Dos discos que têm me interessado, falo do que mais me emociona. Aquele que me pegou pelo ouvido, pelo quadril, pelo coração. Um dos álbuns brasileiros mais aguardados dos últimos tempos: Treme, de Gaby Amarantos. Nem vou citar o fato dele ter tido por trás de si um marketing ímpar ou de que, há um ano, talvez, seria impensável todo o hype visto em torno da cantora, que consegue reunir boa vontade de crítica e público(s).

No fim das contas, o que importa é que Treme é um trabalho bonito e um dos retratos mais poderosos da música pop(ular) brasileira contemporânea. Pode parecer pouco, mas não é. Quando artistas tão diferentes e interessantes quanto Céu, Curumin, Felipe Cordeiro e (e por que não?) Michel Teló põem na rua e na boca do(s) povo(s) tantas coisas bacanas, novas, cheias de frescor, que dialogam com as muitas caras distintas das músicas dos Brasis (sim, plural como a MPB nem sempre se permitiu), amarantos se mostra tão luminosa quanto seus brilhantes colegas, ou mais. E, como em sua indefectível capa, ilumina o atual cenário musical contemporâneo do Brasil. E ainda dialoga com as vivíssimas cenas pop de Angola e Colômbia e México e de outros países…

Mas antes, de falar do disco, do Brasil, do mundo, falo de mim. Nasci em Castanhal, cidadela vizinha a Belém do Pará. Mas passei a maior parte da minha infância na poeirenta Marabá dos anos 80. Aquele lugar, para onde alguns anos antes foram tantos brasileiros (inclusive meu pai), levados pelas “oportunidades” criadas por um governo militar preocupado com a guerrilha, era alimentado por música e saudade. Entre gaúchos, pernambucanos, cariocas e, claro, muitos paraenses vindos de Belém, havia garotos que, como eu, passavam os dias jogando bola, comendo manga no pé e ouvindo canções… de Pinduca a Gaúcho da Fronteira, de Michael Jackson a Modern Talking.

Não havia rádio FM em Marabá na época, mas a música era ouvida nas casas e praças e bares e carros. Mas o que deixava aqueles moleques em polvorosa era a pressão de um batidão eletrônico. Jamais esqueci o dia em que ouvi pela primeira vez o bumbo programado de “Always on My Mind” dos Pet Shop Boys. Tinha 12 anos. Nessa mesma época minha família veio para Santa Catarina, estado do meu pai. Foi aqui que entendi o quão diferentes são esses Brasis. Desde então, torço para que a minha Florianópolis tenha um pouco mais daquele colorido, daquela mistura.

A música de Gaby Amarantos é a cara de um Pará e de um Brasil diferentes daquele em que cresci. O país que hoje canta “Ex Mai Love”, música da abertura da novela, e que vibra com “Xirley”, tem mais perspectivas e, por conseguinte, mais amor próprio que o outro, da época em que eu era um garoto. Gosto mais deste Brasil, pois ele gosta mais de si. O cenário musical deste é mais plural que o daquele.

Em Tremehá espaço para o encontro de Fernanda Takai com Amarantos em “Pimenta com Sal”. A voz doce que foi aplaudida por fãs de Nara Leão se entrega à ambiguidade e ao suingue e provoca frisson. Talvez esse dueto possa ser lido como um abraço do novo no velho repertório brasileiro tipo exportação… Talvez.

Os que porventura não gostam de “estrangeirismos alienantes” (não se engane, ainda existem esses ― aqui, aí e no Pará) podem se emocionar com a beleza de “Mestiça”, faixa dividida com a força de Dona Onete. Há muito mais: de releitura de hit sertanejo a “clássico” eletrobrega, de merengue latino a pitadas de moombahton, tudo vestido com synths e programações de bateria que trazem, enfim, a pressão da pista para dentro da “MPB”.

A eletrônica (disseminada através do compartilhamento de versões piratas de programas de produção musical) que turbina a experiência musical de algumas periferias mundo afora, via kuduro, eletrocumbia, kwaito, é a mesma que ajudou a forjar a cena paraense através do que hoje chamam eletromelody. Gaby Amarantos e sua música também entendem da força de uma bateria programada.

Este mundo novo, de compartilhamento de arquivos via internet, nos permite conhecer as poderosas canções dos muitos Brasis. Daqueles que antes não eram ouvidos na novela da Globo, que não tocavam na rádio AM de Marabá, nem nas FMs de Santa Catarina. A realidade agora é outra. Gaby Amarantos enche a pista em pleno frio outonal de Floripa. “Todas cantam” o refrão de “Ex Mai Love”, na pista dos “modernos” e nas periferias dos garotos fascinados por um batidão.

 

Jean Mafra canta, compõe e escreve sobre música em seu blog. Ex-integrante do grupo Samambaia Sound ClubPressa, EP gravado com o Bonde Vertigem (ouça aqui).

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