billy Idol, na noite de sexta-feira 9. Billy está com 66 anos. Esteve no coração da rebelião punk dos anos 1970, depois reinventou-se como artista de uma seara mais pop do rock e influenciou até os que vieram depois dele na jornada, como a banda Green Day. Ao entrar, já manuseando um hit dessa fase mais popular, Dancing with Myself, Billy estava ladeado por uma banda de grande respeito. Pontificava ao seu lado Steve Stevens (que tocou com Michael Jackson e Vince Neil, entre outros), que é seu amigo há mais de 40 anos e com quem compôs, entre outras, a canção Speed (1994).

Na introdução de Eyes without a face, um dos maiores hits de Idol, de 1983, o cantor fez o guitarrista Steve Stevens voltar ao início da música três vezes. A ironia maior é que Stevens também é co-autor da música. Billy parecia discordar de Stevens em relação ao andamento que o músico estava dando à canção no violão, e o obrigava a recomeçar. Já Stevens parecia não acreditar naquilo, o show estava a plenos pulmões. O resto da banda nem parecia se importar, recomeçava na mesma pulsão sem crise.

Não há vergonha em um artista interromper seu show para recolocar uma música nos eixos. Isso acontece desde que o mundo é mundo. A versão de que Billy tenha “esquecido a letra” não parece crível (ou que estivesse doido demais também não parece crível), já que ele completou o seu show com competência, um fascinante passeio pelas texturas do pós-punk, mais subliminares, e as explosões vocais de um cantor de outra tradição, de maior crueza. Billy é um crooner fabuloso, foi lindo quando cantou a balada Bitter Taste, meio folk, com um pé em Chris Isaac e outro na guturalidade de um Johnny Cash.

Mas, logo a seguir, porém, veio o fato mais escandaloso: Billy começou a cantar, mas não se ouvia sua voz. O microfone estava desligado. Um técnico entrou no palco com outro microfone e trocou o desativado, tirando-o da mão do cantor, por outro. Billy não tinha se dado conta de que não estava saindo som. Havia um clima de incredulidade no ar. As pessoas se perguntavam se aquilo era de verdade. Neste sábado, o site Setlist.fm postou o roteiro do show de Billy no Rock in Rio, que, de um jeito ou de outro, já entrou para a História. Na canção Eyes without a face está escrito: “Two false starts”. Ou seja: Dois inícios falsos. Será que o Billy, no final das contas, quando cantava nos intervalos o jingle do festival do qual participava ou quando errava a entrada de seu maior hit, não estava tirando um sarro monstruoso em todo mundo? O casal que andava pelo festival com dois cartazes, um no qual se lia “Ajudar o” e o outro mostrava um desenho de um peixe, parece que sacou o espírito da coisa (“Ajudar o Peixe” é como muita gente brinca que entendia o verso “Eyes without a face” em português).

Ao final, para coroar o surrealismo daquele show, Billy berrou no palco (“Vamos consertar isso”, parece que falou) e ordenando à banda que era para todo mundo ir para o camarim imediatamente, iniciando sua debandada sem camisa para o fim da jornada. Se saiu rindo, foi coisa de gênio. Um velho punk sempre acha um jeito novo de dizer a coisa certa:

I’m so out of hopeOne more bad breakAnd I might fall

 

O repórter Jotabê Medeiros esteve no festival a convite da organização do Rock in Rio

 

 

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2 COMENTÁRIOS

  1. EU estava assistindo com o som ligado acompanhando a qualidade musical da Banda de Billy IDOL, tanto pelo seu guitarrista e por seu baixista, mas aí de repente o show caiu muito e parecia que billy não estava conseguindo dominar o público e não estava entendendonada e aí veio eyes without a face daquele jeito, concorodo com os comentários acima, pra mim Billy Idol poderia ter caprichado mais realmente, não sei se os 66 pesaram, se foi brincadeira, se estava cansado pelo show de São Paulo e no PERU, OU SE ESTAVA BEBADO, mas como fã e após tanto tempo longe de um país grande como O BRASIL, acho que o glorioso Billy poderia ter feito melhor, não ter iniciado com dancing with my self ( NÃO GOSTEI, PEGOU DE SURPRESA ), pra mim seria melhor com uma música mais recente , pra impressionar com o visual do telão, etc, depois seguir com os grandes sucessos, faltou muita coisa boa como : cath my fall, don’t need a gun, hot in the city, save me now, sweet sixteen…talvez até uma pequena aparição surpresa do SUPPLA pra animar o público, não sei , mas da outra vez no também muito bom e não muito “divulgado ” o rock in rio 2, billy idol se destacou , mesmo após o acidente e merecia até mais …outro show fraco pra mim foi o do A-HA na segunda vez do rock in rio , o do guns agora nesse rock in rio, mas infelizmente aconteceu assim fazer o que ?

  2. Na verdade, foi exatamente isso: falta de capricho com questões técnicas, problemas técnicos com o som e não problemas com a performance ou memória dos artistas.
    Já foi esclarecido muitas vezes: “O guitarrista Steve Stevens explicou, em resposta a um internauta no Twitter, por que o show de Billy Idol no Rock in Rio 2022 foi marcado por tantos problemas. O cantor chegou a interromper duas vezes a música “Eyes Without a Face”, além de ter cometido outras falhas em momentos distintos da performance.”
    Steve Stevens respondeu por meio do Twitter: “Com certeza não houve nenhuma ‘treta’. Você está completamente errado. Tivemos grandes problemas técnicos e nenhum de nós conseguia ouvir um ao outro. Confiamos 100% em nossos monitores de ouvido que não estavam funcionando. Todos os nossos outros shows pela América do Sul foram incríveis”.

    A banda que acompanhou Billy foi a melhor versão de formação de todos os tempos… São impecáveis e ele da mesma maneira trabalhou intensamente nesses últimos anos e está em sua melhor forma.

    Acho que a massa adora um alvo, exercendo de preconceito com cada grande estrela que envelhece ( e não morre aos 20 poucos anos), talvez falassem mal também de Janis Joplin, Jimi Hendrix, Jim Morison… vá se saber até o preconceito e haters a quem fez história pode chegar.
    Enfim… devemos vibrar com essas pessoas incríveis e talentosas.

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