As memórias perdidas de B.B. King

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B.B. King, capaz de deixar uma música subliminar no ar quando tocava a guitarra - Foto: Facebook 4/10/2014

Black White and Blues, filmado em turnê pelo Brasil em 2004, revela a carga social do blues

Em 2004, o cantor, compositor e guitarrista B.B. King vivia uma fase áurea. Aos 79 anos, a depuração musical do seu estilo atingiu o ápice, parecia que King incorporava as pausas e os silêncios aos seus infindáveis solos de guitarra. Naquele ano, ele veio ao Brasil (como sempre fazia desde os anos 1980) para fazer uma turnê pelo País. Seus produtores alugaram um ônibus de dois andares e ele circulou pelas estradas e por seis estados. “Gosto de parar e descer, olhar, conversar, aprender. De avião não dá para fazer isso”, explicou.

Já era então um mega-astro. Tinha tocado com Stones e U2 (que o idolatravam), ganhara inúmeros prêmios Grammy, a fabricante de guitarras Gibson o nomeou embaixador do instrumento no mundo. O diretor brasileiro Ricardo Nauenberg procurou King para colher um depoimento para um filme, e o resultado, Black White and Blues, é estruturado em cima dessa longa conversa na qual o bluesman repassa toda sua vida desde o nascimento na rural Indianola, no Mississippi. A entrevista foi registrada por Nauenberg durante uma filmagem para o portal UOL, para o qual tinha sido contratado para cobrir somente a turnê. Com o entusiasmo de King, o diretor resolveu colher um longo depoimento retrospectivo. Mas houve uma mudança na direção de marketing da empresa que contratou a produtora e a nova gestão não demonstrou interesse no material, que acabou ficando esquecido nos últimos 17 anos, sendo resgatado somente agora.

King conta, entre outras coisas, como a música entrou na sua vida, por intermédio de um tio, o reverendo Archie Fair, como comprou seu primeiro violão (e as cordas eram vendidas em farmácias), a vida após a morte da mãe (entre os 9 e os 14 anos, manteve-se sozinho no mundo) e, principalmente, esclarece a ligação entre os sons ancestrais dos escravos dos algodoais do Delta do Mississippi e a sua música. Lembra que tocava música gospel no princípio, mas quando tocava o blues ganhava mais dinheiro e era mais apreciado. Assim, o ex-motorista de trator agrícola deixou o trabalho na lavoura para viver da sua guitarra e teve seu primeiro encontro com o lendário produtor Sam Philips, dono da Sun Records (que revelou Elvis).

King se detém bastante lembrando da cena em que emergiram os protestos pelos direitos civis norte-americanos, e conta como foi sua afirmação num cenário de segregação racial. “Como eu disse, era uma sociedade racista. Em uma parte da rua, os brancos andavam; na outra, os negros. Às vezes, eu sentava no meio-fio e tocava. Eles ouviam e vinham, às vezes brancos, às vezes negros, e diziam: ‘Isso é bom, rapaz’. Mas não se aproximavam”.

O texto do filme desliza em alguns momentos, incorrendo em clichês e mesmo em imprecisões, mas é a voz de King que conduz tudo, entremeada com a filmagem de shows do artista (especialmente no clube Bourbon Street, em São Paulo, que ele inaugurou e no qual tocou inúmeras vezes, doando sua guitarra Lucile ao proprietário, Edgard Radesca) e a performance de canções memoráveis, como Paying the Cost to the Boss (1968).

O depoimento de King ao filme brasileiro é um dos mais preciosos de sua carreira. Ele vai além de sua biografia, fala de suas motivações essenciais. No final da vida, possuía um velho caminhão Chevrolet que apelidou de El Camiño. Nele, percorria as estradas do sul americano. “Você tira o garoto do campo, mas você nunca tira o campo de dentro do garoto”, ele diz.

 

Black White and Blues. Lançamento: 1° de julho, na plataforma digital ZYX

(www.zyx.solutions). Gratuito de 1° a 4 de julho e, após, 10 reais

 

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