“Recanto”, o ponto de partida de Ciro Belluci

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O cantor Ciro Belluci. Foto: Hilreli. Divulgação
O cantor Ciro Belluci. Foto: Hilreli. Divulgação

Ator e cantor, Ciro Belluci, mineiro de Barbacena, lança inspirado disco de releituras

Recanto. Capa. Reprodução
Recanto. Capa. Reprodução

Estudando música e teatro desde a infância, o mineiro Ciro Belluci estreia em disco delicado e comovente, dedicado a releituras do cancioneiro brasileiro. O roteiro é costurado por sua memória afetiva e guia o ouvinte por faixas mais ou menos conhecidas, porém sem altos e baixos.

“Recanto”, o título do álbum, tem ao menos duas leituras possíveis: o re-cantar, re-gravar, re-dizer, re-ouvir proporcionado pelo repertório selecionado, e o sentido de lugar, seja geográfico, seja um cantinho de memória.

Aos 22 anos, integrante do grupo de teatro Ponto de Partida, de sua Barbacena natal, Belluci nos entrega um álbum, antes de tudo, sincero, sem se prender ao óbvio. São 11 releituras, de nomes como Gilberto Gil, Luiz Tatit, Lenine, Djavan, Toninho Horta, Baden Powell e Guinga, entre outros. “Passageira” (Pablo Bertola/ Lido Loschi), que fecha o repertório, é a única inédita do disco. Seus autores, há algum tempo, assinam as trilhas sonoras originais dos espetáculos do Ponto de Partida, hoje integrado por Belluci, mas que, antes de tudo, ele cresceu assistindo – e ouvindo.

Ciro Belluci conversou com exclusividade com Farofafá.

"Sou artista de teatro, mas sou também músico, na verdade". Foto: Hilreli. Divulgação
“Sou artista de teatro, mas sou também músico, na verdade”. Foto: Hilreli. Divulgação

ZEMA RIBEIRO – Como foi a escolha do repertório para o disco?
CIRO BELLUCI – Esse repertório é basicamente uma coletânea de coisas que foram importantes na minha formação, que me marcaram de alguma forma até hoje. Cada música tem um motivo. Às vezes é pelo compositor ou pela onda da música, porque era uma coisa que eu queria, ou por alguma gravação que me marcou, cada uma tem uma importância. E aí eu fui combinando peneiras também para escolher. Se eu penso no compositor, “ah, quero que tenha Chico Buarque”, como que se escolhe uma música do Chico Buarque para gravar? [risos]. Então eu fui cruzando peneiras, “ah, ok, mas com essa formação que eu tenho, com esses músicos que eu tenho, o quê que vai soar legal dentro do repertório do Chico que eu queira gravar? Ah, e pela curva do cd, aqui é mais interessante eu ter uma música animada, é mais interessante eu ter uma música mais calma? Enfim, fui cruzando essas peneiras para conseguir atender os meus desejos de ter coisas que são importantes para mim, mas que ao mesmo tempo elas fizessem sentido de estar juntas.

ZR – Você tem 22 anos e é artista de teatro. Quando decidiu gravar um disco?
CB – Pois é, eu tenho 22 anos, sou de Barbacena, interior de Minas, sou artista de teatro, mas sou também músico, na verdade. Na minha formação a música veio primeiro. Eu comecei primeiro a estudar música e depois fui pro teatro, mas a minha vida inteira as duas coisas se cruzaram, muitas vezes. Na verdade eu nem consigo distinguir muito uma coisa da outra, separar uma coisa da outra na minha vida, porque desde que eu comecei, a música e o teatro sempre estiveram muito presentes. Hoje em dia, por exemplo, eu trabalho no grupo Ponto de Partida, que é um grupo de teatro também de Barbacena, que tem 42 anos de história já, esse ano, e é um grupo de teatro musical, então é um lugar que continua nesse meu cruzamento do teatro com a música. A decisão de gravar um cd, a ideia já tinha algum embrião, mas nada muito elaborado ainda. Já há algum tempo, talvez uns dois anos. Aí quando saiu o edital da Lei Aldir Blanc, que tinha espaço pra cd, foi que eu falei, “agora eu preciso pegar esse meu embrião de ideia e organizar e vamos fazer, porque é uma oportunidade massa”. Foi esse o pontapé inicial pra falar assim, “tira da ideia e bota no papel e vai fazer”.

