Cássia Kis mantém viva a obra de Manoel de Barros

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Cena da peça "O Meu Quintal é Maior do que o Mundo"
Cena da peça "O Meu Quintal é Maior do que o Mundo" - Foto - Gal Oppido

A partir da obra Memórias Inventadas, Cássia Kis dá forma às infâncias de Manoel de Barros trazendo para o palco a pluralidade das vivências do escritor no interior do Brasil. O espetáculo dirigido por Ulysses Cruz, em cartaz no Teatro Vivo, projeta a literatura brasileira para além dos seus círculos habituais.

Com o livro em punho, a atriz surge em Meu Quintal é Maior do que o Mundo e o que se vê não se parece em nada com um sarau. Cássia Kis não declama as poesias, mas encena os vários Manuéis retratados em Memórias Inventadas, trazendo para o palco a prosa do escritor que se descobriu poeta aos 13 anos. No palco, ora é um Manoel menino lendo suas Memórias Inventadas, ora um homem de meia idade escrevendo a sua trajetória ao rememorar as lembranças da infância. E, por vezes, um idoso contando causos de um povoado do interior do Brasil.

Ao interpretar uma criança, um homem de meia idade e um idoso de 85 anos, Cássia Kis estabelece um diálogo com as infâncias de Manoel, que seriam, na percepção do autor, fases de uma vida. É nessa toada que ela dramatiza a brincadeira do autor que escreveu três livros de prosas em resposta à provocação de produzir a sua autobiografia: A Infância, A Segunda Infância e A Terceira Infância. Lançados entre 2003 e 2008, os livros deram origem às Memórias Inventadas. Em 70 minutos de espetáculo, Cássia transporta o espectador para o universo das simplicidades de Manoel de Barros – o universo da natureza, das singelezas de uma vida ligada às coisas da terra e da curiosidade pela vida dos andarilhos, elementos que compunham o cenário da sua infância vivida no pantanal mato-grossense.

Assim como a criança, que permeia toda a obra de Manoel de Barros, o passarinho é outro elemento vívido e presente em Meu Quintal é Maior do que o Mundo, e é por meio da direção e criação musical de Gilberto Rodrigues que esse elemento é retratado. Gilberto e seus instrumentos musicais dividem o palco com a atriz e guia a cadência com a qual Cássia se movimenta no tablado por meio de melodias que expressam os passarinhos e outros elementos sonoros que retratam a natureza, recurso imprescindível numa obra teatral que se propõe a representar Manoel de Barros.

Os pontos altos do espetáculo são os versos mais famosos de Manoel, que remetem às peculiaridades do interior do Brasil, como o conto Gramática do Povo Guaitó. Nele, está expressa a riqueza cultural e a relação do autor com o povo indígena no começo do século 20 na fazenda do seu pai. Em Meu Quintal é Maior do que o Mundo, Cássia Kis usa sua autoridade de artista para revelar um Brasil rico de referências culturais retratado por Manoel, e cumpre a tarefa de levar a literatura brasileira para outros lugares além dos bancos escolares e cursinhos pré-vestibular.

Na vida real, Cássia Kis manteve uma proximidade com o escritor, relação que começou nos anos 1980 e se estendeu até a sua morte, em 2014. Entusiasta da literatura brasileira, a atriz lembra, como fez na sessão do dia 12 de março, a raridade de conviver com o escritor que se descobriu poeta aos 13 anos, e que comunicou o fato à família dizendo que desejava mesmo era ser fraseador, e não doutor.

Meu Quintal é Maior do que o Mundo é quase todo interpretado num cenário minimalista composto por um tapete e uma cadeira. Em comparação a edição de 2019, a deste ano tem alguns novos elementos cenográficos e novas cenas que podem surpreender quem assistiu a versão antes da pandemia.

* Resenha produzida para o Centro de Estudos Latino Americanos sobre Cultura e Comunicação da Universidade de São Paulo (Celacc-USP)

O Meu Quintal é Maior do que o Mundo. Direção de Ulysses Cruz. No Teatro Vivo, às sextas-feiras, às 20 horas, sábados, às 21 e domingos, às 18, até 27 de março. Ingressos a 60 reais.
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