O secretário Especial de Cultura do governo Bolsonaro, Mário Frias, editou nesta segunda-feira, 8, uma portaria pela qual se proíbe a exigência de passaporte de vacinação para a execução ou participação em evento cultural dos projetos incentivados pela Lei Rouanet. A portaria prevê adoção de multa ou reprovação do projeto em caso de desobediência. A portaria, de nº 44, choca-se com as políticas de quase todos os Estados brasileiros, notadamente o de São Paulo, cuja gestão Frias tem especial gosto em desafiar.
Ato contínuo, o titular da secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, o ex-PM negacionista André Porciúncula, cuja atuação se resume a ameaçar produtores culturais de retaliação na internet, publicou uma nota alardeando que vai perseguir as instituições culturais que exigirem o atestado de vacina para admitirem visitantes em suas instalações. “Com base na nova portaria publicada pelo secretário Mario Frias, que proíbe o criminoso passaporte de vacinação nos projetos da Lei Rouanet, hoje mesmo notificarei todos os que estão adotando tal prática, para que cessem imediatamente, sob pena de multa e bloqueio das contas”. É evidentemente uma bazófia, já que a inconstitucionalidade do texto de Frias é apontada por inúmeros juristas – para começar, viola o artigo 198, inciso I, da Constituição Federal, já que o secretário de Cultura não é autoridade de saúde pública, não pode impor regras na área (a adoção de restrições e multa da portaria podem caracterizar crime de abuso de autoridade, previsto na Lei 13.869/19, que sujeita os responsáveis às penas cabíveis).
Enquanto se dedicam a perseguir produtores, os gestores culturais do governo de Jair Bolsonaro também fazem outras coisas. Por exemplo: o governo nomeou nesta segunda-feira, 8, como titular do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan o advogado Lucas Jordão Cunha, que defende o vereador bolsonarista baiano Alexandre Aleluia em diversos casos judiciais, além de advogar para empresas do setor imobiliário, como a Graute Empreendimentos. Ex-sócio de Aleluia, Jordão Cunha já tinha sido nomeado Secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura substituto pelo governo.
O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural é o órgão colegiado de decisão máxima do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para as questões relativas ao patrimônio brasileiro material e imaterial, e existe desde 1937. O conflito de interesses é evidente.
A Bahia, como se sabe, abriga um notório foco de conflitos entre o patrimônio histórico, a especulação imobiliária e o poder político. Durante o governo Temer, ficou célebre o enfrentamento entre o ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, e o também ex-ministro Geddel Vieira Lima. Este último construiu um edifício em sítio tombado pelo patrimônio e, ao ser confrontado pelo Iphan, pediu a cabeça do superintendente. Ganhou não apenas a do superintendente como do ministro da Cultura (Calero se demitiu ao ser coagido por Temer a aceitar a pressão). Mas, logo adiante, a obra foi embargada e Geddel foi preso em outra ação policial.
O governo também nomeou hoje como chefe de gabinete substituto de Mário Frias um assessor do deputado Gil Diniz (o Carteiro Reaça, bolsonarista que foi expulso do PSL de São Paulo em julho do ano passado). A área de Cultura do governo federal passa praticamente a ser uma “filial” para um Gabinete do Ódio assalariado. Boa parte desse grupo provém da Assembleia Legislativa de São Paulo: no dia 21 de outubro, outro assessor de deputado bolsonarista, Bruno André Ferreira Costa de Jesus, foi nomeado Chefe de Gabinete da Fundação Cultural Palmares. Costa de Jesus era assessor do deputado paulista Frederico D’Avila (PSL-SP), que insultou o Arcebispo de Aparecida e o papa Francisco no último dia 14 chamando-os de “vagabundos” e “pedófilos safados” e disse que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) era um câncer e deveria ser extinta.