Poeta lança hoje “O sopro do lugar junto ao tempo”, no Faladeli
A chuva embaça o vidro da janela e atrapalha a contemplação da paisagem. Mas a fotografia que ilustra a capa do novo livro de Eduardo Júlio, “O sopro do lugar junto ao tempo”, de autoria do próprio poeta, é um convite a um mergulho na contemplação, denso e melancólico, nunca hermético.
“O sopro do lugar junto ao tempo é um convite ao reencantamento do mundo por meio de uma poesia que transpira humanidade. Eduardo Júlio utiliza de sua voz serena para seduzir o leitor, conduzindo-o de forma suave a uma reflexão sobre o tempo”, crava Samuel Marinho na orelha.
Inclusive sobre os nossos tristes tempos, pandêmicos, distópicos e neofascistas: “na calada da tarde/ o país sangra/ alimentando algozes”, reage Eduardo Júlio no poema “Notícias tristes entopem os poros”. E reflete, em “Um dia antes do fim do mundo”: “na saída/ fui esbarrando/ em transeuntes entorpecidos/ por iguarias digitais”.
Neste novo livro Eduardo Júlio volta a temas que dominam a paisagem de sua poesia: as águas (do mar, mas não só), deslocamentos e reminiscências – parte do livro remonta poeticamente o pedaço da infância que passou em Basra, no Iraque. O livro é dedicado a José Júlio, pai do poeta, “que nos levou ao começo do mundo”.
“O mar sempre esteve presente na minha vida, desde criança, quando eu frequentava a praia do Araçagy com meus tios, ou meu pai, e depois que eu fui embora do Brasil, passei cinco anos fora, na infância, o mar era algo que eu sentia muita falta, me causava uma dor estar longe da praia. Depois, teve o momento em que eu atravessava muito a baía para ir à Alcântara, isso foi constante nos anos 1990, começo dos anos 2000. Essa travessia marcou muito meu imaginário, a baía de São Marcos e todo esse mar revolto que a gente tem, que às vezes tem uma calmaria maravilhosa também, e essa relação com a praia de São Marcos foi algo que marcou a minha juventude. O mar é sempre uma fonte de reflexão, visão e contemplação. Quanto às memórias do Iraque, elas já estavam presentes no livro anterior. Quando eu cito a guerra, em alguns poemas, eu estou me referindo à minha infância. Embora eu não tenha vivido a guerra, a gente vivia esse universo bélico no dia a dia, nas ruas, havia uma certa tensão em relação a isso. O Oriente Médio em geral tem isso, é um lugar muito vigiado, tem muito essa preocupação com a defesa, os armamentos, e havia isso na escola árabe que eu estudei, passei um ano, depois eu fui para uma escola brasileira, porque já havia uma comunidade grande de brasileiros lá em Basra, onde eu morei, por conta da Petrobrás, onde meu pai trabalhou. Esses poemas do livro anterior são mais lúdicos, abstratos, não está ali detalhado, são poemas misturados com outras referências. Já nesse livro novo essas memórias do Iraque são mais claras, as historinhas dentro dos poemas são bem mais perceptíveis para o leitor. É claro que os poemas não refletem exatamente o que aconteceu, há uma licença [poética] muito grande, eu recrio a referência de memória, foi transformada em poema, não é exatamente o que aconteceu. Os poemas tem muito mais clareza que os do livro anterior, que são mais enigmáticos, mais abstratos”, revela Eduardo Júlio.
“Aqui e ali ainda haveremos de encontrar o sopro da quarentena nas folhas desses livros de agora – agora que parece uma eternidade! Inevitável. O cheiro de dentro da casa persevera em meio a sustos, anseios, os lírios no quintal, o café morno, os gatos na varanda, a solidão em trova e uma nesga de esperança. Mas a poesia, ainda bem, vai além do aqui, do ali e do agora, porque viceja fora da caixa”, anota o poeta Félix Alberto Lima no prefácio “A elegância em sépia na mochila”: mesmo se alimentando também da quarentena, a poesia de Eduardo Júlio não tem prazo de validade. Parte dos poemas é um exercício de contemplação, e a maioria deles é, também, em certa medida, uma reação ao isolamento social imposto pela pandemia de covid-19.
“Uma reação, mas não que eu tenha pré-estabelecido. Foi surgindo naturalmente à medida que a pandemia se instaurava e as medidas de distanciamento, de clausura se configuravam no dia a dia da gente, os poemas foram surgindo, foram sendo estimulados por isso. Eu lembro que todas as tardes eu ia até a janela do apartamento para tentar ver o que estava acontecendo no mundo, ou num raio de ação, e tentava transpor o limite da vista, imaginar o por do sol, alguma coisa nesse sentido, algum tipo de vida, vida em exercício. Foi isso. O tempo foi passando e foram surgindo vários poemas, a maioria dos poemas do livro”, lembra Eduardo Júlio.
Indicado ao Prêmio Jabuti ano passado, um dos mais prestigiados da literatura brasileira, com seu volume anterior, “O mar que restou nos olhos” [7Letras, 2020], Eduardo Júlio continua favorito ao troféu na categoria poesia, não que escreva para ganhar prêmios. Ele comenta a alegria com a indicação, ser publicado pela 7Letras e revela já estar trabalhando num novo livro. “Eu fiquei muito feliz por ter sido finalista do prêmio Jabuti do ano passado, acho que abriu portas, foi um grande estímulo para continuar a escrever. Foi uma grande surpresa também, porque eu realmente não esperava; até porque o livro anterior marca um retorno à atividade poética, que eu tinha deixado de lado durante um bom tempo, de certo modo [seu primeiro livro é “Alguma trilha além” (2005), vencedor de concurso da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão]. Quando veio o anúncio das inscrições eu pensei duas vezes, fiquei em dúvida se inscrevia ou não o livro, e acabou que depois eu pensei: “eu publiquei pela 7Letras, uma excelente editora e é essa a chance que eu tenho de concorrer”, enfim, deu tudo certo. O diálogo com a 7Letras é sempre muito bom, muito tranqüilo, eles capricham realmente nas edições e eu tenho mantido um trabalho bem harmonioso com ele, desde o projeto gráfico dos livros até o conteúdo. Eu pretendo ainda lançar o próximo livro pela 7Letras, que eu já estou trabalhando, aliás”, antecipa.