A morte do ator Paulo Gustavo na noite desta terça, 4, aos 42 anos, é um choque para todos que tenham um pouco de percepção das coisas do mundo artístico. Porque todos acompanhamos, de um modo ou de outro, a sua perseverante escalada, desde os horários e programas alternativos da TV, rumo ao estrelato. Era evidente, para todos que viam seus antigos programas no Multishow, meio mambembes, bem antes da grande explosão, que o talento o destacaria daquele pelotão a qualquer momento e o colocaria no topo do negócio. Talvez não imaginássemos que acontecesse tão rápido, em apenas 7 anos.
Mas sua morte devido à Covid-19 adquire um caráter ainda mais simbólico, porque Paulo Gustavo lutou duplamente contra essa praga. Além de resistir durante 21 dias aos martírios dos sintomas insidiosos do vírus, Paulo Gustavo tinha se convertido no arrimo de família do cinema nacional na situação de isolamento social, porque quem salvou o cinema em 2020 foi o filme Minha Mãe é uma Peça 3, que estreou na última semana de 2019 e bateu o recorde de filme nacional com a maior arrecadação de bilheteria, em valores absolutos, desde a retomada do cinema brasileiro em 1995. O filme do comediante, terceiro derivado da franquia cinematográfica da peça de teatro original, teve, segundo dados da Ancine, uma receita em torno de R$ 180 milhões e o público superior a 11 milhões de espectadores, sendo mais de 8 milhões em 2020. O filme “estrelado” por Dona Hermínia (inspirado na mãe dele, Dona Déa) representou, sozinho, mais de 95% do total de espectadores de longas brasileiros no ano.
É evidente que Paulo Gustavo não desfrutava de unanimidade como comediante, longe disso. Locomovia-se naquela fronteira perigosa em que frequentemente se cai em uma valeta, um desnível da calçada, o passo em falso que armazena facilidades de caricatura e alguns estigmas preconceituosos. Mas o que o destacava era maior, era a facilidade em criar em movimento, dançar na chapa quente. Não que a Tata Werneck e o Marcelo Adnet não tenham tal habilidade, são monstros, mas Paulo Gustavo tinha a seu favor ainda a versatilidade, o que o destacava como ator (embora não tivesse tanta intimidade com o texto).
Se o espectador de televisão acompanhou hoje o depoimento do ex-ministro da Saúde Mandetta na TV e pegou na sequência, agora de noite, a notícia da morte do comediante, não terá a menor dúvida em apontar qual foi a sequência de fatos escalafobéticos que culminou com essa tragédia, uma a mais a reforçar nossa sensação de impotência diante de um quadro de inumanidade, de privação da razão e exacerbação dos rancores.
Uma perda não só para o cinema e a tv brasileiros, um soldado a menos no combate à homofobia, ao sexismo ao preconceito. Estamos mais órfãos hoje.