Morreu hoje no Rio de Janeiro, aos 70 anos, a escritora, editora, cantora e fotógrafa carioca Elizabeth Villas-Boas Bravo, a Lizzie Bravo. Sua morte foi confirmada por sua filha, a cantora Marya, no Facebook. “And in the end, the love you take is equal to the love you make. Te amo mãe RIP”, escreveu Marya. A citação em inglês (“E no fim/O amor que você recebe/É igual/Ao amor que você dá”) é da música “The End”, dos Beatles, gravada no disco Abbey Road, em 1969.
Lizzie fez muitas coisas na vida, mas talvez aquela que lhe tenha garantido um lugar na eternidade foi a deliciosa aventura que empreendeu no começo do ano de 1967, quando o pai lhe deu uma viagem a Londres como presente de aniversário. Ela tinha 15 anos e queria ir à Inglaterra para conhecer os Beatles. Seu avião pousou no aeroporto de Heathrow às 7 horas e às 10 horas ela já tinha conseguido seu intento – Paul e John pararam para conversar com as fãs e ela foi apresentada como nova integrante da turma.
A partir dali, Lizzie se tornou uma das integrantes “oficiais” do mais constante grupo de fãs dos Beatles que batia ponto em frente aos famosos estúdios de Abbey Road. Essas fãs eram tão obsessivas que acabaram sendo apelidadas de “Apple Scruffs” (algo como As Largadas da Apple).
Um ano após sua chegada, em 4 de fevereiro de 1968 (ela persistiu em Londres trabalhando como babá e arrumadeira), Lizzie estava no mesmo lugar na frente do estúdio da Apple Corps quando Paul McCartney surgiu repentinamente na porta do estúdio e perguntou: “Quem de vocês consegue segurar uma nota aguda?”. Lizzie, que tinha cantado em coral e era soprano, levantou rapidamente a mão, assim como sua colega Gayleen Pease. As duas foram então levadas para dentro do estúdio para gravar os vocais da canção “Across the Universe”, de John Lennon. A canção tem quatro versões, e em uma delas está registrada a voz da menina do Brasil – curiosamente, segundo lembrou reportagem da BBC Brasil, é a versão com a voz das garotas que acabou sendo escolhida pela Nasa em fevereiro de 2008 para o envio de uma mensagem para a estrela Polaris, a 431 anos-luz da Terra, como um cartão de visitas interplanetário.
O guitarrista George Harrison fez uma canção para homenagear aquelas fãs especiais, que se mantiveram à frente dos estúdios até o final dos Beatles. “Apple Scruffs” foi gravada por Harrison em seu álbum de 1970, “All Things Must Pass”.
Em 1998, publiquei pela primeira vez em um jornal as fotos que Lizzie fez dos Beatles durante aqueles dois anos, entre 1967 e 1969.
Em 2015, Lizzie lançou o livro “Do Rio a Abbey Road“, com 300 páginas (e prefácio do jornalista e escritor britânico Mark Lewinsohn, expert no quarteto de Liverpool), no qual a autora reuniu não apenas as fotografias como também seu diário de adolescente que registrou os encontros com John, Paul, George e Ringo.
Lizzie fez muitos trabalhos após a volta ao Brasil, em 1969. Como vocalista de apoio, gravou com Milton Nascimento, Joyce e Egberto Gismonti e com Zé Rodrix, com quem foi casada (é citada em um dos sucessos de Rodrix, Casa no Campo).
Em 1990, em um evento para anunciar sua primeira turnê pelo Brasil, Paul McCartney, após uma entrevista coletiva para jornalistas brasileiros, cumprimentou os presentes ao encontro em Indianápolis, nos Estados Unidos. De repente, parou diante de uma fotógrafa e perguntou a ela:
“Por que acho que te conheço?”.
“A gente cantou junto”, respondeu a mulher.
Era Lizzie Bravo. Segundo ela contou, Paul ganhou o livro que ela faria depois e se divertiu muito vendo as fotografias e relembrando as circunstâncias em que muitas delas foram tiradas, algumas em plena madrugada, durante as sessões de gravação imersivas de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, entre fevereiro de 1967 e abril de 1967.