ZR – Havia um personagem [Joselino Barbacena, interpretado por Antonio Carlos Pires] na Escolinha do Professor Raimundo cujo bordão dizia “quando eu era criança pequena lá em Barbacena”. Você é mineiro, da cidade. Que lembranças tem da infância e em que medida essas memórias influenciaram na escolha do repertório de teu disco de estreia e na tua escolha pela vereda artística, seja na música, seja no teatro?
CB – Pois é, eu também fui criança pequena lá em Barbacena [risos]. Legal você ter perguntado isso, porque, para mim, esse disco é muito sobre isso, é muito sobre memória também. Eu não tenho muitas lembranças específicas, de músicas específicas, ou de coisas, isso eu não tenho muito claro, mas com toda certeza eu tenho uma memória de uma infância muito musical. Não só de uma infância, de uma vida muito musical, pela família do meu pai, eu tenho alguns tios, tios-avós, alguns parentes que são músicos de profissão, meu pai também, inclusive. Na família de minha mãe não tem ninguém que seja de profissão, mas existe muito aquela coisa cultural de ter a música enquanto cotidiano, enquanto brincadeira, enquanto afeto, então eu tenho muitas lembranças do tipo: a gente terminava de jantar em casa e ainda na mesa de jantar a gente brincava de cantar algumas coisas. Eu lembro muito de ir à casa de meu avô e sempre que eu chegava lá, ele sempre amou ouvir orquestra, inúmeros os domingos que eu chegava na casa de meu avô e ele estava ouvindo a Orquestra Tabajara. Quando a gente viajava, por exemplo, o primeiro ponto da viagem era escolher quais seriam os CDs que a gente iria escutar no caminho [risos]. Agora eu não me lembro de coisas específicas, mas eu me lembro muito disso, de ter essa presença da música constantemente, e não só da música. Isso aconteceu pensando em uma formação artística abrangente, na verdade, música, teatro, filme, a minha família sempre me incentivou a ter isso por perto e eu comecei a exercer isso muito novo. Eu comecei a estudar música aos oito anos, comecei a fazer teatro aos 10 e estou até então fazendo, e é uma coisa que, quando pequeno, é óbvio que eu não tinha clareza do que era essa sensação, mas mesmo pequeno eu já tinha uma sensação de que eu era muito feliz fazendo aquilo que eu fazia e não queria mais parar de fazer isso. Hoje eu entendo que é porque isso é uma profissão, mas isso vem de muito antes e vem de um meio que propiciou isso, que incentivou isso.

ZR – Podes falar um pouco sobre a ficha técnica? Quem está contigo entre instrumentistas, participações especiais, arranjadores, produção e direção?
CB – Esse disco nasceu primeiro entre amigos, eu, Pitágoras [Silveira, teclados e pianos], Gladston [Vieira, bateria] e Matheus [Duque, saxofones], a gente já tocava junto, algumas coisas que estão no repertório do disco a gente até já tocava em show antes também. O primeiro desenho do que é o cd hoje foi com eles que eu construí. A partir disso, quando eu já sabia um pouquinho melhor o que eu queria, para onde eu queria ir, aonde eu queria chegar, foi que eu chamei o Paulo Paulelli [baixo] para fazer a direção artística do disco, porque eu senti falta de ter um outro olhar de fora sobre o que eu estava fazendo. A gente quando está no meio do processo tem uma visão muito diferente de quem está de fora e de quem vê isso com o olhar fresco, de quem não tem já o ouvido viciado no jeito que eu canto, no jeito que eu toco, enfim, no jeito que eu faço música. Então o Paulelli entrou bem no início do processo, quando a gente estava ensaiando para fazer as guias. Com isso, Paulelli assumiu a direção artística e eu assumi a direção musical, até pela situação de a gente estar distante, a gente fazia gravações, mandava para ele, ele mandava de volta e tal. A gente decidiu de manter a direção musical comigo, porque, como já haviam rolado ensaios, eu já tinha um pouco uma clareza de onde seria o ponto do cd, de para onde ele iria, de qual seria o clima. Então eu me mantive fazendo a direção musical, o Paulelli fez a direção artística e eu convidei o Pablo Bertola, que trabalha comigo aqui no grupo Ponto de Partida, que é também um músico, cantor, compositor maravilhoso, e eu convidei o Pablo para fazer direção de voz. Eu tinha uma proposta de trazer uma interpretação um pouco mais desenhada e o Pablo foi essencial para me ajudar a puxar isso, a puxar esse teatro dentro do disco, dentro do canto. Depois disso vieram as participações especiais. Uma faixa que tem uma banda diferente, que é o “Canto de Xangô” [Baden Powell/ Vinicius de Moraes], essa faixa em especial foi dirigida pelo Mauro Rodrigues [flautas], que também toca as flautas da faixa e ela tem percussão do Serginho Silva e baixo do Ivan Correia. Eu acho que, talvez, de todas as músicas, é a formação mais diferente que a gente tem. Aí rolaram também as outras participações especiais, os convidados: a Vanessa Moreno [voz em “Baião de quatro toques, de Luiz Tatit e José Miguel Wisnik], que é uma cantora que eu admiro muito, não é de hoje, fiquei muito feliz de tê-la no cd, o [Nailor] Proveta [saxofone em “Choro pro Zé”, de Guinga e Aldir Blanc], que é escola, é história da música brasileira e foi um queridaço no processo, foi muito bom trabalhar com ele. O Zé Ibarra [voz em “Beijo partido”, de Toninho Horta] também, que é uma referência da minha geração, muito massa. A gente já se conhecia, a gente já sabia que tinha uma afinidade musical, mas não tínhamos feito nada juntos oficialmente ainda. Então foi uma oportunidade massa de fazer e foi lindo.

