“Mais que especiais” [“Hors normes”; drama, França, 2019, 114 minutos] retrata a inequação entre a ineficiência do Estado em garantir alguns direitos e a burocracia do próprio Estado em permitir que pessoas, físicas ou jurídicas, cheguem até onde o aparato estatal não alcança. O filme se passa em Paris, mas poderia ser em qualquer lugar do mundo.
De Olivier Nakache e Éric Toledano, os mesmos diretores do indispensável “Intocáveis” (2011) e de “Samba” (2014), o filme foi aclamado em Cannes, tendo encerrado a edição do ano de seu lançamento, e foi exibido no Brasil no fim do ano passado, na programação do Festival Varilux de Cinema Francês – estreia em salas nacionais nesta quinta-feira (25).
Baseado em fatos reais, o filme aborda o cotidiano de dois amigos, responsáveis por duas organizações não-governamentais sem fins lucrativos que há 20 anos se ajudam mutuamente na tarefa de cuidar de pessoas com transtorno autista severo, ancorados em suas vocações e paixões, essas palavras-sentimentos tão fora de moda hoje em dia. A metodologia de trabalho da dupla inclui a “formação” de cuidadores escolhidos entre camadas menos favorecidas da sociedade.
Vincent Cassel e Reda Kateb interpretam Bruno e Malik, respectivamente, personagens inspirados em Stéphane Benhamou e de Daoud Tatou, por sua vez fundadores das ONGs Le Silence des Justes e da Le Relais IDF.
Trabalhando no limite, as organizações de Bruno e Malik são, por vezes, a última esperança de pais e mães que não creem no confinamento e na medicação enquanto sinônimo de dopagem como tratamento, solução ou alternativa para seus filhos. “Quase nunca se pensa nessas pessoas quando atingirem a idade adulta”, diz uma mãe a certa altura.
Nakache e Toledano são especialistas em mergulhar profundamente em temas sensíveis sem nunca perder o bom humor – não aquele escrachado, tipicamente brasileiro, que costuma reclamar dos limites do politicamente correto –, um humor sutil e elegante, uma estratégia inteligente no sentido de colocar mais gente em contato com os temas que abordam.
Comovente, “Mais que especiais” joga luz sobre a questão do autismo – e de resto sobre temas sensíveis como mobilidade, diversidade, tolerância e respeito, em uma obra delicadamente humanista, como o próprio trabalho de seus protagonistas, gente que se entrega ao ofício abraçado, mesmo que isto lhes custe a fragilização de suas próprias relações pessoais.
Como os próprios Bruno e Malik alegam: não são super-heróis, são homens comuns – fazendo o que outros homens comuns, infelizmente, não costumam fazer. Eis a grande diferença.
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