A Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo está sendo acusada de favorecimento, direcionamento e concessão de privilégios a grupos culturais em sua política dita de emergência, relacionada à Lei Aldir Blanc. Um dos casos apontados por artistas e produtores diz respeito à seleção do edital Proac Expresso LAB, que premiou três vezes, em 23 de novembro, uma mesma empresa, a Gullane Entretenimento, dando à produtora R$ 615 mil reais. A Gullane ganhou por Histórico de Realização em Audiovisual, Histórico de Distribuição de Longas e Histórico de Realização de Séries.
Sem discutir o mérito da Gullane, mas a decisão da comissão de seleção da secretaria contraria a própria regulamentação do edital do Estado e o espírito da Lei Aldir Blanc. Segundo o texto do Estado, o edital do Eixo Premiação só pode ter um projeto inscrito, e o proponente só pode ser contemplado por propostas diferentes – caso seja contemplado com a mesma proposta em mais de um edital, deverá optar por um projeto. Para um prêmio de emergência cultural, o volume de recursos na mão de uma única empresa suscita certa desconfiança de desvio de finalidade.
Ao mesmo tempo em que concentra em sua área de gravitação (empresas grandes e influentes) um volume significativo de recursos, a secretaria dirigida por Sérgio Sá Leitão peca por inação na outra ponta. Já transcorreu metade de dezembro e, até agora, não se pagou um centavo a um dos eixos mais frágeis do sistema cultural: o artista independente. Por conta disso, o Fórum de Emergência Cultural LAB está fazendo circular uma petição para que o secretário Leitão garanta o pagamento de 100% das inscrições habilitadas nos editais do Proac no Estado de São Paulo. A carta é assinada por mais de 100 organizações do setor cultural e criativo de São Paulo.
A secretaria chegou a argumentar que teve problemas com o Dataprev (empresa de tecnologia e informações da Previdência) para validação dos proponentes e tinha prometido pagar os recursos o quanto antes. Os recursos, garantidos por um projeto da deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e aprovados após ação da oposição no Congresso, estão nos cofres dos Estados e municípios desde setembro e o prazo de seu pagamento é 31 de dezembro – o governo federal fala em prorrogar esse prazo para janeiro de 2021, mas ainda não foi definido isso.
O benefício de R$ 600 (inciso I) se destina, segundo a Lei Aldir Blanc, a artistas independentes individualmente. Ocorre que, de fato, grande parte das pessoas que teriam direito a esse dinheiro já tinha sido contemplada pelo programa emergencial de renda do governo federal, e não se pode duplicar o benefício. O saldo deveria então ser revertido a novos editais.
Na semana passada, o governo Doria regulamentou o seu Fundo Estadual de Cultura para abrigar parte dos recursos da Lei Aldir Blanc, de forma a garantir a primazia do direcionamento dos recursos segundo seus critérios. Essa possibilidade é prevista em lei, mas ela só ocorre se não houver o aproveitamento do total de recursos destinados no prazo estabelecido – a secretaria tinha informado que pagaria o inciso II até o dia 20. O que chama mais a atenção é que o percurso dos recursos da cultura no Fundo Estadual de Cultura prevê uma aberração: a transferência de um “superávit financeiro” apurado em balanço ao final de cada exercício à Conta Única do Tesouro Estadual para o “pagamento de aposentadorias e pensões do Regime Próprio de
Previdência Social do Estado”. Ou seja: permite desviar a finalidade da verba da Lei Aldir Blanc.
Os coletivos temem que a movimentação da secretaria represente um “corpo mole” deliberado, uma manobra para ficar com a sobra dos recursos à sua disposição.