ZR – Como foi o processo de gravação do álbum?
CB – O disco foi gravado ainda em meio à pandemia. Esse núcleo primeiro, eu, Pitágoras, Gladston e Matheus, a gente se encontrava no estúdio da Bituca [Universidade de Música Popular, em Barbacena/MG], e fomos ainda mantendo o distanciamento, tentando fazer junto, mas da forma que fosse o mais seguro possível. Gravamos também, nesse mesmo estúdio, dessa mesma forma, as gravações dos outros convidados que participaram depois. Quase todos eles foram colocados à distância, só o Zé Ibarra que veio para Barbacena gravar comigo. A gente gravou juntos, ao vivo, na mesma sala, foi uma gravação super bonita, super emocionante, mas foi o único que veio. As outras participações, até os baixos que o Paulelli colocou, foi tudo à distância, colocado depois.

ZR – A gente percebe um extremo bom gosto na seleção de repertório, que inclui alguns clássicos absolutos da MPB; mas há também composições menos conhecidas. Como foi equilibrar isso?
CB – Esse nem foi um filtro que passou pela minha cabeça, sobre o ser conhecido ou não ser conhecido. Eu acho que me apeguei mais às primeiras escolhas de coisas que eram importantes para mim. Eu gosto de ter as duas coisas também. O “Zoeira”, por exemplo, que é uma música da Joyce Moreno com o Paulo César Pinheiro, se não me engano, acho que só existe a gravação da Joyce e agora a minha, por exemplo. Mas em compensação, “Agnus sei” [João Bosco/ Aldir Blanc] tem muitas gravações. Eu acho legal ter essas diferenças também dentro do repertório. E no fim das contas, apesar de ser um repertório de releituras, que obviamente conversa com outros meios, dentro do disco, pensando nesse repertório como uma coisa única, eu acho que isso não interfere tanto na forma como as coisas são percebidas, porque quando a gente pensa no repertório como um disco, como uma coisa que é concebida para ser junta, eu acho que as músicas passam a fazer sentido, ali, elas entre elas, não necessariamente elas em comparações ou em relação a outras coisas.

ZR – A pandemia ainda não acabou, mas como está a agenda de divulgação do álbum? Shows previstos?
CB – Eu quero muito fazer show. Eu acho que o palco, pra mim, é o lugar de mais concretude do artista, eu sinto muita falta. Eu ainda não tenho datas marcadas, mas a gente já voltou a ensaiar, a gente já está levantando esse show de novo, mas é óbvio, é claro que a gente está melhor do que a gente estava há dois anos, mas ainda não acabou. É importante voltar, é importante a gente manter o nosso ofício em exercício, é importante a gente se manter em contato com as pessoas, mas também é muito importante a gente fazer tudo isso com consciência e com segurança. Eu busco procurar lugares que também têm essa consciência, essa preocupação com a situação que a gente vive, e fazer, tentar achar esse meio termo, que no momento em que a gente está agora pode funcionar.

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Ouça “Recanto”:

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