O grupo paulistano 3 Hombres, cujo disco de estreia, de 1989, será finalmente lançado com show único e um vinil novinho

Quase ninguém ouviu ou viu a banda paulistana 3 Hombres, cuja existência foi registrada pelos sismógrafos da cultura pop lá pelo final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Mas isso nem é tão estranho. O curioso mesmo é que nem a própria banda possuía o seu disco de estreia, Sob o Sol que Nunca Morre, gravado em abril ou maio de 1989.

Isso aconteceu porque, após a gravação do seu primeiro disco nos estúdios Quadrophenia, na Avenida Pacaembu, em São Paulo, ninguém se interessou em lançar comercialmente o álbum. A banda então gravou um segundo disco, De Volta ao Oeste, lançado em 1993 pelo selo independente Baratos Afins, que acabou ficando como o único, e depois debandou e aquele rolo de fita com o mix da aventura inicial deles se perdeu definitivamente alguns anos depois.

Sob o Sol que Nunca Morre foi gravado com produção do já lendário mago gaúcho Carlos Eduardo Miranda, que morreu em 2018. O milagre vem agora: quando a família de Miranda fazia o levantamento do espólio do produtor,  encontrou entre seu acervo de gravações uma fita cassete com o mix final daquele disco que tinha se perdido. Devolveu aos remanescentes da banda, que 33 anos após a gravação original encontraram finalmente uma gravadora interessada, a Caixa de Som, que deve lançar nos próximos dias o vinil do “disco perdido” dos 3 Hombres (que curiosamente eram cinco). Neste final de semana, saiu o primeiro single, um som que ficou mais de três décadas incubado e aparenta parentesco com um pós-punk mínimo (imaginei algo ali entre The Fall e Joy Division).

3 Hombres foi um supergrupo, porque reuniu o guitarrista Thomas Pappon e o baixista Jair Marcos (da banda cult Fellini), o guitarrista Celso Pucci (conhecido como Minho K, ou Minhoca, que tinha integrado a banda Verminose), o vocalista Daniel Benevides, o baterista Walter de Silva (do grupo Ness) e contou ainda com uma luxuosa participação do tecladista Roland Wolf (da banda australiano-britânica Nick Cave and The Bad Seeds). Minho K morreu a 16 de março de 2002.

O disco perdido dos 3 Hombres foi digitalizado e masterizado. Para celebrar, remanescentes da banda, Thomas Pappon, Jair Marcos e Daniel Benevides (mais dois convidados, Rainer Pappon e Clayton Martin, do grupo Cidadão Instigado) se reunirão para um show único e imperdível de lançamento, no dia 29 de março, a partir das 20 horas, no espaço cultural Centro da Terra, em São Paulo (Rua Piracuama, 11 – Sumaré). “Nessa ocasião singular, celebraremos in memoriam os 20 anos da partida de Celso ‘Minho K’ Pucci (guitarrista original dos 3 Hombres e então repórter/editor da revista Bizz e Estadão)”, contam os integrantes.

Os músicos narraram assim sua história:

“O ponto de partida foi um show do Fellini em que Daniel (Benevides) esteve presente e era fã. Na conversa de camarim, Thomas (Pappon) o convidou pra fazer um som, o que poderia ser o embrião de uma banda. Eles montavam um estúdio improvisado na sala da casa do Thomas. Ele plugava a guitarra num amplificador e Daniel pendurava o microfone no lustre. Faziam covers dos Beatles e do Neil Young. O entusiasmo era a tônica, a vontade de fazer algum barulho.
Uma noite aparece o Minho K. Com chapéu e botas de caubói, risada etílica e humor selvagem, trouxe sua Fender Telecaster. Soltou os acordes. Ali foi feita a primeira canção, intitulada, com muita imaginação, A Primeira.
O nome da banda veio de uma identificação vaga com o western spaguetti. E do disco do ZZ Top. O curioso é que nem era a banda que mais ouviam. As referências eram R.E.M., Nick Cave, Sonic Youth, Byrds e Echo & the Bunnymen.
O Jair, também do Fellini, assumiu o baixo, não apenas acentuando o ritmo, mas desenhando linhas melódicas. Já o Walter de Silva era o baterista de outra banda interessante da época, a Ness. Tinha um estilo simples e sincopado, que combinava bem com o repertório que ia se montando.
A gravação de um disco seria o próximo passo, com Miranda de produtor. Assim como o Minho K, ele era dessas personalidades inesquecíveis. Cabeludo, barbudo, corpulento e com grande sensibilidade musical. Amigos apareciam para dar uma espiada. Entre os convidados, vale citar Roland Wolf, então tecladista dos Bad Seeds. Para surpresa do grupo, ele se ofereceu para fazer a slide guitar fantasmagórica de A Primeira (por sua vez inspirada na slide guitar fantasmagórica do Blixa Bargeld em The Mercy Seat). É possível que Wolf também tenha feito a guitarra em Onde Começa o Inferno”.

Assim, no próximo dia 20, um artefato perdido virá impávido que nem Muhamad Ali conectar o som dos anos 1980 diretamente à nossa orfandade pós-pandemia. A título de depoimento pessoal alienígena, conto a vocês que este repórter foi amigo, bem naquela época dos 3 Hombres, do Walter de Silva, um cara de extrema gentileza que, de vez em quando, fazia umas resenhas para a página de vídeo que eu editava lá no antigo jornalão. Mas nunca vi uma apresentação da banda, só ouvi falar. Muito tempo depois conheci pessoalmente o Thomas Pappon e o Cadão Volpato, mas o Fellini, a banda que estava no embrião dos 3 Hombres, eu conhecia bem. O Jair só começamos a nos falar há pouco tempo, ele que me convidou para o show. Estive no comeback do Fellini em 2009 no Studio SP da Rua Augusta, mas não perderei essa por nada nesse mundo. 3 Hombres só vivem 2 vezes.

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