Cultura é um mundão de coisas.
Na Barraca do Juvená, na Praia de Itapuã, num canto da orla de Salvador, uma dessas coisas fundamentais da panaceia da cultura se realizava plenamente: a arte do encontro, da boa recepção, da amizade, do abrigamento.
Como um Dumbledore tropicalista, a longa barba amarrada ao meio por um broche, Juvená sentava-se à mesa enfiada na areia e parecia emboscado ali esperando pelo papo forasteiro ou por uma consultoria astral.
Salvador perdeu Juvená hoje, aos 78 anos, de complicações da Covid-19.
Eu conheci o canto dele há mais de uma década, levado pela Cris (e pela pequena Nina).
Nunca mais esqueci das fotos de Caetano & Cia de sunga ou biquíni espalhadas pelas paredes da barraca, os manifestos de desbloqueio político e sentimental, panfletos libertários, e as cadeiras afundadas desniveladamente pelo chão movediço, com cerveja sempre gelada chegando em embalagens térmicas com alguma areia velha dentro.
Juvená era o apelido do psicólogo Juvenal Silva Souza.
Sua barraca se tornou uma espécie de zona franca diplomática da capital baiana.
Ele mesmo estava sempre por lá, como um embaixador do sorriso genuíno. Foi um alvo da ditadura militar, e disputou eleições.
Psicólogo de formação, era uma figura conhecida nas festas de largo (festas religiosas típicas, como as de São Lázaro, Nossa Senhora da Conceição da Praia, Santa Luzia, que inundam janeiro, chegam à Lavagem do Senhor do Bonfim, e culminam com a festa de Iemanjá). Reza a lenda que Juvená uma vez ficou 15 anos sem sair de um quadrilátero de Itapuã maior do que cinco quadras.
Chamava os amigos de “Animal”, e estes retribuíam o tratamento, e assim alguns o conheciam como Juvená, O Animal.
Não conheci o Juvená de verdade, apenas o cumprimentei umas 5 vezes numa mesma tarde e fiquei vendo como se incumbia com nobreza daquela função de Imperador da Vida Fora de Portas.
Fiz a foto que ilustra esse texto quando ia embora, nunca mais voltei. Em 2010, o prefeito Grampinho mandou derrubar as barracas da orla, e a de Juvená foi embora junto. “Não me imagino mais longe do mar”, ele declarou, com tristeza, na época.
A gente sabe quando um sujeito tem ascendência sobre o seu tempo e a sua terra.
Juvená era uma dessas figuras.
Ele estava internado desde quarta-feira no Hospital da Bahia. Seu corpo seria cremado na tarde deste domingo (30), em cerimônia restrita, no Cemitério Jardim da Saudade, lá onde hoje fica o santuário de Raul Seixas.

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