Daniel Galera, em “O Deus das Avencas”, fala do destino

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Daniel Galera lança "O Deus das Avencas"
Daniel Galera lança "O Deus das Avencas" - Foto Daniel Galera/Wikimedia Commons

Em O Deus das Avencas, o paulistano Daniel Galera fala do passado e do futuro, e engancha o leitor por um sentimento vivo de qualquer tempo, o de que o destino já foi traçado para todos. Mas seria um engano dizer que há um pré-determinismo, um abismo do qual é impossível escapar. A história de cada um ainda está sendo escrita.

O livro é constituído de três pequenas histórias, não relacionadas entre si. A primeira delas é homônima à obra e apresenta o passado tão presente para os brasileiros. Manuela e Lucas estão prestes a ter um filho, carinhosamente planejado para vir ao mundo da maneira mais natural possível. O casal quer se desconectar do mundo, desligando até mesmo a internet com a chegada das primeiras contrações. Mas as longas horas derradeiras coincidem com o nascimento de uma monstruosidade, a ascensão de Bolsonaro nas eleições de 2018.

A escrita de Galera consegue ser comedida e abundante ao mesmo tempo. Suas frases, mesmo as curtas, carregam toneladas de informação. O bombardeio informativo ajuda a moldar as inseguranças, incertezas e os desejos que cercam Manuela, Lucas e os brasileiros.

Sabe que não pode demorar muito por ali, o filho pode nascer ou os parentes podem chegar. Ainda tem uma ou duas horas de autonomia, talvez o último tempo solitário que terá por meses ou anos.

Se a primeira história, “O Deus das Avencas”, se passa em Porto Alegre, a segunda oscila entre “Tóquio” e São Paulo. Mas é no futuro, talvez meados do atual século, quando Galera imagina que o planeta já esteja em processo de colapso climático. A capital japonesa já foi assolada pelo aquecimento global, por pandemias e outras agruras do desenvolvimento desenfreado. O leitor é conduzido pelo narrador-protagonista, que frequenta uma sessão terapêutica coletiva. Embora possua seus próprios problemas, é ao ouvir os depoimentos dos outros que esse protagonista solitário puxa o novelo de seus dramas particulares, tanto o amor de seu passado, Cristal, quanto a relação com a mãe, uma bilionária que nunca lhe deu muita atenção. Nesse futuro distópico, ele carrega a consciência de sua mãe em um dispositivo. Todos os seres humanos digitalizaram suas mentes.

Pensei que algo mais grave que o habitual devia estar acontecendo e me veio à lembrança o ano dos bombardeios às fazendas de servidores das big techs e dos ataques de torpedos aos cabos de rede oceânicos, que ceifaram para sempre o paradigma de internet global e onipresente.

A narrativa que encerra O Deus das Avencas é “Bugônia”, numa época em que o homem perde sua centralidade. A protagonista Chama vive dentro de uma comunidade ameaçada de destruição, e em que os seres humanos compartilham suas vidas com abelhas, plantas ou outros animais. De mais difícil assimilação que as outras duas histórias, o fechamento do livro de Galera remete a uma hipotética e necessária união entre os seres vivos em busca da sobrevivência.

Nestes recintos vivem todos os tipos de planta que existem no Topo e algumas que Chama nunca viu fora daquelas paredes, folhagens e flores enraizadas e vasos de terra, algumas em pedras ou tocos de madeiras. Há árvores em miniatura produzindo frutos de tempos anigos, pêssegos, tomates. Entes difíceis de avistar aparecem ali. Formigas, aranhas, vespas amarelas ou pretas e miúdas, joaninhas.

Capa do livro O Deus das Avencas
O Deus das Avencas

O Deus das Avencas. De Daniel Galera, Companhia das Letras, 2021, 248 págs., 55 reais.

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