Mano Brown vaga pelas noites paulistanas em seu carrão antigo, de onde filosofa sobre a vida, diz se embriagar de rap e elogia os sons rock e prog-rock de The Police, Phil Collins, Alan Parsons e Emerson, Lake & Palmer. Dexter acorda de madrugada na penitenciária (quando ainda estava preso) e sai para trabalhar no regime aberto, das 6 horas às 20 horas, comemorando o fato de voltar a pisar na terra, e não apenas no concreto – “exilado sim, preso não”, alerta sua camiseta enquanto o dia amanhece. Dois dos porta-vozes máximos do hip-hop brasileiro, Brown e Dexter são dos poucos rappers que evoluem pela noite no documentário Histórias e Rimas, do diretor Rodrigo Giannetto, nascido e criado na periferia sul paulistana.
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Quase sempre, a luz do dia é o timing e o tom dos depoimentos, que cobrem uma gama enorme de artistas, gerações, momentos de carreira, cidades, países. Numa das cenas registradas entre 2009 e 2019, Emicida aparece novinho, vestindo uma camiseta que prega a humildade, ainda frequentando os sebos de discos do centro paulistano, recomendado pelo lojista como novo talento prestes a emergir. “Sou porta-voz de quem nunca foi ouvido/ os esquecido lembra de mim porque eu lembro dos esquecido”, ele rima.

Karol Conka exibe a família e a casa modesta ainda na Curitiba (PR) natal, e sua mãe rememora os muitos episódios de racismo a que a filha foi exposta desde a infância. Também mais jovem, Projota mostra a laje que seu pai piauiense construiu sozinho para a família em terras paulistas. Rappers rimam em português, inglês, francês e espanhol, nas vielas das periferias e no centro paulistano, na praia e nos morros cariocas, no Catete e no Largo do Machado onde Marcelo D2 lembra ter sido camelô.
Ainda minoritárias, as mulheres do rap aparecem modestamente representadas: Tássia Reis, Flora Matos, Preta Rara, Negra Li, Erika, a pequena MC Soffia. Vão aparecendo e falando rappers mais ou menos veteranos (os paulistas N’Dee Naldinho, os Racionais MC’s Edi Rock, KL Jay e Ice Blue, Thaíde, DJ Hum, Helião e Sandrão do RZO, Markão e Elly do DMN, Rappin’ Hood, Negredo, DBS Gordão Chefe, Lino Krizz, Max B.O., Big e Junior do RDG, Gaspar do Z’África Brasil, Sombra do SNJ, Pregador Luo, MC Jack, SP Funk, Fernandinho Beatbox, RPW, o brasiliense GOG, os fluminenses BNegão, Black Alien e André Ramiro, Speed, André Ramiro e Marechal, o pernambucano Zé Brown, o catarinense Rael LDC…), mais ou menos novos e ascendentes (Rincon Sapiência, Edgar, Coruja BC1, o pequeno MC Kauan). Filho de Sabotage, assassinado em 2003, Sabota Jr. se arrepia ao falar do pai. Gaspar e Zé Brown louvam o repente, Rappin’ Hood conta que o samba veio primeiro que o rap. “Eu faço samba tipo Sabotage, rap tipo Jorge Ben“, remixa D2.

A principal característica de Histórias e Rimas é seu trunfo, mas também sua fragilidade. Impressiona a vastidão de artistas, lugares e situações filmados nos dez anos em que Rodrigo Giannetto coletou imagens e depoimentos. Por outro lado, a necessidade de acomodar uma gama enorme de personagens em uma hora e meia de enredo desestabiliza o resultado final, que tem de alternar depoimentos fortes com outros menos relevantes. Funciona mais como uma enciclopédia de rap do que propriamente um filme com um enredo – mas, sim, o rap também precisa estar nas enciclopédias.
Histórias e Rimas. De Rodrigo Giannetto. Brasil, 2021, 85 minutos. Disponível nas plataformas brasileiras iTunes, Google Play, Vivo, Now e Microsoft e nas internacionais Total Play, iTunes Latam, Google Latam e Microsoft México.