Marçal Aquino não publicava um livro desde 2005, ano do romance Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios. No inverno pandêmico de 2020, o autor concluiu a sua nova obra, Baixo Esplendor, e fez questão de deixar registrados alguns tuítes-desabafo: “Pra um livro valer a pena, o escritor deve sempre correr mais riscos do que os personagens” e “hoje almocei conversando com os personagens do livro que estou concluindo. Não há nada de louco nisso: é a última vez que estão todos vivos”.
As postagens revelam que o escritor teve lá suas razões para não publicar um novo livro nos últimos 16 anos, além de estar envolvido em outros projetos, como a criação de roteiros de cinema e tevê. Mas fez falta à literatura brasileira a presença de um ficcionista capaz de retratar tão vivamente os escombros do real como faz Marçal Aquino. O pano de fundo, como em outras obras do autor, é a narrativa da violência, um quase-gênero da literatura que, no ano passado, perdeu Luiz Alfredo Garcia-Roza e Rubem Fonseca.
Em Baixo Esplendor, a história se passa em 1973, um dos anos mais violentos da ditadura no Brasil. O policial Miguel se infiltra numa quadrilha de ladrões de carga e passa a ganhar a confiança do chefe deles, Ingo. Em pouco tempo, conquista o amor da irmã de Ingo, a libertária Nádia, por quem o agente infiltrado se apaixona perdidamente. Miguel também tem de prestar contas ao delegado Olsen, que chefia a operação policial. O autor entrelaça as histórias que transitam entre a tórrida paixão vivida pelos protagonistas e a tensão do submundo criminal sem perder a voltagem necessária da violência simbólica que é o combustível desse romance. Há sexo de sobra e tiros de menos nas primeiras partes do livro, com a equação se invertendo mais para o final.
Jornalista que já atuou em veículos como Jornal da Tarde e O Estado de São Paulo, Marçal Aquino propõe situações e descreve cenas que jamais soam inverossímeis ou improváveis. Mas não tente encontrar reflexões sobre a política brasileira. Não é sobre isso o novo livro do escritor. As páginas de Baixo Esplendor são escritas pela pulsão de vidas que a maioria desconhece, mas não restam dúvidas de que existem. É apenas um mergulho na realidade.
O escritor explora os personagens principais e secundários como se fizessem parte de núcleos dramáticos múltiplos e distintos. Convém não menosprezar ninguém, todos serão relevantes para a construção da grande narrativa. Econômico nas palavras e exímio contador de histórias, Aquino se arrisca, com prosa ágil, a narrar as idas e vindas dos personagens, sem que se perca o fio condutor por um instante sequer. Não é difícil se enganchar nessa história: o que acontecerá com Miguel, Nádia e Ingo, questiona-se e torce o leitor, parágrafo a parágrafo, página a página. Os tuítes do autor até poderiam soar spoilers, mas servem mais para uma interpretação reconfortante aos que terminarem de ler a obra.
Baixo Esplendor. De Marçal Aquino. Companhia das Letras, 264 págs., 50 reais.